Donos da Cidade
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6 de novembro de 2023
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15:21

Humaitá amarga promessa de revitalização que viria com bairro planejado pela OAS

Por
Lidiane Blanco
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Arena do Grêmio, no Humaitá. Foto: Gustavo Bordin/Sul21
Arena do Grêmio, no Humaitá. Foto: Gustavo Bordin/Sul21

Em dezembro de 2022, a 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre determinou que a Arena Porto-Alegrense, a Albizia Empreendimentos e a Karagounis Participações (as duas últimas proprietárias das torres de apartamentos ao lado da Arena do Grêmio), pagassem ao município R$ 193 milhões para custear as obras não executadas no bairro Humaitá. As empresas recorreram da decisão contestando o valor apurado pelo Tribunal de Contas do Estado, o pedido foi acatado pelo Tribunal de Justiça e, em fevereiro deste ano, foi fixado novo valor provisório de pouco mais de R$ 44 milhões.

Mas a sentença também caiu por terra porque o acordo firmado entre os empreendedores e município em 2021 estava vinculado à compra da Arena pelo Grêmio, o que não aconteceu. A justiça então desobrigou as empresas de realizarem as obras e as obrigações voltaram para a OAS S.A, conforme contrato assinado em 2014. A empreiteira até hoje não executou boa parte das medidas de acessibilidade viária, esgotamento sanitário e pluvial da região, acordadas há mais de dez anos quando o empreendimento foi aprovado pela prefeitura. Desde que entrou com pedido de recuperação judicial, em 2015, a OAS vem acumulando justificativas para não fazer o que se comprometeu.

A situação frustra quem comprou um imóvel esperando que a região valorizasse, mas também quem nunca conseguiu acessar a nova moradia. As torres 3, 4, 5, 6 e 7 dos condomínios residenciais Gran Vista e Bella Vista, que são parte do Complexo Imobiliário Liberdade, não receberam a carta de habitação da prefeitura. Sem o documento, os imóveis não podem receber moradores.

Distribuídos em sete torres, todos os 930 imóveis no bairro Liberdade foram vendidos na fase de lançamento, mas apenas dois prédios receberam o habite-se. Como a promessa de melhorias no entorno foi descumprida, os compradores de um apartamento no Condomínio Residencial Liberdade, obtiveram na Justiça direito ao cancelamento do contrato de compra da unidade.

 

Distribuídos em sete torres, todos os 930 imóveis no bairro Liberdade foram vendidos na fase de lançamento, mas apenas dois prédios receberam o habite-se. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Vendido” ao município como um projeto que iria renovar e redefinir o perfil de desenvolvimento de toda a zona norte de Porto Alegre, o Complexo Multiuso que seria construído no entorno da Arena do Grêmio não saiu do papel e ainda trouxe uma série de problemas à região. Em 2010, a construtora declarou que os investimentos em todo o complexo ficariam em torno de R$ 1 bilhão, só a Arena custaria R$ 400 milhões. O projeto ainda previa um shopping, centro de convenções, hotel e edifícios residenciais, além de 8.480 vagas de estacionamento.

A área de 38 mil metros quadrados às margens da BR-290 onde está localizado o estádio, havia sido doada à Federação dos Círculos Operários do Rio Grande do Sul (FCORS), pelo Governo do Estado, com a condição de não ser vendida nem penhorada. Para autorizar a negociação da OAS com a instituição, a ex-governadora Yeda Crusius, enviou um projeto de lei em regime de urgência à Assembleia Legislativa do Estado para mudar a Lei 4.610/1963 e dar seguimento no empreendimento. Outro Projeto de Lei, isentou o clube dos tributos fiscais estaduais. “É um projeto para o desenvolvimento do Estado”, disse Yeda em 2007.

No ano seguinte, em sessão especial dirigida pelo presidente da Câmara Municipal, o ex-vereador Sebastião Melo (PMDB), o projeto para o complexo esportivo foi apresentado na casa legislativa com pedido de apoio aos parlamentares. O “estádio mais moderno do mundo”, nas palavras de Paulo Odone, presidente do clube à época, “merece máxima atenção”, complementou Melo. O dirigente queria mudar o regime urbanístico do terreno para poder construir a Arena. Alguns meses depois, a Câmara de Vereadores aprovou a Lei Complementar 610/2009.

Diante da dimensão do empreendimento, o Termo de Compromisso assinado entre a empresa e o município gerou uma série de obrigações que deveriam ser cumpridas a fim de neutralizar os impactos negativos provocados pela instalação do projeto arquitetônico e a chegada de milhares de novos moradores na região, ainda hoje carente de infraestrutura. Foram então acordadas 30 medidas de mobilidade e sanitárias que melhorariam o entorno e o acesso ao estádio, além de obras sociais decorrentes das medidas mitigadoras e compensatórias que o empreendedor deveria entregar à sociedade.

Mesmo com todas as flexibilizações concedidas, a Arena foi inaugurada sem que a empresa tivesse cumprido boa parte das obras. Na festa de abertura do novo estádio, a direção do Grêmio e a engenharia de trânsito emitiram nota orientando o torcedor a não ir de carro na festa de inauguração, porque o complexo viário da região não tinha sido concluído. Em 2023, o bairro ainda sofre com alagamentos em dias de chuva e a falta de saneamento básico, com esgoto correndo a céu aberto.

Nas tentativas de acordos firmados nos últimos anos, o poder municipal desonerou a OAS de boa parte de suas obrigações. Houve redução de 30% no volume de obras. Mas isso também não foi suficiente para a empresa cumprir com o acertado. De acordo com a Procuradoria-Geral do Município – responsável por monitorar a entrega dessas ações – alguns serviços pactuados há dois anos em acordo judicial, foram executados parcialmente. Outros, relacionados ao sistema de drenagem da região ainda estão sendo contratados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos com recursos da Arena Porto-alegrense.

Entre as melhorias previstas no Estudo de Viabilidade Urbanística e Estudo de Impacto Ambiental estavam, por exemplo, a duplicação da avenida A. J. Renner e da Avenida Voluntários da Pátria, a conclusão da duplicação da Avenida Padre Leopoldo Brentano, uma alça para ligar a avenida Ernesto Neugebauer à freeway e ciclovia nas avenidas Voluntários da Pátria e Leopoldo Brentano.

Obras viárias NÃO executadas pela OAS

  • Duplicação da avenida A. J. Renner
  • Duplicação da avenida Voluntários da Pátria
  • Execução e reformulação da interseção da Avenida A. J. Renner com a Avenida Padre
  • Leopoldo Brentano
  • Execução da interseção da Avenida A. J. Renner com a Rua Dona Teodora
  • Conclusão da execução da Avenida Padre Leopoldo Brentano
  • Execução do trecho III da Avenida Voluntários da Pátria
  • Execução da Rua 02 entre a diretriz 2122 (prolongamento da Av. A. J. Renner) e a Rua 01 (contorno da Arena do Grêmio)
  • Construção de Estação de Bombeamento de Esgoto para atender os bairros Farrapos e Humaitá
  • Implantação do terminal de ônibus junto a A. J. Renner com a Padre Leopoldo Brentano

Obras sociais NÃO executadas pela OAS

  • Construção do Centro Cultural, localizado na Rua Frederico Mentz
  • Reforma e Ampliação da ACEBERGS – Associação das Creches Beneficentes do Rio Grande do Sul
  • Reforma e Ampliação da ASCOMAQ – Associação Beneficente Comunitária do Conjunto
  • Residencial Mário Quintana (que mantém creche comunitária)
  • Reforma e Ampliação da Construção da Sede da Associação localizada na antiga Área do SESI, na rua Frederico Mentz (executada parcialmente)
  • Construção de Unidade de Triagem com pavilhão para separação e reciclagem conexa ao Centro de Triagem localizado na Frederico Mentz
  • Realocação de Posto da brigada Militar (11º BPM)
  • Estande de venda na Arena para divulgação e comercialização de produtos produzidos por entidades sociais da região em dias de jogos e dias de semana.

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