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12 de maio de 2018
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16:24

Quem é a mulher que fotografou Dilma, Hillary, Oprah e Aretha com um celular?

Por
Sul 21
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Fotógrafa Luisa Dörr. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Em 2014, Maysa tinha 11 anos. Com vestido longo, maquiagem e cabelo arrumado, a menina passou um dos dias de sua vida em um evento do circuito de seleções do Miss Brasil Infantil. Maysa quer ser miss. Dessa vez, não estava concorrendo. Mas mesmo como espectadora se portava como uma das participantes em cima do palco.

Maysa é negra, diferente da maioria das meninas presentes. De olhos atentos e cabelos cheios, chamou a atenção de uma das fotógrafas que cobria o evento. Luis Dörr trabalhava como freelancer para um jornal. Entre meninas de vestidos armados em limousines e faixas rosa que etiquetavam cada uma das participantes, Luisa viu Maysa.

Tirou uma foto, achando que ela era uma das competidoras. Mas não; Maysa logo explicou que ela estava lá só para assistir. Assim, a fotógrafa não tinha direitos sobre a imagem da menina para que pudesse publicar a foto.

O concurso aconteceu, o trabalho de Luisa foi publicado sem a participação de Maysa. Pouco tempo depois, no entanto, a mãe da menina procurou a fotógrafa. Queria que ela retratasse Maysa para poder apresentar um book na fase estadual da disputa de misses de São Paulo. Essa não é exatamente a especialidade de Luisa. Ela até tinha alguns nomes de colegas para indicar, mas sabia que a família acabaria gastando uma quantia alta. Propôs fazer as fotos de graça.

Agradecida, foi convidada pela mãe da menina para um café. Da mesa, do papo furado e da amizade criada saiu um dos primeiros trabalhos de Luisa, a série de fotos documental que ilustra como é ser uma aspirante a miss no Brasil.

Maysa <3

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29 fotos contam a trajetória de Maysa. São retratos que permitem entrar no íntimo de uma pré-adolescente que diz muito ao mostrar seu cotidiano. A ida ao supermercado com a irmã no carrinho, as provas de roupas, a frase “Eu sou assim, parabéns pra mim” disposta sobre a mesa com bolo em seu aniversário – até a vitória como Miss Beleza Negra Infantil. O olhar sensível de Luisa permitiu que faces da essência de Maysa virassem história.

Do outro lado do mundo, nos Estados Unidos, a editora de fotografia da revista Time, Kira Pollack, via seu feed no Instagram. Chamou sua atenção uma das fotos de Maysa no perfil de Luisa. Do lado de fora de sua casa, onde ela e algumas plantas apareciam mergulhadas na luz do sol, Luisa registrou o momento com seu próprio celular. Foi o suficiente para convencer Pollack de que a fotógrafa deveria ser a escolhida para participar de um dos projetos mais ambiciosos da revista.

Firsts


Logo que Luisa foi chamada, suas habilidades foram colocadas em teste. “Claro que eles não me disseram isso, mas não podia estar mais claro”, ri. Era 2016, Dilma Rousseff (PT) estava prestes a sofrer o impeachment. Luisa foi designada para fotografá-la. “Tive dois minutos com ela, num humor que tu imagina.” A foto, que mostra Dilma com uma blusa de bolinhas e ar austero foi uma das últimas que registraram a presidenta no Palácio da Alvorada. Os editores gostaram.

Assim, Luisa passou o ano seguinte indo e vindo pelas Américas. A ideia não era essa, mas acabou resumida a convidar uma fotógrafa pouco conhecida, de um outro país, para registrar mulheres pioneiras nos Estados Unidos com um celular. Firsts foi o nome adotado pelo projeto que teve como personagens as primeiras mulheres a ir ao espaço, a concorrer à presidência da maior potência mundial, a ganhar 23 grand slams de tênis, a dirigir o Banco Central dos EUA, a ser nomeada a um Oscar em Cinematografia. No total, são 46 histórias com nomes como Hillary Clinton, Oprah Winfrey e Aretha Franklin.

Capa da Time com foto de Luisa Dörr. Foto: Reprodução

Destas, 12 mulheres ilustraram capas da revista. Luisa Dörr era o nome que aparecia nos créditos. “Eu acho difícil que eu venha a fazer uma coisa tão bacana na minha vida de novo. Já estou satisfeita. Aposentadoria agora”, brinca a fotógrafa.

Ela diz que não esperava que as fotos repercutissem tanto. Com uma equipe de cinco mulheres, um IPhone 5 e um rebatedor de luz, a ideia começou com apensas seis perfis. Outras sugestões de nomes foram aparecendo, o celular foi sendo aprimorado (IPhone 6, Iphone 6S, até chegar no 7 Plus). Duas semanas antes da publicação, a equipe recebeu a notícia de que as fotos iriam para a capa da publicação. Dois dias antes, conseguem marcar com a equipe de Hillary, que recém retornara das férias no Canadá após a corrida presidencial contra Donald Trump. “Fotografar pessoas na rua é uma coisa. Hillary Clinton com o telefone é outra”, conta Luisa, que se lembra do quanto Hillary parecia feliz, falando sobre seu livro. “Como toda boa política, ela chegou apertando as mãos e cumprimentando todo mundo pelo nome. Me deu um montão de tempo: seis minutos. E eu gosto muito do retrato. Ela tá do lado de fora. Normalmente, você vê uma imagem da Hillary Clinton dentro de algum lugar, séria. É um pouco mais humano.”

Firsts colocou a agilidade de Luisa à prova. Para que as imagens saíssem com qualidade, a fotógrafa precisava contar com a ajuda climática para que sempre tivesse o sol à disposição. Por isso, as personagens foram retratadas em muitos cenários improvisados, onde se fez “o que dava”, segundo Luisa. Acostumadas com estúdios, flashes e grandes equipes; algumas retratadas manifestaram certo estranhamento. “Mas, no final das contas, o que importa é o resultado final do trabalho – não a ferramenta que tu tá usando”, diz Luisa, que completa: “Eu nunca sabia onde eu ia fotografar. Nada. Na hora, as pessoas estão ocupadas e um pouco de saco cheio da gente. Você entende, né?”.

Luisa afirma que, acima de tudo, Firsts serviu como desafio e oportunidade para seu trabalho. Empolgada, resume como algo incrível. “Conhecer todos esses ícones vivos e descobrir que, no final das contas, quase todos são humanos como a gente”. “Quase todos?” “Quase todos”, reafirma, sem mais detalhes.

Fotógrafa vive hoje em uma pequena cidade no interior da Bahia. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Das fotos de casamento aos retratos premiados

A história profissional de Luisa é permeada pela vida de várias mulheres. A começar por sua tia. Enquanto Luisa, natural de Lajeado, ainda era estudante de fotografia na ULBRA (Universidade Luterana do Brasil) e de design na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) passou a fazer fotos de casamento e outras festas para o estúdio gerido por sua tia. “Foi quando criei uma relação com a fotografia.” Depois de graduada, passou a atuar como freelancer para diversos veículos nacionais e internacionais. Também ganhou autonomia para viajar e se descobrir enquanto fotógrafa.

Começou um projeto em sua conta pessoal no Instagram, o #womantopography onde fotografa faces femininas. “Não é que não fotografo homem. Mas se eu posso escolher o tema, prefiro que seja uma história de alguma mulher.” Para ela, há uma falta de representação histórica da realidade das mulheres. “Desde a história da pintura ou da escultura… Quando eram pintadas ou esculpidas majoritariamente por homens. Você vê a imagem de uma mulher sexualizada. Daí entra a mídia. Só editores homens. Só fotógrafos homens. Só.”

Ela reconhece o mérito de Akira por tê-la introduzido ao Firsts: uma mulher em uma posição influente dentro de um veículo que possibilitou a entrada de outra mulher em um projeto sobre o pioneirismo feminino. “Eu acho que as mulheres têm que se ajudar. Mas essa noção é muito recente. Acho que o Firsts foi importante para ressaltar isso, mas é pouco. Não dever ser só um na América do Norte, deveria ser em qualquer lugar.”

Hoje, Luisa trocou a agitação cara de São Paulo, onde dividia uma casa com o marido e mais quatro pessoas, pela tranquilidade de uma cidade pequena no interior da Bahia. Comprou uma terrinha cheia de coqueiros onde iniciou o plantio em uma horta para consumo próprio. “Olha as minhas unhas”, diz, ao mostrar as mãos. “A gente pensou que, na pior das hipóteses, se não gostássemos, a gente voltava. Mas é um lugar ainda ingênuo, onde as crianças brincam na rua e voltam pra jantar. E eu sempre morei em lugares feios do Brasil, nunca curti a natureza. Morar ali é se sentir parte da paisagem.”

Agora, ela trabalha em uma série sobre uma congregação religiosa conhecida por sua rigidez com as mulheres. Fora isso, pensa em outras histórias que gostaria de retratar, onde as mulheres são colocadas como rainhas ou como coadjuvantes. “Não é hardnews, são histórias pequenas mas que contam muito.” Ela se vê fotojornalista, mas não cobrindo o noticiário diário. “O prédio pegou fogo. Nunca me chamariam para fotografar o prédio pegando fogo. Mas, talvez, me chamariam para contar a história dos bombeiros que salvaram as pessoas. Você entende?”

Ainda não há final para qualquer história que Luisa tenha retratado – seu trabalho é progressivo, se reinventa a partir da continuidade das vidas que retrata no passar do tempo. “A fotografia te permite conhecer histórias, se relacionar com pessoas. Você se expõe.” Maysa, por exemplo, não chegou a concorrer à etapa final do concurso em 2015 porque o organizador desapareceu. “Mas ela continuou fazendo as aulas de passarela, desfilando em desfiles de garagem”, conta a fotógrafa. Até que foi descoberta, através das fotos, por um programa de televisão. Com isso, ganhou contrato em agência e financiamento para seus estudos.

Luisa se diz realizada. “Não foi só o nosso projeto, as fotos que ela gostava.” Foi mais. Resultou em uma perspectiva de futuro para Maysa. Luisa diz ter presenteado a menina com uma câmera. “Vou buscar um dia. As fotos, a câmera é dela.”

Maysa pelo olhar de Luisa Dorr. Foto: Luisa Dörr

 


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