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10 de novembro de 2012
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07:44

Diga-me com quem andas e eu te direi quem és

Por
Sul 21
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Em 1996, escrevi um artigo sobre a “jovem escultura inglesa”, bastante impressionada pela exposição de mesmo título, que havia visto em Paris, no museu Jeu de Paume. De lá para cá só tem crescido a atuação e o destaque daqueles que eram, então, jovens artistas. Foi, portanto, com curiosidade que visitei a mostra “Corpos Presentes” de Antony Gormley, agora com 61 anos, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Essa mostra, com curadoria de Marcello Dantas, esteve anteriormente nos CCBBs do Rio de Janeiro e de São Paulo. Apesar de conhecer um pouco do trabalho de Gormley, a experiência dessa mostra foi muito forte e me fez pensar bastante. São diversos os fatores responsáveis pelo fenômeno da “escultura inglesa”, no entanto, a qualidade de seus artistas é indiscutível, desde o mais antigo e tradicional deles, Henry Moore, até os mais atuais como Anish Kapur, Tony Craig, Damian Hirst. Por que tantos artistas interessantes, com trabalhos originais e marcantes no mundo da arte contemporânea, vindos de uma origem geográfica comum? Será mera casualidade?

Não me parece. Talvez por isso o título desta coluna deixe no ar a ideia de que o convívio pode ser um elemento importante no desenvolvimento dos artistas. Claro que se pode alegar razões de ordem econômica, mas elas por si só não explicam o fenômeno. Além dos recursos materiais para o desenvolvimento das artes, faz-se necessário um ambiente fértil em termos de formação profissional, de experimentos, de competição e de trocas. O apoio do Estado e dos setores financeiros para a organização de exposições, a produção de material de divulgação e o respaldo de amplos espaços midiáticos ajudam, assim como o marketing, a divulgar esta produção e dar a ela um reconhecimento social.

No caso de Gormley, percebe-se uma trajetória de experimentos em relação ao corpo humano e sua tensão no espaço que se desenvolve de forma obsessiva e ao mesmo tempo muito poética. Pode-se dizer que o artista é um humanista, preocupado com as vivências sensoriais a partir de suas experiências pessoais, mas projetando-as na humanidade como um todo e em cada um como experiência individual. A visita a esta exposição foi uma delícia, ao mesmo tempo sensitiva e reflexiva.

Esta mostra de grande porte está dividida em seis segmentos, muito bem estruturados e com excelente expografia. Ela apresenta, já antes de entrar no espaço expositivo – na avenida de acesso ao CCBB Brasília -, imagens moldadas a partir do corpo do próprio artista, em ferro fundido de tamanho natural. No espaço do Centro Cultural, em uma primeira sala é apresentado um vasto conjunto de maquetes, de diferentes materiais e medidas, fotos e vídeo que, em conjunto, evidenciam as experimentações do artista, funcionando, também, como apresentação das ideias norteadoras do seu pensamento. Abaixo desta, em uma sala pequena, está a instalação, de 1992, “Amazonian Field”. Para esse trabalho, sessenta pessoas de Porto Velho durante sete dias produziram 24mil pequenas figuras em barro com formas corporais toscas. Essas peças ocupam todo o piso da sala, criando um impacto visual no espectador. Fotografias das pessoas e do processo de trabalho, realizadas por Miguel Rio Branco, acompanham a instalação.

Amazon Field | Foto: Vicente de Mello

“Breathing Room” é o momento mais impactante da mostra, uma experiência sensorial onde se percebe palpavelmente a tensão entre corpo e espaço, uma das questões norteadoras da obra do artista. O espectador entra em uma sala totalmente escura onde há uma estrutura de tubos luminosos em que ele penetra. O espaço se torna denso e o corpo se movimenta nessa ficção ambiental, conduzido pela luz.

Breathing Room | Foto: Vicente de Mello

Na sala denominada caixa de vidro, estão expostas algumas obras de maior porte, todas elas experimentos em torno do corpo, em termos de positivo/negativo. Tem-se, por exemplo, estruturas de barras de aço inoxidável de 2mm formadas a partir do princípio matricial das bolhas, onde se percebe visualmente inserida a forma de um corpo humano. Ou ainda uma cruz de concreto onde se percebe as impressões de um corpo vazio, transformando o espaço em bloco e o corpo em espaço. Ou ainda o divertido “Mother’s Pride”, espécie de painel da parede reticulado, formado com fatias de pão de fôrma no centro do qual há um vazio, na forma de um corpo, criado a partir de mordidas nos pães.

O último trabalho se encontra em um pavilhão aberto, sendo composto por um conjunto de 60 esculturas moldadas do corpo do artista, em ferro fundido, em doze diferentes posições. Espalhadas pelo piso ou suspensas no ar, elas expressam diferentes formas do corpo se relacionar com o espaço, questionando também as tradicionais esculturas de figura humana que habitam a história da arte.

Critical Mass | Foto: Vicente de Mello

Uma questão a destacar nesta mostra diz respeito ao importante trabalho dos CCBBs, desenvolvido desde 1989, quando foi criado o primeiro deles, no Rio de Janeiro, até a implantação mais recentemente planejada do de Belo Horizonte. Tendo como metas a democratização e o acesso da cultura para todos, sua atuação se pauta por uma intensa agenda de eventos destinados a grande público. A rede estabelecida pelos diferentes Centros tem a vantagem de potencializar as montagens, permitindo a circulação de cada exposição organizada. No entanto, os Centros se localizam nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, o que limita seu raio de abrangência ao centro do País. As exposições ficam abertas em torno de dois meses em cada um dos Centros, o que é pouco, considerando o porte de cada uma delas. Assim, fica uma sensação de transitório e fugidio, de novidade a todo momento, com pouco tempo de conexão. Apesar do pouco tempo de duração, as mostras dos CCBBs têm recebido grande adesão do público, com os mais altos números de visitantes a exposições no Brasil. A qualidade dos artistas e o esmero nas montagens têm sido fundamentais neste sucesso midiático. Coloca-se a questão de pensar a validade dessas mostras tão voláteis, de grande custos e que não geram uma memória artística para a sociedade. Elas atraem o público, é verdade, o que é bastante desejável considerando-se o vazio dos museus no Brasil de forma geral. A necessidade de grandes investimentos para produzir algo “visível” e atrativo ao público é uma questão a ser considerada. Como fazer isso replicar de forma a construir um meio fermental para a cultura local é a grande dificuldade. Experimentos estão sendo feitos. Como está sendo sua repercussão no meio de arte e na sociedade em geral são questões a serem avaliadas.

Encerrando os comentários sobre a exposição de Gormley, vale destacar uma fala de Marcello Dantas, curador da mostra, em uma entrevista: “Essa é a verdadeira definição da palavra (museu): templo das musas ….Musa é inspiração. É algo que te ilumine, que você saia de lá, ““Putz! Fiquei com vontade de fazer alguma outra coisa da minha vida””. A vida precisa fazer mais sentido do que comer, pagar, receber. Sabe, ela precisa trazer alguma outra transcendência”.


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