Educação
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31 de agosto de 2023
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17:07

CPI da Smed: empresário nega irregularidades; oposição aponta contradições

Por
Luís Gomes
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Reunião da comissão ocorreu no Plenário Otávio Rocha
| Foto: Fernando Antunes/CMPA
Reunião da comissão ocorreu no Plenário Otávio Rocha | Foto: Fernando Antunes/CMPA

O empresário J.F. S. prestou depoimento, nesta quinta-feira (31),  na CPI da Smed da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que investiga supostas irregularidades em compras realizadas pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) desde 2021. O empresário prestou depoimento na condição de representante das empresas Inca Tecnologia e Astral Científica, que firmaram alguns dos contratos sob investigação, e como dono das empresas — World e JBG3 — que também participam de processos licitatórios. Ao longo de cerca de 2h30 de depoimentos, J.F. S. negou que tenha cometido irregularidades, mas vereadores da oposição apontaram contradições em sua fala.

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A oitiva do empresário começou pelo relator da CPI da Smed, vereador Mauro Pinheiro (Novo), que apresentou no telão da Câmara um vídeo elaborado pela vereadora Mari Pimentel (Novo), que presidente a outra CPI sobre o tema — a CPI da Educação –, em que ela relata o envolvimento de J.F. S. em 6 das 11 aquisições sob investigação, que envolveriam um montante de R$ 43 milhões. O vídeo também destaca que, além de intermediar as negociações da Inca e da Astral, o empresário participou de processos licitatórios para a compra de materiais didáticos com orçamento fornecido por uma de suas empresas, a World.

Em suas falas, o empresário confirmou a participação como representante das empresas, mas disse que esta atuação refere-se a cinco contratos, que somariam R$ 34 milhões. Mais tarde, foi esclarecido que, no sexto contrato em que ele teve atuação, firmado entre a empresa Sudu e a Prefeitura, atuou apenas na parte logística, auxiliando na entrega de materiais à Smed. O empresário afirmou que, apesar de não ter relação com esta negociação, ele participou da entrega a pedido da Inca, que forneceu os materiais à Sudu. Isso teria ocorrido porque a Sudu tem sede em Manaus (AM) e J.F. S., que já atua representante da Inca, mora em Porto Alegre.

J.F. S. também “corrigiu” uma das acusações feitas no vídeo de Mari Pimentel, de que o orçamento apresentado pela sua empresa (World) para a venda de livros estava superfaturado em 50%. Segundo o empresário, o livro para o qual a World forneceu orçamento tem valor de mercado de R$ 130, enquanto o contrato vitorioso negociou o livro por R$ 89 (33% menor). “Se a empresa que ganhou oferece valor menor, mérito dela”, justificou.

Um dos pontos mais discutidos durante a oitiva foi a participação do empresário em uma reunião com o prefeito Sebastião Melo (MDB) em julho de 2021. O encontro, intermediado pelo vereador cassado Alexandre Bobadra (PL) e pelo filho do prefeito, vereador Pablo Melo (MDB), contou com a participação da então secretária da Educação, Janaína Audino, do secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo (PTB), e de outras autoridades. Também esteve presente na reunião Sergio Bento de Araújo, dono das empresas investigadas. A agenda oficial do prefeito na data da reunião informa apenas um encontro com os vereadores Bobadra e Pablo Melo.

Ele explicou que foi a sua equipe técnica que convocou a reunião. O empresário disse que a reunião foi agendada por uma assessora chamada Cristiane, mas não soube precisar o nome completo dela.

Segundo ele, faz parte de seu trabalho, como representante e como proprietário de empresa que atua no setor de materiais didáticos, pesquisar municípios com resultados ruins no Ideb, o que seria o caso de Porto Alegre, e solicitar reuniões para apresentar o portfólio das empresas.

No caso, disse J.F. S., a reunião tratou de materiais relacionados a aulas de Robótica e teria apenas mencionado que as empresas vendiam livros de Português e Matemática — que posteriormente seriam comprados pela Prefeitura.

O empresário disse que não tinha nenhuma relação pessoal com os vereadores e que as explicações sobre a agenda do prefeito não informar a reunião com as empresas, mesmo elas tendo solicitado o encontro, deveriam ser dadas pela Prefeitura. Ao ser confrontado por uma foto em que aparece ao lado de Bobadra em um evento social, disse que se tratava de “apenas uma foto” e que não indicava qualquer relação entre os dois.

Ele também destacou que a primeira reunião não teve resultado positivo para as empresas que representa, uma vez que contratos não foram firmados na ocasião.

Outro tema questionado pelos vereadores foi a relação dele com a ex-secretária Sônia Rosa, que assumiu a titularidade da Smed em 3 março de 2022, substituindo Janaína Audino. J.F. S. teve uma reunião com Sônia em 9 de março e, na sequência, a Smed começou a firmar contratos com a Inca e com a Astral por meio do modelo de adesão a atas de licitação de outros estados.

O empresário afirmou que começou a trabalhar como representante das empresas no Estado em 2014, a partir de reuniões com a Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal). Ao longo desse período, disse, conheceu Sônia Rosa como secretária de Educação de Canoas, mas negou que os dois tivessem qualquer relação pessoal. Questionado sobre ligações ao celular de Sônia, disse que se tratavam de conversas institucionais sobre a Educação. Ele também confirmou que atuou como representante de contratos firmados com a prefeitura de Canoas no período em que Sônia era secretária no município.

A respeito dos materiais encontrados acumulados em depósitos da Smed, fato que deu origem às investigações, J.F. S. disse que os livros e equipamentos tecnológicos ou estão sendo usados ou serão no futuro. Além disso, afirmou que as empresas assumiram a responsabilidade pela troca de livros que apresentaram erros de Português e Matemática, sem custos para a Prefeitura.

O empresário confirmou que teve acesso livre aos depósitos sempre que precisou, mas disse que este acesso esteve limitado a entregas de materiais. Os questionamentos dos vereadores tinham origem no fato de que muitos deles foram barrados quando solicitaram visitar os depósitos.

Questionado se algum servidor público ou agente político exigiu o pagamento de propina durante o processo de intermediação dos contratos firmados com a Prefeitura, disse que não.

Para o vereador Alex Fraga (PSOL), as explicações de J.F. S. sobre a reunião com Melo não foram suficientes. “O prefeito não pode se reunir às escuras com representantes comerciais de empresas. Isso configura lobismo. Está na agenda oficial, estava marcada a reunião com dois vereadores, um deles, inclusive, filho do prefeito. O empresário afirmou categoricamente que houve a solicitação, por parte da sua equipe técnica, de uma agenda formal com o prefeito. Então, está tudo muito nebuloso. Se o processo ocorreu às claras, porque não oficializar isso na agenda?”, questionou.

O vereador Giovani Culau (PCdoB) pontuou que, em depoimento à CPI na última semana, Janaína Audino afirmou que foi à reunião em questão sem saber da pauta. “Isso merece ser explicado. Quem convocou essa reunião? Por que motivo? Quais foram os assuntos tratados? E os desdobramentos dela?”, questionou.

Já o vereador Roberto Robaina (PSOL) destacou que, ao ser questionado sobre investigação existente contra ele no Ministério Público Federal (MPF), o empresário não respondeu. “Eu tinha dúvidas sobre como o governo iria tratar esse empresário, que tem processo por fraude em importações e tem processo em Porto Alegre por estelionato. O governo assumiu ele como muito competente”, disse.

Robaina pontuou ainda que há indícios claros de formação de cartel na compra de materiais pela Smed, uma vez que as 11 tomadas de preço que estão sendo investigadas sempre envolveriam “as mesmas três ou quatro empresas”. “Quando a Sudu ganhou [o processo que J.F. S. disse não ter relação], a empresa dele estava diretamente envolvida na tomada de preços. Quais são os livros da Sudu? Também da Inca. E ele entrega os materiais. Então, são muito evidentes os indícios de cartel. O que nós ainda não temos, aí entra a necessidade de uma CPI que queira investigar, não uma CPI que o presidente atue como advogado do depoente, é qual o envolvimento de agentes públicos. Para mim, os indícios de cartel são claríssimos”, afirmou.

A vereadora Biga Pereira (PCdoB) pontuou que J.F. S. não quis responder sobre qual é a forma de remuneração de sua atuação como representante comercial da Inca e da Astral. J.F. S., inicialmente, disse que não poderia responder a esse questionamento por questões de sigilo contratual. Depois, ao ser questionado novamente, respondeu, com ajuda de Mauro Pinheiro, que recebia comissão. “Isso vai caracterizando, para nós, as questões que não estão claras”, diz Biga.

Ela ainda levantou questionamentos sobre o empresário não saber informar concretamente quem havia solicitado a agenda com a Prefeitura. “Que empresário não sabe exatamente quem faz a sua agenda? É muito estranho”, observou. “Ele afirmou, ao afinal, que quem era responsável pela agenda era a Cristiane mas não sabia sequer dizer o nome completo dela”, complementou Giovani Culau.

Biga ainda pontuou que não ficou claro qual é o papel da World, que ofereceu orçamento, mas não tem contratos. “Ele não soube responder qual é o portfólio da empresa dele”, diz a vereadora. “Não tem conflito de interesses? Ora ele é representante de empresas, ora ele participa com a própria empresa na disputa. Isso, para nós, vai configurando que existem problemas”.


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