Cultura
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30 de abril de 2023
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09:45

‘Minha meta é estabelecer no orçamento do Estado um percentual para a cultura’

Por
Luciano Velleda
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Beatriz Araújo avalia o fortalecimento do Sistema Estadual de Cultura como um dos grandes avanços da sua gestão. Foto: Solange Brum/Sedac
Beatriz Araújo avalia o fortalecimento do Sistema Estadual de Cultura como um dos grandes avanços da sua gestão. Foto: Solange Brum/Sedac

Beatriz Araujo acredita que sua recondução ao cargo de secretária estadual da Cultura, no segundo mandato do governador Eduardo Leite (PSDB), deve-se a dois fatores. O primeiro é a relação de confiança forjada desde o tempos em que o chefe do Executivo era vereador em Pelotas e ela frequentava a Câmara para “brigar pela cultura” da sua terra natal. A afinidade foi tal que, quando Leite foi eleito prefeito da cidade da região sul do Estado, chamou Beatriz para ocupar o cargo de secretária municipal da Cultura. Desde então, a confiança mutua só se fortaleceu.

“Sou uma trabalhadora da cultura, ‘chão de fábrica’. Ele não trouxe para a secretaria um artista ou alguma pessoa famosa. Ele escolheu uma pessoa que é, de fato, ‘chão de fábrica’, que trabalha com cultura há quase 40 anos”, comenta Beatriz.

O segundo fator, mas não menos importante, que ela avalia tê-la mantido no cargo no segundo mandato são os resultados do trabalho desempenhado na Secretaria Estadual da Cultura (Sedac). Nesta entrevista ao Sul21, Beatriz demonstra satisfação com o que foi realizado nos últimos quatro anos, como o fortalecimento do Sistema Estadual de Cultura, a recuperação de acervos e o aumento dos investimentos pela Lei de Incentivo à Cultura. Para o segundo mandato, seu sonho é fixar na lei orçamentária do governo estadual um percentual para o setor cultural. “Aí a gente vai conseguir fazer com que o Rio Grande do Sul seja um estado acolhedor que retém os talentos e não exporta talentos”, projeta.

A política cultural é uma das poucas áreas do governo Leite elogiada por pessoas e setores normalmente mais alinhados com o campo da esquerda. A razão para o reconhecimento, diz Beatriz, deve-se a sua postura exclusivamente em prol da cultura. “Os políticos me conhecem e percebem que o trabalho que fizemos aqui não olhou para questões ideológicas”, afirma.

Como exemplo, a secretária cita o primeiro investimento feito quando assumiu o cargo em 2019: os Pontos de Cultura, projeto criado por governos do PT. “Eu estava com o Museu Júlio de Castilho no escuro, não podia ligar uma chave de luz que podia pegar fogo, mas o primeiro recurso que investi foi nos Pontos de Cultura porque entendia que tínhamos que cumprir com a legislação”, recorda.

Beatriz diz não haver a menor comparação entre o atual governo federal e o governo anterior comandado por Jair Bolsonaro, marcado pela perseguição contra artistas e o desmonte de políticas públicas. Agora, ela espera que a ministra da Cultura, Margareth Menezes, com quem já se encontrou duas vezes, tenha um olhar que reconheça a importância das secretarias estaduais da Cultura na construção das políticas públicas. 

“Nós fomos o ‘Ministério da Cultura’ no governo anterior. Quem segurou a cultura no Brasil foram os secretários estaduais de Cultura, enquanto o governo federal demonizou a cultura, os artistas, as políticas públicas foram desmanteladas. A partir daquele momento, nós assumimos essa responsabilidade.” 

Confira os principais trechos da entrevista:

Sul21: Qual a avaliação do trabalho feito na Sedac no primeiro mandato?

Beatriz: Avalio de forma muito positiva porque nós conseguimos fortalecer o Sistema Estadual de Cultura. Em 2019, por exemplo, tínhamos 18 municípios que integravam o Sistema e hoje temos 118. Minha avaliação dos primeiros quatro anos, além do programa  Avançar na Cultura, que viabilizou a recuperação predial e a atualização e recuperação de acervos de todas as instituições da Secretaria da Cultura, e também a implementação de seis novos museus no Rio Grande do Sul, a partir de edital que fizemos para municípios. Conseguimos mobilizar as regiões do Estado, uma vez que fizemos esse corpo a corpo com as prefeituras pedindo para que organizassem seus sistemas municipais de cultura. 

Também alteramos a legislação da lei de incentivo, alteramos o Conselho Estadual de Cultura, que hoje é um conselho estadual e antes era um conselho de Porto Alegre. Dobramos o investimentos da Lei de Incentivo à Cultura, que fazia seis anos que estava congelado em R$ 35 milhões. O fundo de apoio à cultura quase não acontecia porque o governo anterior deixava o recurso para pagar salário. Isso tudo é resultado desses quatro anos de trabalho de uma equipe coesa, uma equipe de pessoas vocacionados e que foram também mantidas, não só eu. A gente consegue fazer esse trabalho diferenciado porque tenho a liberdade de ter essas pessoas que compõem o quadro de dirigentes e diretores das instituições e departamentos. Sou uma secretária que não precisou brigar por recursos para a área.

Beatriz Araújo permanece no cargo para o segundo mandato do governo Leite. Foto: Divulgação/Sedac

Sul21: E quais os planos para o segundo mandato?

Beatriz: Minha meta é estabelecer no orçamento do Estado um percentual pra cultura. Isso é o que quero deixar de legado, além do trabalho que a gente está fazendo e que sei que vai ter perenidade. Costumo chamar a sociedade civil para atuar conosco, porque acredito que a participação da sociedade civil é o que dá perenidade para as ações. Espero que no futuro se cobre dos próximos governos a continuidade de investimento que a gente está fazendo. Mas espero conseguir deixar no orçamento do Estado um percentual para a cultura, porque aí a gente vai conseguir fazer com que o Rio Grande do Sul seja um estado acolhedor que retém os talentos e não exporta talentos. 

Sul21: A nomeação de mulheres para o comando da Biblioteca Pública e para a Casa de Cultura Mário Quintana é um movimento planejado para colocá-las em postos chaves normalmente ocupados por homens?

Beatriz: Sim, existe essa intenção. Com a autonomia que tenho para fazer as nomeações, para colocar pessoas em lugares de mais destaque para que possam mostrar o seu potencial, desenvolver trabalhos importantes, acredito que temos que dar mais espaço para as mulheres. Historicamente as mulheres ocupam espaços de menor relevância. Os homens já têm ocupado muito espaço durante muito tempo.

Quando pensei na Casa de Cultura, as duas substituições que aconteceram lá foram de pessoas que exerceram da melhor forma a sua função lá. Quando conversei com o diretor da Casa de Cultura e com o diretor do Instituto Estadual de Cinema só pude agradecer pelo trabalho que fizeram, que foi maravilhoso, mas eu queria sim dar uma cara mais feminina para a Casa de Cultura, que hoje tem sete mulheres gerindo todos os espaços. E tenho procurado sim dar protagonismo às figuras femininas.

Sul21: Como tem sido o contato com o governo federal para parcerias, em comparação com o governo Bolsonaro, que foi muito tenso com a classe artística?

Beatriz: Tive dois encontros com a ministra da Cultura. A primeira vez foi excelente, ela teve reunião conosco no fórum de secretários e dirigentes estaduais de cultura, tivemos uma reunião de três horas com a ministra e todos os seus diretores, e foi excelente. Não tem termos de comparação porque, no governo anterior, não tivemos nenhuma reunião presencial com nenhum dos tantos secretários especiais da cultura que eles tiveram. Tivemos uma ou outra reunião remota, quando o secretário sequer olhava e quem respondia eram os assessores, enquanto ele olhava no celular. Era algo inominável, então não tem termo de comparação. 

Sul21: E qual sua expectativa com o trabalho da ministra da Cultura, Margareth Menezes?

Beatriz: Espero que o governo federal e o Ministério da Cultura, e a ministra Margareth, tenham um olhar atento para a relevância da participação dos secretários estaduais e das secretarias estaduais da Cultura na construção das políticas públicas. Porque nós fomos o ‘Ministério da Cultura’ no governo anterior. Quem segurou a cultura no Brasil foram os secretários estaduais de Cultura, enquanto o governo federal demonizou a cultura, os artistas, as políticas públicas foram desmanteladas. A partir daquele momento, nós assumimos essa responsabilidade. 

No Rio Grande do Sul, um exemplo é o cinema. Tínhamos anualmente um investimento de R$ 12 milhões a 14 milhões no cinema gaúcho pela Ancine, em arranjos regionais, e quando isso deixou de acontecer, nós passamos a investir R$ 12 milhões para não parar o cinema, para não parar o audiovisual. E assim outros estados foram fazendo também. Então espero que a Margareth tenha sensibilidade na importância da relação respeitosa com os estados. Acompanhei sempre a política pública dos governos petistas e, historicamente, eles têm uma condução que nem sempre passa pelos entes federados e atendem direto na ponta. Então se faz um edital que poderia ser de coinvestimento com estados e municípios, porque isso aumenta o investimento, e não existe um protagonismo único, é um trabalho do Sistema Nacional de Cultura. 

Sul21: O governo Leite é muito criticado por setores da esquerda em diversos temas, como o meio ambiente, por exemplo, mas a pauta da cultura costuma ser elogiada. Como você analisa essa boa aceitação?

Beatriz: Eu não tenho partido, não tenho filiação nenhuma. Como trabalho há quase 40 anos na cultura, convivi com muitas pessoas e sempre o meu partido foi a cultura. Tenho uma excelente relação com políticos de todos os partidos. Acho que a aceitação é exatamente porque os políticos me conhecem e percebem que o trabalho que fizemos aqui não olhou para questões ideológicas. 

Um exemplo é a política Cultura Viva, criada no governo do Partido dos Trabalhadores, e que ficou muito identificada com o Partido dos Trabalhadores. Na maioria dos estados brasileiros, ela foi ignorada, a legislação não foi respeitada. E quando assumi a Secretaria, o primeiro recurso que pedi para o governador, uma suplementação orçamentária, foi para os Pontos de Cultura do Rio Grande do Sul que fazem parte da política Cultura Viva. Foi a primeira ação que fiz. Eu estava com o Museu Júlio de Castilho no escuro, não podia ligar uma chave de luz que podia pegar fogo, mas o primeiro recurso que investi foi nos Pontos de Cultura porque entendia que tínhamos que cumprir com a legislação. Eles passaram quatro anos no governo anterior pedindo para serem atendidos e não eram atendidos. 

E as pessoas reconhecem isso. Não tenho esse ranço partidário, isso passa longe aqui da Secretaria. E as pessoas com o passar do tempo foram entendendo que a gente quer fazer política pública de cultura para todos e para todas, independente do campo ideológico.


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