Geral
|
3 de agosto de 2023
|
13:31

Levantamento inédito do IBGE pode assegurar políticas públicas para a população quilombola

Por
Duda Romagna
[email protected]
Ubirajara Toledo no Quilombo do Areal, em fase da portaria de reconhecimento. Foto: Luiza Castro/Sul21
Ubirajara Toledo no Quilombo do Areal, em fase da portaria de reconhecimento. Foto: Luiza Castro/Sul21

Na última semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do primeiro levantamento sobre a população quilombola residente no Brasil, junto ao Censo Demográfico de 2022. Para Ubirajara Carvalho Toledo, metroviário e integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ), a pesquisa inédita é uma ferramenta que reforça o papel do Estado em assegurar os direitos da população quilombola, já determinados na legislação. “O Censo está coadunado com aquilo que está escrito na Constituição, que diz que é reconhecida a propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O quilombola é reconhecido como sujeito de direito e com quem o Estado tem responsabilidade”, observa.

Segundo os dados do censo, 1.327.802 pessoas se identificam como quilombolas no país, correspondendo a 0,65% da população. O levantamento mostrou também que o Rio Grande do Sul é o 13º estado brasileiro em número absoluto de quilombolas, com 17.496, e o primeiro na região Sul, seguido por Paraná, com 7.113, e Santa Catarina, com 4.447.

Toledo atribui a inclusão da questão no Censo Demográfico ao esforço da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e do movimento negro. “Há um trabalho importante de fazer esse diálogo com o IBGE e mostrar esse Rio Grande e esse Brasil profundo onde tu encontra comunidades negras rurais em condições ainda muito aquém daquelas que são de viver com dignidade”, afirma.

 

Quilombo do Areal. Foto: Luiza Castro/Sul21

De acordo com os dados do levantamento, 2.608 quilombolas gaúchos vivem em territórios oficialmente delimitados (14,91%) e os demais 14.888 fora desses territórios (85,09%). Segundo Toledo, isso se deve ao deslocamento dessa população para outras áreas, já que, diferente do que assegura a Constituição, muitos territórios não foram delimitados ou garantidos.

“A política que trata da titulação é fruto de toda uma discussão, de norte a sul e de leste a oeste do país, que está diretamente relacionada com a questão dos ciclos econômicos que nós vivemos. Quando encerrou o ciclo do algodão, os senhores abandonaram os seus campos e deixaram seus negros lá. Nunca houve um processo de inclusão. A primeira lei de terras do Brasil de 1850 impedia que negros e indígenas, mesmo que estivessem em testamentos e tivessem documentos, conseguissem registrar suas terras”, explica.

Em particular no Rio Grande do Sul, Toledo aponta que houve um apagamento histórico da população quilombola e negra na descrição do Estado como um território branco e europeu, como uma tentativa de esconder que sua construção foi feita pelas mãos de homens, mulheres e crianças negras durante a escravidão. Os números, no entanto, evidenciam a presença dessas pessoas. “O apagamento oficioso dessa parcela expressiva exime o Estado de políticas públicas para uma população que existe e que está na maioria das cidades do Estado do Rio Grande do Sul”, diz.

Para o Censo 2022, foram consideradas quilombolas as pessoas que se autoidentificaram como tal. A pergunta “Você se considera quilombola?” abria no aparelho utilizado pelo recenseador apenas em localidades previamente mapeadas pelo IBGE, que englobam territórios quilombolas oficialmente delimitados, agrupamentos quilombolas e demais áreas de conhecida ou potencial ocupação.

Quilombo do Areal. Foto: Luiza Castro/Sul21

Os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) utilizados pelo IBGE mostram que o Rio Grande do Sul possui 27 territórios quilombolas oficialmente delimitados, com diferentes status fundiários. Somente três territórios estão integralmente titulados pelo Estado: Chácara das Rosas (Canoas), Família Silva (Porto Alegre) e Rincão dos Martimianos (Restinga Seca).

O caminho até a titulação de territórios é burocrático. É necessário, primeiro, a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos da Fundação Cultural Palmares. Depois, é feito o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), um estudo técnico elaborado e publicado pelo Incra, a primeira fase do processo de titulação.

Um Comitê de Decisão Regional (CDR) analisa o relatório e, se aprovado, o publica, senão, o arquiva. O RTID é encaminhado para a Fundação Palmares, IPHAN, SPU, FUNAI, Conselho de Defesa Nacional, Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, Instituto Chico Mendes e os órgãos ambientais estaduais para que se manifestem em até 30 dias. O processo de identificação do território acaba com a publicação de uma portaria pelo Incra.

A partir disso, se o território incidir em terra privada, o Incra deverá desapropriar a área, indenizar o proprietário para então proceder a titulação. Se estiver em terras do Estado, o processo será encaminhado para o órgão competente para que proceda a titulação.

 

Moradores do Quilombo do Areal. Foto: Luiza Castro/Sul21

Seis territórios estão com decreto de desapropriação por interesse social, que autoriza a desapropriação das áreas inseridas em seus limites e estão em processo de indenização dos imóveis:

  • Cambará (Cachoeira do Sul)
  • Casca (Mostardas)
  • Manoel Barbosa (Gravataí)
  • Quilombo dos Alpes (Porto Alegre)
  • Rincão dos Caixões (Jacuizinho)
  • São Miguel (Restinga Seca)

Seis estão na fase da portaria de reconhecimento:

  • Areal Luiz da Guaranha (Porto Alegre)
  • Arvinha (Sertão)
  • Limoeiro (Palmares do Sul)
  • Mormaça (Sertão)
  • Palmas (Bagé)
  • São Roque (Mampituba)

Outros 12 territórios estão com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação:

  • Anastácia (Viamão)
  • Arnesto Penna (Santa Maria)
  • Cantão das Lombas (Viamão)
  • Costa da Lagoa (Capivari do Sul)
  • Família Fidélix (Porto Alegre)
  • Fazenda Cachoeira (Piratini)
  • Linha Fão (Tigre)
  • Morro Alto (Maquiné e Osório)
  • Paredão (Taquara)
  • Picada das Vassouras (Caçapava do Sul)
  • Quadra (Encruzilhada do Sul)
  • Rincão dos Negros (Rio Pardo)

 

Quilombo do Areal. Foto: Luiza Castro/Sul21

Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora