Economia
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23 de outubro de 2021
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08:57

Empresários temem quebradeira de mercados com proposta da ‘ala liberal’ da Câmara

Por
Luís Gomes
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Donos de mercados de pequeno porte expressam preocupação com a revogação da lei | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Donos de mercados de pequeno porte expressam preocupação com a revogação da lei | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Tramita na Câmara de Vereadores uma proposta da ala mais “liberal” da base de apoio ao prefeito Sebastião Melo (MDB) que prevê a revogação de uma lei de 2001 que proíbe a construção de supermercados com área superior 2,5 mil m² na cidade. Para os autores do projeto, a lei em vigor é um “empecilho ao desenvolvimento da cidade”. Para micro, pequenos e médios mercadistas, donos de mercearia, açougues e padaria, a revogação geraria uma “quebradeira no setor”.

Sancionada em janeiro de 2001 pelo então prefeito Tarso Genro (PT), a Lei Complementar nº 462 diz: “Fica proibida, no Município de Porto Alegre, a construção de estabelecimentos de comércio de alimentos ou congêneres com área computada superior a 2.500m² (dois mil e quinhentos metros quadrados)”. À época, a lei já estabelecia que a entre a Avenida Severo Dullius, parte da Avenida dos Estados até a Rua Dona Teodora e a Auto-Estrada Marechal Osório (Freeway), bem como entre o prolongamento da Avenida Antônio de Carvalho e o Corredor de Produção, estavam excetuados da legislação e poderiam abrigar empreendimentos acima deste limite.

Para o vereador Pedro Ruas (PSOL), um dos mais engajados no movimento contra a proposta, a revogação da lei tem por trás o interesse de favorecer grandes empresas nacionais e internacionais ainda não instaladas em Porto Alegre e que teriam o objetivo de construir empreendimentos de grandíssimo porte, de 5 mil m², 10 mil m² e até 12 mil m², o que seria equivalente ou superior a um quarteirão inteiro na cidade.

“Esse é o chamado projeto dos franceses, é um projeto que interessa muito ao Carrefour e a gigantes do setor. A lei complementar 462 é uma grande lei e é o que nos garante a existência atual dos mercados e dá um limite para os grandes”, diz.

Ruas avalia que o projeto, se aprovado, pode ter resultados “nefastos” para a cidade”. “Tu sabe que aquele mercadinho da esquina, em que a pessoa deixa anotada a sua conta, esse garantiu empregos e deu cesta básica para a comunidade. E está provado que a geração de emprego por metro quadrado dos pequenos é muito maior que a dos grandes”, diz.

João Francisco Micelli Vieira, presidente do Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do RS (Sindigêneros), que reúne 5 mil mini-mercadistas, e vice-presidente da Fecomércio-RS, diz que foi procurado por micro, pequenos e médios empresários do setor alimentício que expuseram preocupação com a tramitação da lei.

Ele diz que a posição do sindicato não é antagônica ao desenvolvimento econômico, mas que é preciso manter limites. Micelli defende que os pequenos e médios empreendimentos do gênero são aqueles que mais geram empregos por metro quadrado. “Enquanto um hipermercado de 2,5 mil m³ emprega 160 pessoas, oito pequenas empresas dessas empregam mais de 200 na mesma área. Só para tu ter uma ideia do caos que causaria essa lei”, diz.

Micelli também destaca que já existem áreas da cidade em que é possível construir empreendimentos de grandíssimo porte na entrada da Freeway, no entorno da Fiergs, onde está sediada a fábrica da Coca-Cola, em trechos da Av. Protásio Alves e na área do Porto Seco. Cita também como exemplo a grande loja da Havan, inaugurada recentemente na Assis Brasil. “Agora, o que acontece, o pessoal quer construir no Centro da cidade, onde vai destruir tudo. Inclusive, onde não tem nem estrutura para mantê-los”.

Ele avalia que, uma vez aprovada a lei, haveria grandes chances desses grandes empreendimentos serem construídos no interior de bairros, mesmo aqueles em que poderia parecer impensável. “Nós sabemos que os grandes grupos pegam dinheiro muito fácil no exterior e vêm para cá. Desde que tenha dinheiro, tem lugar para tudo. Se eu tenho dinheiro, vou no Centro e no Menino Deus e compro um quarteirão inteiro. Quem disse que não?”

Para o presidente do Sindigêneros, os autores da proposta não pensaram nos impactos da sua aprovação. “Para que mexer numa lei que está dando certo? Eles não sabem o que estão fazendo, acham que vai dar repercussão. Mas o que adiantar construir um mercado para empregar 160 pessoas e desempregar 200 e pouca. Se fala muito em favorecer o empreendedor, aí fazem uma lei para destruir”.

Micelli destaca também que os pequenos negócios muitas vezes têm um papel social, ainda mais em períodos de dificuldades econômicas. “Olha nas vilas e nos bairros pobres, quem é que socorre o trabalhador que ganha por quinzena, por semana? É o pequeno empresário que tem a cadernetinha, que avalia para ele, permite que ele pague na quinzena, na semana. São também salvadores daqueles que trabalham”.

Líder do governo Melo na Câmara, Idenir Cecchim (MDB) diz que o projeto não tem o respaldo da Prefeitura, mas que ela não irá se meter por se tratar de questão de independência da Casa. Contudo, diz que, pessoalmente, é contra o projeto.

“O governo provavelmente não vai se meter nisso. E eu sou contra esse projeto. Minha opinião pessoal, e como empresário de Porto Alegre, eu acho que essa lei [em vigor] ajuda os pequenos a crescerem. Tanto é que depois que entrou em vigor, muitos pequenos mercadistas cresceram, formando pequenas redes. Eu acho que isso não dá para desmanchar, tem como permanecer como está”, diz. “Vou te dar um exemplo, lá na Restinga tem meia dúzia de supermercados. Se você colocar um grande supermercado lá, acaba com os pequenos que estão crescendo, gerando bastante emprego local. Eu acho que isso prejudica a expansão dos supermercadistas menores. Dois e mil quinhentos metros já é um tamanho mais do que suficiente para um supermercado”.

Autores da proposta, os vereadores Fernanda Barth (PRTB), Ramiro Rosário (PSDB), Jessé Sangalli (Cidadania), Felipe Camozatto (Novo) e Mariana Pimentel (Novo), defendem no texto de justificativa que a lei de 2001 fere o princípio da livre concorrência. Para eles, limitações do tipo deveriam estar previstas no regramento de zoneamento da cidade, mas a lei em questão seria inconstitucional por afetar um setor específico. Eles também acreditam que a revogação da lei seria benéfica para o consumidor, pois teria efeito nos preços.

A reportagem do Sul21 tentou obter um posicionamento da vereadora Fernanda Barth, autora da lei, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.


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