As consequências do Novo Ensino Médio (NEM) pautaram audiência pública realizada pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira (27). No encontro, foram apresentados dois estudos desenvolvidos pela UFRGS sobre a realidade da aplicação da reforma nas escolas estaduais do Rio Grande do Sul.
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O Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação, da Faculdade de Educação da Universidade apresentou dados de uma pesquisa inédita sobre a implementação do Novo Ensino Médio na rede estadual.
O estudo, intitulado “O Novo Ensino Médio na rede estadual do RS: balanço de perdas e danos”, foi apresentado pela doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, Ângela Both Chagas. O foco, conforme ela, foram os itinerários formativos, com o objetivo de analisar a possibilidade dos estudantes escolherem os seus percursos.
Entre os dados apresentados, Ângela expôs que em 72% dos municípios gaúchos existe apenas uma escola estadual de Ensino Médio e 82,2% das matrículas desta etapa estão na rede estadual. “Qual a liberdade de escolha desses estudantes, se sequer têm a opção de ir para outra escola? Além disso, é fundamental que, tudo que for implementado, precisa considerar que o maior percentual de estudantes do Ensino Médio encontra-se na rede pública estadual”, pontuou.
Outro ponto destacado pela doutoranda foi a significativa restrição de todos os componentes curriculares. “Português e Matemática, componentes centrais da reforma, foram enxugadas. Português passou de 15 para 9 períodos semanais, já a Matemática de 18 para 9. Ao invés de aprofundamento, há uma fragmentação muito significativa”, observou Ângela.
Para ela, o Novo Ensino Médio apresenta um catálogo com 24 trilhas, porém, a maioria das instituições não possui condições de oferecê-las. “Das escolas do Rio Grande do Sul, 69% ofertam apenas duas trilhas e cerca 15% oferecem somente uma. Das 1.119 escolas de Ensino Médio, apenas 61 oferecem disciplinas eletivas e de forma muito limitada”, relatou.
A representante do Grupo de Estudos de Políticas Públicas para o Ensino Médio da Faculdade de Educação da UFRGS, professora Mariângela Silveira Bairros, apresentou outro estudo, que está em fase preliminar, no qual é revelado um conjunto de empresas e instituições privadas que estão à frente das políticas do NEM. “Temos, por exemplo, o Instituto Iungo, criado em 2020, o Reúna, lançado em 2019, um banco privado, o Centro Lemman, Pacto pela Educação, Instituto Airton Sena e muitos outros. Por que a UFRGS e demais universidades públicas não foram chamadas?”, questionou.
Anderson Farias, presidente da União Gaúcha dos Estudantes (UGES), salientou que a maioria das escolas estaduais não possui estrutura para ofertar o NEM. “Há inúmeros problemas como banheiros interditados, falta de refeitório e quadra de esportes. Além de professores que precisam dar aula em áreas que não têm formação. Por isso, a comunidade escolar deveria ter sido ouvida”.
“Queremos disputar programas importantes da educação em nosso país. Sofremos com falta de estrutura e de professores com as formações específicas para as trilhas. Disciplina Projeto de vida, com a educação sucateada?”, indagou Kaick Silva, vice-presidente sul da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
Estudantes e educadores(as) das escolas CE Coronel Afonso Emílio Massot, ETE Senador Ernesto Dornelles, CE Paula Soares, CE Inácio Montanha e CE Protásio Alves, de Porto Alegre, a EEEM Tuiuti, de Gravataí, a Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo, e EEEM Prof. Claudio Antonio Benvengnú, de Água Santa, participaram da audiência e expuseram as dificuldades enfrentadas.
“O estado nem conhece as escolas. Não tem nem merenda e quando tem, é um lanche como bolachas e é com isso que muitos têm que passar o dia inteiro e depois ir trabalhar. Concorremos a vaga nas universidades federais disputando com aqueles que fizeram inúmeros cursos preparatórios”, disse Luana Pinho, do Grêmio Estudantil do CE Inácio Montanha, da capital.
O 2º vice-presidente do CPERS, Edson Garcia, classificou os dados dos estudos apresentados como extremamente importantes. “Esses dados trazem uma ligação de pontos entre a EC 95, a BNCC e, agora, o NEM, que não foi discutido nas escolas. Há instituições sem telhado, sem banheiro, sem internet e computador. Fizeram uma propaganda bonita, mas bem fora da realidade. É um projeto de destruição da educação pública. Nós, junto com a CNTE, estamos na luta pela revogação deste Novo Ensino Médio”, afirmou.
“Nunca imaginávamos essa desconstrução do conhecimento, onde matérias importantes foram extremamente enxugadas. É preciso que todos respondam à consulta pública colocada pelo MEC para que possamos barrar o Novo Ensino Médio, que não faz a construção do conhecimento, pelo contrário”, observou a tesoureira do CPERS, Rosane Zan.
Como encaminhamento da audiência, foi definido que a ata do encontro será transformada em um documento, que será encaminhado ao governo federal. “Também vamos construir um momento de ida à Brasília e tentaremos entregar os apontamentos colocados aqui ao presidente Lula, que deve estar na capital nesta sexta-feira”, afirmou a deputada e presidente da Comissão, Sofia Cavedon (PT).