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7 de abril de 2019
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13:37

Stálin lidera o campo democrático em Teerã. Berlin fala de Marx

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Sul 21
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Stálin lidera o campo democrático em Teerã. Berlin fala de Marx
Stálin lidera o campo democrático em Teerã. Berlin fala de Marx
Isaiah Berlin (Reprodução/Youtube)

Tarso Genro (*)

24 de setembro de 1935. Numa  reunião de chefes do Partido Nazista em Munique, 14 deles se queixaram a “Herr” Himmler, que não conheciam nenhum Campo de Concentração. São – então – todos convidados imediatamente pelo Reichsführer para visitarem o campo de Dachau, o mais próximo da cidade de Munique. No dia seguinte pela manhã a coluna de duas dezenas de carros detém-se na frente do prédio soturno da direção de Dachau, que iria ser um dos mais célebres Campos da Morte, que já no seu início abrigava quase 3.000 prisioneiros.

Eram pessoas que tinham atentado contra a “segurança” do Estado Nazista, criminosos comuns e 200 judeus,  para os quais não fora dispensada qualquer justificativa para as suas prisões: simplesmente eram judeus, condição de suspeição e criminalização suficiente, que vinha apenas da sua naturalidade etno-racial, para assim torná-los prisioneiros do Reich.

Pano rápido: novembro de 1943. Na Conferência de Teerã, quando já está acordada a necessidade de uma política de “castigo” aos nazistas derrotados, os Chefes de Estado dos “Três Grandes” – Roosevelt, Churchill e Stálin – debatem a “forma” pela qual aquele castigo será aplicado aos – segundo Stálin – “50 mil criminosos” do Estado Nazista.

Segundo o líder Soviético eles eram os comandantes da hecatombe que causou os milhões de mortos na Segunda Guerra Mundial. Dentre eles, 6 milhões de judeus e dentre estes 1 milhão de crianças judias. As penas aplicadas aos nazistas vão ser ditadas no Tribunal de Nüremberg, segundo os ritos mínimos do “devido processo legal”, mas a concessão destes “ritos” de defesa não foi pacífica, como se verá.

Stálin, o herói soviético, durante um dos banquetes dos Chefes de Estado – portanto com Churchill, Roosevelt e seus chefes militares mais próximos – ergueu um brinde para, provocativamente, propor uma Justiça Sumária aos criminosos nazis. Ele mesmo responsável por muito sangue que rolou nas coletivizações forçadas e pela morte de centenas de companheiros de Partido – como Bukharin, Zinoviev, Trotsky-  e tantas outras personalidades da Revolução, – ele mesmo – faz um brinde sem remordimentos: “Bebo a nossa resolução de os liquidar logo após a sua captura. Todos sem exceção!”.

A Guerra Mundial deixara a herança de 47 milhões de mortos sendo – deste total-27 milhões de mortos soviéticos! Churchill, o heróis britânico, também com a sua consciência poluída pelo sangue de milhares de inocentes nos massacres coloniais encetados pela Inglaterra colonialista, responde indignado que este método de fazer Justiça “estaria em contradição formal com as concepções que nós, britânicos, temos do Direito e da Justiça.”

Roosevelt, o herói americano representando um potente Estado que se formou chacinando suas populações indígenas e promovendo massacres -assassinatos e torturas na América Latina do domínio imperial- certamente olhou-os irônico e lampeiro. Arrisco que deve ter pensado: “seguramente não devemos nada a estes rapazes.”

Certo, não deviam. E mostraram isso antes, depois e sempre: Nixon na Guerra do Vietnã – parece que ninguém mais se lembra – fez tudo que Hitler fez em termos de barbárie para a aniquilação do inimigo, sem decretar a ditadura na ordem política americana. Os vietnamitas, ali, foram os chacinados que combinaram a desgraça dos judeus -eram uma raça de “amarelos inferiores”- com a sua condição de comunistas patriotas, que lutavam pela sua independência.

Nenhuma grande potência mundial -“socialista” ou capitalista, se fez grande e forte sem sangue derramado, mortes de milhões de inocentes, sacrifícios ambientais, impiedade e desespero combinados com heroísmo e sacrifícios voluntários. A história da Humanidade é a história da violência dos homens contra os homens e destes sobre a natureza, para operacionalizá-la para o lucro ou para a sobrevivência. O que pensavam e o que herdaram ou tiveram no seu currículo aqueles “Três Grandes” em Teerã”, não traduz a sua representação histórica naquele momento, quando passaram a discutir e a instalar uma nova ordem  mundial -colonial e imperial- depois da derrota do nazi-fascismo.

Naquele momento eram a civilização contra a barbárie e a suposta “ditadura do proletariado” – que legou quase dois terços dos mortos para derrotar a besta nazista- estava junto com as duas grandes democracias colonialistas. Elas iriam polarizar o mundo com a “Guerra Fria”, mas  derrotaram -graças e junto com a União Soviética- o primeiro regime político moderno que se orgulhava de levar às Câmaras de Gás, crianças, jovens, mulheres, idosos, com a mesma naturalidade e juízo de necessidade de quem prepara uma festa de celebração de uma data nacional.

Qual a diferença, portanto, entre os nazi-fascistas de hoje, em relação ao que compõe -hoje- os ideais dos comunistas, marxistas, social-democratas e democratas de esquerda? É muito simples: a maioria de nós, deste campo antifascista, não aceitamos o que veio -ao longo dos séculos- tanto por dentro do capitalismo como do que veio por dentro da ideia socialista.  No primeiro, a democracia política engendrada para alastrar desigualdades e acentuar a exploração; na segunda, a socialização da carência sem democracia. Entendemos que a guerra, as  mortes de milhões, a tutela e a ocupação colonial dos “superiores” – seja em nome da democracia como do socialismo “real”- não se justificaram e jamais se justificarão e que, contra isso, temos o dever de lutar de forma unificada.

As resoluções de Teerã, que levaram os criminosos nazistas ao Tribunal de Nüremberg unificaram – naquele momento – a maioria da Humanidade num novo estágio de civilidade política colonial-imperial, entre os países mais desenvolvidos, abrindo um novo ciclo de lutas dos povos e classes oprimidas. Este ciclo começou a se desgastar de forma terminal após a combinação de dois fatores históricos, impensáveis até os anos 70: a quebra da União Soviética, que dá vazão à fanfarronice neoliberal de que a História tinha terminado e a diluição social-democrata, que tinha “humanizado” o capitalismo nos países centrais.

O epílogo deste ciclo pós-Teerã é o nazi-fascismo se tornando força política de reserva do capital financeiro, que controla a vida e a morte nos países endividados. Dizer que o nazismo e o fascismo são de “esquerda” não é somente uma insanidade histórica e uma manipulação dos principais fatos medulares que atravessaram o século passado. É tentar recuperar o direito de arbitrar a morte dos adversários e justificar a desigualdade eterna e humilhante entre as pessoas, como se isso fosse fatalidade e destino.

Dizer que o nazifascismo é de esquerda é querer – quem diz – livrar-se do conceito que merecem: criminosos no poder, que se arvoram o direito de suprimir de maneira ordenada e “científica” uma parte da Humanidade, para festejarem sua  falsa superioridade nacional e racial, erguida sobre as cinzas dos seus campos de medo e de morte. Isso implica em humilhar, matar, prender, organizar milícias, proteger seus corruptos domésticos, controlar a informação e a notícia. Espalhar o ódio contra grupos indeterminados de pessoas para controlar as consciências, assassinar a razão e a verdade. Isso não é só o
nazismo, mas é sobretudo o nazismo dentre todas as ditaduras e totalitarismos.

Isaiah Berlin, conservador e democrata britânico – o grande intelectual que estudou profundamente a obra de Marx e a criticou severamente – disse dele e da sua criação filosófica, distanciando-o radicalmente da vulgaridade dos teóricos do nazifascismo: “Ele não foi obcecado por ideias fixas. Não demonstra um só traço dos notórios sintomas que acompanham o fanatismo patológico, aquela alteração de ânimo que passa da exaltação súbita a um sentimento de solidão e perseguição, que a vida em mundos inteiramente privados engendra muitas vezes em pessoas desligadas da realidade.”  Este é o nosso Marx, segundo Berlin. De quem vocês se lembram quando ele discorre sobre “fanatismo patológico” e “alteração de ânimo”?

(*) Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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