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24 de novembro de 2012
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12:30

Um meio mais complexo e com novos personagens exige uma nova forma de pensar a arte?

Por
Sul 21
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Você ainda tem aquela imagem de um artista trabalhando solitário em seu ateliê, vendendo seus trabalhos diretamente ao público ou, ocasionalmente, através de galerias que realizam suas exposições?

Com certeza essa ideia está totalmente ultrapassada. A cultura, hoje, atingiu altos graus de complexidade e, diferentemente do que acontecia até algumas décadas atrás, passou a exigir um conjunto de especialistas para sua realização. O consumo cultural, que se introduziu no Brasil na década de 70, alcançou níveis de uma sociedade do espetáculo em todos os âmbitos da produção artística, e as artes visuais não ficaram de fora. Para o bem e para o mal, atualmente inúmeros indivíduos dividem tarefas nas diversificadas etapas que conduzem desde a criação do projeto pelo artista até sua inserção nos meios de difusão e legitimação. Dá para perceber que as artes visuais não estão mais restritas a obras, em forma de pinturas ou esculturas, colocadas em um espaço expositivo. As exposições passaram a ser verdadeiros shows, que atraem grandes públicos e mobilizam um staff de profissionais especializados.

Já na sua primeira etapa, devido às grandes dimensões e complexidade da atual produção artística, uma diversidade de trabalhadores passou a atuar, sendo responsável por cálculos, desenhos e execução de obras. Isso fica mais evidente, por exemplo, quando os artistas apresentam seu trabalho como sendo de seu “Studio”. Esse é o caso de Antony Gormley, Anish Kapur, Antonio Muntadas, Bil Viola, entre muitos outros. Ali muitas pessoas participam nas diferentes etapas do processo criativo, como em uma empresa ou escritório de arquitetura. No Brasil, esta postura ainda não é muito usual e os artistas preferem manter seus nomes como autor individual, embora alguns deles utilizem diversos profissionais como assistentes.

Para que as propostas gestadas pelos artistas possam se tornar uma realidade, outros profissionais passaram a atuar. O produtor cultural é o responsável pela promoção das condições materiais de realização do projeto, gestor econômico e peça-chave na questão de recursos financeiros e administração de pessoal. Ele pode trabalhar a partir de projetos de artistas, curadores ou instituições, sem necessariamente ter decisões no âmbito artístico do que está sendo realizado. Pode, também, ser ele o propositor, convidando os especialistas da área para elaborarem a proposta em termos adequados às exigências estéticas e conceituais do meio. Sua ação tem dois focos básicos: a viabilização enquanto planejador e organizador das equipes e dos contatos com fornecedores, e o trabalho operacional cotidiano, que faz a exposição acontecer, atendendo todas as especificidades do projeto. O captador é outro profissional, que atua em conjunto com o produtor, como responsável pela obtenção de recursos financeiros que viabilizem a realização da mostra ou evento. Em geral, é um especialista da área de marketing cultural, que tem acesso a gestores nas empresas que oferecem patrocínios. Dominando o vocabulário e as experiências que os empresários entendem, ele apresenta a arte como investimento atraente, desenvolvendo planos de mídia e de responsabilidade social. Sem a sua participação fica muito difícil obter apoio financeiro. Por suas atuações em áreas tão estratégicas, esses novos personagens – produtor e captador -, em geral, são bem remunerados e detêm poder dentro do campo artístico atual.

Uma figura que tem tido bastante destaque é a do curador, cuja presença não é recente no circuito internacional, onde, desde a formação das grandes coleções de museus nos séculos XVIII e XIX, ele tem uma atuação bastante considerável. Recente, no entanto, é a configuração de sua atuação, que vem tomando novos rumos, seja em nível nacional ou internacional. A arte contemporânea, rompendo com os critérios tradicionais de avaliação e estabelecendo inúmeros outros parâmetros de definição da arte, passou a exigir especialistas que se responsabilizassem por sua legitimidade e valor. Em um campo onde não há mais necessariamente objetos a serem considerados obras de arte, em que eventos e propostas efêmeras se tornam usuais, o crítico de arte, atuando como curador, passou a ser uma espécie de árbitro. Ele trabalha organizando exposições de um único artista ou mostras coletivas, e em ambos os casos define obras a serem expostas e os conceitos a serem explicitados, mas no segundo caso faz também a escolha dos artistas a participarem. O curador é uma espécie de diretor de cinema, que coordena e imprime sua orientação conceitual na concepção geral da mostra. Ao definir quem participa ou não dos eventos, ele detém tanto poder que é muitas vezes acusado de manipular e controlar o meio artístico.

Na etapa de montagem da exposição novos profissionais se estabeleceram. Os designers responsáveis pela expografia (organização geral do espaço físico e distribuição das obras), os montadores, os iluminadores, entre outros, são chamados a atuar em conjunto, e a extensão da ficha técnica de uma exposição pode se assemelhar à de uma película cinematográfica. Obtém-se com isso uma qualidade no resultado final impossível de alcançar nos modelos antigos, em que o próprio artista era responsável por quase tudo. Hoje, os catálogos são fundamentais, eles constituem o que permanece de um evento – muitos deles efêmeros -, constituem os documentos de uma memória que constrói a história da arte recente. Para sua realização, outros especialistas são chamados a atuar: os desenhadores gráficos, os críticos que escrevem os textos (quando não é o curador que o faz), os gráficos responsáveis pela impressão, entre outros.

As equipes de divulgação e acompanhamento do público se ampliaram bastante, buscando maiores contatos com os meios de divulgação para atrair um grande número de pessoas. Considerando-se a tradição do consumo cultural bastante frágil no País, pode-se ver esse processo de inserção de novos públicos como uma forma de democratização. Por outro lado, alguns setores são reticentes sobre os moldes desta ampliação, questionando o quanto isso pode realmente constituir um fator de participação. O que é o desejável? Que níveis de inserção estão sendo propostos e alcançados com essas ações? Ampliar a participação do público nas artes visuais é uma questão que ainda suscita discussões, mas sem sombra de dúvidas é um processo em andamento.

O aumento do número de indivíduos trabalhando no campo artístico também pode ser considerado um fator socializador, uma vez que os projetos se tronam cada vez mais coletivos e os resultados dependem de uma ação conjunta. Ampliaram-se as possibilidades profissionais mais além daquelas tradicionais, abrindo-se novas oportunidades de trabalho e emprego. Por outro lado, o artista perdeu muito espaço; hoje, ele é um dos muitos elementos da cena artística, e nem sempre o principal. Isso leva muitos a acreditarem que está se dissolvendo a própria arte como produto original de um criador. Será por isso que se ouvem tantas queixas e acusações contra as mudanças que se processam?

São tantas inovações, ocorrendo em tão pouco tempo que deixam atônitos artistas, intelectuais e o público em geral, sendo problemático para muitos se adaptarem a essas novas condições, principalmente para aqueles que estavam acostumados à situação anterior. É bastante difícil absorver este novo e complexo panorama, seja em termos de um pensamento sobre a arte, seja em termos práticos do funcionamento do circuito artístico. Como avaliar e desenvolver estratégias de adaptação e atuação?

Os jovens estão encontrando mais facilidade em interagir no novo contexto uma vez que não trazem uma bagagem de conceitos preestabelecidos. O problema é que, às vezes, esquecem – ou desconhecem – que há uma história antes deles e que eles são somente elos de uma grande corrente, isto é, o que está acontecendo faz parte de um mundo que vem se modificando há muito tempo. Que tal analisar criticamente a situação, compreendendo sua inserção histórica, com antecedentes e desdobramentos? Será que um novo meio exige repensar a arte ou novas maneiras de pensar a arte promovem alterações no meio? Ou ambas as circunstâncias interagem e se retroalimentam?


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