Acho demasiado comoventes os debates e as manifestações protagonizadas por cidadãos clamando, aos gestores da capital, por mais qualidade de vida em Porto Alegre ! Puxa, são tão politicamente corretas! Renderiam até filmezinhos piegas – como os de uma rede de supermercado em época de Natal!
Estimulariam criativos vídeos coloridos – como as maquetes tridimensionais da campanha eleitoral do marqueteiro que elegeu o prefeito em 2012 e o governador atual!
São comovedores estes espasmos minoritários, mas totalmente inúteis, como já deixaram estampadas as concepções administrativas de todos os partidos que ocuparam o Paço Municipal, sem exceção.
Para os nossos representantes no Executivo – e também obviamente no Legislativo do município – o cuidado com o meio ambiente e a atenção com a mobilidade urbana não são prioridades de fato, na prática, embora se prestem à pregação retórica conceitual imbatível.
Antiguíssimo, secular, o repúdio ao Guaíba tem a idade da cidade.
Desde nossos primórdios habitacionais, as águas serviram de poço potável, local de pesca, leito navegável e também de latrina para os pioneiros colonizadores açorianos, iludidos pelo que a ambientalista Giselda Castro sempre definia como “a síndrome da enganosa abundância”, fulminando quem achava que o rio dos pescadores e navegantes (para os cientistas é um lago) era um estuário interminável em sua pureza líquida imune à devastação dos dejetos industriais e residenciais descartados sem tratamento algum.
Tão logo se urbanizou o vilarejo, as primeiras casas foram erguidas de costas para o rio, que lhe servia de pátio particular e naturalmente de depósito de lixo.
Ao longo do tempo, o poder público aliou-se à especulação imobiliária para invadir as águas, realizando gigantesco aterros, ao invés de expandir a urbe para as planícies e planaltos do lado oposto.
E quando, enfim, se confirmou a dimensão da tragédia, eram necessários mega investimento bilionários, recursos humanos caudalosos e tecnologia de ponta para consertar o tamanho do estrago feito.
Tardiamente, então, o poder público apelou aos bancos internacionais e criou programas específicos para a despoluição do Guaíba em nível estatal e âmbito municipal como resposta institucional ao constrangimento causado pela cúmplice omissão.
Nem o Pró Guaíba nem o Guaíba Vive tiveram sucesso absoluto, nem continuidade. Despoluiu-se tímida e somente o balneário do Lami.
Seguimos padecendo com o nosso descaso com as águas que, recorrentemente, chegam as nossas torneiras com odor e coloração estranhos, apesar de todo tratamento químico a que se sujeitam.
Nos discursos políticos partidários e nos sonhos que fingimos acalentar, todos recitamos o desejo de qualidade de vida, como se isto fosse uma dádiva que caísse do céu.
Mas não estamos dispostos a pagar o preço que custa a renúncia pelos aparentes privilégios imediatos que se encerram em nossa geração.
Pelo simbolismo do cargo, o prefeito José Fortunati, que não tem filhos nem netos nem visionarismo, é o maior mau exemplo do comodismo pontual que nos consome.
O alcaide mora distante apenas quatro, cinco quadras da prefeitura, mas se desloca de automóvel até o local de trabalho, poluindo o meio ambiente e gastando o nosso dinheiro com combustível, salário do motorista e custo da depreciação do veículo da frota pública.
Poderia ir a pé, ou melhor ainda, de bici, como dizem os galdérios (new gaudérios) que, inclusive, ele já manejou (embora trafegando na contramão, o que lhe rendeu memes hilariantes na web, só comparáveis aquela cena da galinha que ele salvou de atropelamento), em uma das pistas isoladas da Avenida Ipiranga, que não chegam a lugar nenhum.
O ‘plano cicloviario’ que a prefeitura implanta na cidade surge aos impulsos, em vias descontínuas e que não servem como opção de mobilidade séria, integrado a um sistema de locomoção.
A municipalidade não tem planejamento para uma ordenação urbana que conecte modais alternativos, como as bicicletas e a navegação hidroviária.
O catamarã é uma insistência dos moradores da cidade de Guaíba que trabalham do lado de cá do rio, que conseguiu romper o férreo monopólio das empresas de ônibus. Mas sequer existem rotas turísticas para o sul até o Farol de Itapuã, na embocadura com a Lagoa dos Patos, ou ao norte no sentido das bacias hidrográficas do Jacuí, Sinos, Caí, Gravataí.
Mas isto só ocorre porque nós – a própria população de Porto Alegre, em imensa maioria – não consideramos estes assuntos como imprescindíveis para uma vivência melhor e mais saudável em nossa cidade. A mídia não ajuda, é claro, a esclarecer os cidadãos a tomar uma posição crítica e pressionar os representantes institucionais.
Afinal, é mantida sobretudo pelos anúncios caros das indústrias de automóveis e das grandes construtoras imobiliárias, ícones do conservadorismo para o qual não interessa mudar os costumes e hábitos de uma sociedade capitalista acomodada que gera lucros líquido e imediato e ignora os danos, que nos castigam e se acumulam para as gerações futuras.
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André Pereira é jornalista.