Geral
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3 de junho de 2022
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09:21

Promessa de armazéns para cultura e ausência de laudo marcam debate sobre futuro do Cais

Por
Luciano Velleda
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Futuro do cais debate as diferentes propostas de reabrir a região à população da cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21
Futuro do cais debate as diferentes propostas de reabrir a região à população da cidade. Foto: Luiza Castro/Sul21

A saga da revitalização do Cais Mauá teve mais um capítulo nesta quinta-feira (2), com a realização da segunda audiência pública para discutir o projeto apresentado pelo governo do Estado. Ao contrário da primeira audiência, ocorrida no final de abril, dessa vez o diálogo entre governo e sociedade civil pareceu estar num nível menos belicoso.

Contou a favor da melhora nos ânimos a reunião realizada no último dia 26 de maio, entre professores da UFRGS e representantes do Coletivo Cais Cultural e o governo estadual, quando se debateu a proposta de ocupação cultural do Cais Mauá. O projeto, formulado pelo grupo e apresentado em novembro de 2021, com a ideia de que a revitalização do Cais seja destinado à promoção de atividades culturais, sem a necessidade de privatizar o espaço, até então ainda não havia sido sequer ouvido pelo governo do Estado e isso estava sendo motivo de conflito no debate público envolvendo o futuro do cais.

Entre a primeira e a segunda audiência, os principais avanços são a garantia de que a revitalização do Cais incluirá, como obrigatoriedade para o grupo privado que assumir o espaço, a existência de no mínimo três armazéns destinados ao uso de atividades artísticas e culturais, exposição e eventos, e para a instalação de um complexo de economia criativa. Outro avanço é a concordância de que esses espaços ficarão sob gestão pública.

Até então, o uso de alguns armazéns para essa finalidade estava posto como uma possibilidade para o futuro ente privado, enquanto agora o governo estadual definiu como uso obrigatório. Ainda assim, para que isso se consolide efetivamente, tudo precisará estar especificado no edital da Parceria Público Privada (PPP) que o governo estadual pretende lançar ainda este ano.

“Teremos que ter atenção com os termos do edital, e os prováveis anexos”, comenta Eber Pires Marzulo, professor do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e um dos autores do projeto alternativo de “Ocupação Cultural do Cais do Porto de Porto Alegre”.

Embora ressalte a demora do governo em se abrir para o diálogo, Marzulo avalia que ele  agora está ocorrendo e em bom nível. O mesmo sentimento foi expresso na audiência pelo chefe do departamento de ativos imobiliários do BNDES, Osmar Lima, ao falar que há convergência entre o projeto elaborado pelo governo com o projeto alternativo do Coletivo Cais Cultural.

“Há muita complementariedade nas propostas, há uma sinergia possível, os modelos não são incompatíveis. O modelo de PPP não é incompatível com uma gestão, preponderantemente nos armazéns, destinada à cultura. Os modelos se conversam”, afirmou o representante do BNDES, órgão que contratou o consórcio Revitaliza para fazer a modelagem do negócio.

Para enfatizar a posição, Lima disse que os armazéns destinados a atividades culturais não preveem receita no modelo econômico-financeiro do negócio, ou seja, a atividade ter ou não custo, e o valor desse custo, dependeria da política pública para o espaço. “Os armazéns estarão disponíveis para que seja feita política pública de cultura neles”, afirmou, destacando ainda ser preciso acertar como seria o modelo de governança dos espaços.

O secretário estadual de Parcerias, Leonardo Busatto, seguiu o mesmo tom ao enfatizar que, no mínimo, três armazéns obrigatoriamente terão destinação específica para arte, cultura, eventos e economia criativa, e que o desafio a partir de agora é definir a gestão dos locais e deixar claro no contrato o uso cultural. A quantidade de três armazéns com essa finalidade ainda é considerada pouca pelo professor da UFRGS.

“A utilização do espaço será o mais plural possível, tentando atender os atores os diferentes atores da sociedade”, afirmou Busatto.

A proposta do governo estadual é conceder o Cais à iniciativa privada, por um prazo de 30 anos, em troca de investimentos na “modernização”, conservação e urbanização do espaço situado no centro de Porto Alegre.

Projeto apresentado pelo governo dos diferentes usos com a revitalização do Cais Mauá. Imagem: Reprodução

Uma das convergências entre a proposta do governo e a do Coletivo Cais Cultural é a alienação das docas como forma de subsidiar a revitalização dos armazéns. Porém, há também divergência, já que o governo estadual diz que o valor de R$ 90 milhões previstos no projeto alternativo não é suficiente para custear a revitalização e a manutenção dos armazéns, assim como um novo modelo de contenção das águas que substituirá o Muro da Mauá, que seria então derrubado.

Na proposta do Coletivo, o terreno das docas seria vendido para financiar a restauração e conservação dos armazéns do Cais, com o valor sendo depositado num fundo a ser criado. No entanto, o secretário estadual de Parcerias acrescentou não ser viável o valor ser transferido para um fundo novo, pois a legislação patrimonial obriga que o dinheiro da venda das docas seja depositado no Fundo de Gestão Patrimonial, sem garantia de uso na revitalização dos armazéns.

Para contornar o problema, o governo explicou na audiência de que forma o modelo de PPP resolve essa questão ao usar as docas como pagamento das obras e serviços a serem feitos nos armazéns e na região do Gasômetro. Além de obter retorno financeiro com as atividades econômicas nos armazéns, a empresa privada que assumir o espaço também terá ganho econômico com os nove prédios previstos para serem construídos nas docas, sendo seis residenciais, dois comerciais e um hotel.

Nesse aspecto, assim como na primeira audiência, o segundo encontro novamente evidenciou um problema ainda não esclarecido pelo governo estadual. Inicialmente, o governo também previu arrecadar em torno de R$ 90 milhões com a alienação das docas, porém não apresentou o laudo de avaliação imobiliária com o valor do terreno das docas. Há rumores de que o terreno possa valer bem mais, em torno de R$ 140 milhões. A ausência do laudo, peça chave em todo o modelo de negócio formulado pelo governo, causou incômodo em diversas pessoas que se manifestaram na audiência.

Ao final do encontro, o coordenador do consórcio Revitaliza, João Lauro da Matta, procurou tranquilizar o público. Disse que em breve o laudo será tornado público e “não vai sobrar dúvida de quanto vale as docas”.

Nas contas do governo, o projeto de revitalização do Cais Mauá custará R$ 366 milhões ao longo de 30 anos de contrato. Quanto desse valor será abatido com a alienação do terreno das docas ainda não se sabe ao certo.   


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