Opinião
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4 de outubro de 2011
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10:28

A UERGS, o cão cruel e o cão dócil

Por
Sul 21
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Por Ana Carolina Martins da Silva

Conta a lenda que um velho índio descreveu certa vez os seus conflitos internos. “Dentro de mim existem dois cachorros, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e dócil. Eles estão sempre a brigar.” Quando então lhe perguntaram qual dos cachorros ganharia a briga, o sábio índio parou, refletiu e respondeu: “Aquele que eu alimentar”. Essa história é bem conhecida, acredito que justamente pela profundidade de sua mensagem!

A situação da UERGS hoje é essa. Temos dentro de nós esse conflito. Uma parte dentro de nós se revolta com a demora dos concursos para professores, se revolta com a posição do Governo Tarso, quando envia uma nota de intenções para com a UERGS que a transformam em uma Universidade Tecnológica a serviço do capital e submissa à lógica das Universidades (ditas) comunitárias. Essa parte de nós, não aceita a demora na resolução de nossos problemas de infraestrutura, pensa que estamos já no final do primeiro ano do Governo que prometeu ser amigo da UERGS e nada de concreto parece ter acontecido. Outra parte de nós, percebe os movimentos da Frente Popular para resgatar a UERGS.

Internamente – na própria Instituição – uma parte de nós se revolta por não haver participação nas discussões da Reitoria da UERGS, choca-se com a falta de informações e afirma que a Reitoria anda para frente em zigzag, sem rumo. Outra parte de nós observa os passos da Reitoria institucionalizando a UERGS em seus Conselhos, seus cursos, suas pró-reitorias, suas relações internas e externas ora de forma estratégica, ora estrutural, ora humana, ora tecnológica numa abordagem sistêmica. As decisões fundamentais têm sido levadas às Comissões, Fóruns e Conselhos para votação. Quando os dois cães começam a brigar no nosso conflito interno em relação a nossa estrutura de Reitoria, fico preocupada se não estamos na verdade correndo atrás do próprio rabo.

Qual da parte de nós irá ganhar essa briga? Nesse caso, não podemos escolher alimentar nem um dos nossos lados, pois se nos detivermos em absolutos, corremos o risco de estarmos errados na hegemonia, que é sempre equivocada. Porém, dizem que um cão faminto é muito mais feroz e violento! Assim, como resolver esse impasse?

Observando os atos do Governo Tarso, percebe-se uma sequência de ações que fazem totalmente a diferença: Reunião com os Sindicatos de Categorias da UERGS em função do Plano de Carreira; Elaboração de um diagnóstico conjunto SCIT e UERGS; Nomeação da Vice-Reitora; Nomeação dos Diretores Regionais; Processo para contrações dos temporários e os efetivos: 120 vagas; Contratação dos professores Concursados; Debate entre a SCIT e o Governador sobre a Revitalização e o fortalecimento da UERGS; Inclusão da UERGS no Grupo de Trabalho Pacto Gaúcho pela Educação, bem como na Escola de Governo; além de aumentar o orçamento da UERGS para o ano de 2012. Segundo informação do site oficial da UERGS, a SCIT pretende instituir uma parceria entre a Universidade e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que vai “indicar uma Comissão especial para tratar assuntos referentes à nossa Universidade”, apontou o Reitor. Sinceramente, não parece ser um Governo decidido a fechar uma Universidade dessa forma. Levando em conta a Reitoria, parece que está terminando de instituir todos os Conselhos, os Fóruns de debate, atuando de forma dialógica em relação ao Estado e à própria Universidade.

As propostas do Relatório UERGS/SCIT são excelentes e condensam e sistematizam tudo o que viemos discutindo desde sua formação, procurando contemplar todas as ideologias e formas de governar que perpassaram esses anos da UERGS e – fundamental – as três áreas. É verdade, que algumas importantes coisas foram retiradas desse relatório na Nota divulgada pelo Governo. O que precisamos agora é de uma comunicação maior entre o Governo Tarso e a Comunidade da UERGS como um todo. Precisamos dessa confiança. Precisamos de seu olhar no nosso, agora, pois há no documento final algumas questões preocupantes, que ferem nossa autonomia, quando nos ligam diretamente às Instituições de Nível Superior do Estado, sem estabelecer critérios. Ora, se fosse para fazer a mesma coisa que fazem, não precisávamos da UERGS.

Outro ponto polêmico é a questão de inserir profissionais de outros órgãos do Estado para ministrar aulas na UERGS e compartilhar das pesquisas. Eu já pensei que isso não seria uma boa alternativa, mas, entre fechar unidades por falta de professores e bons projetos, prefiro receber profissionais de outros segmentos do Estado, com seus projetos, afinal, o dinheiro vai sair do mesmo lugar: o povo do RS. O que o Governo precisa entender é que a UERGS deverá criar critérios bem fortes de seleção para que esses profissionais comecem a trabalhar conosco! Por mim, isso contemplado, a essa altura, eu já estou achando uma ótima alternativa, sangue novo, doutores e doutoras, mestres e mestras que podem inclusive viabilizar os doutorados e mestrados que precisamos em tempo recorde! O ideal seria de uma hora para outra fazer concursos para tudo e todos, instituir avanços de estrutura e abrir as torneiras do orçamento. Porém, é difícil aceitar, mas ainda estamos trabalhando com o orçamento da doutora Yeda. Nossa vida começa no ano que vem, quando teremos mais 40% de orçamento e poderemos fazer algumas coisas, não todas. Quem não sabe que não conseguiremos fazer todas?

A questão de fechar unidades incomoda a todos e a todas porque não se pode abortar algo que nem teve bem condições para se desenvolver. Eu não concordo que unidades sejam fechadas, porém, penso que devemos de fato oferecer cursos mais atrativos em termos de tempo de curso e de remuneração para o egresso, ressignificando os cursos que temos em termos de desenvolvimento. Para isso vamos ter de enfrentar o capital, não tem alternativa. Nossos cursos todos são excelentes, a exemplo cito o de Fruticultura, que poderia privilegiar a agricultura familiar fornecendo conhecimentos em termos de sobrevivência, subsistência, bem como de negócios com pequenos frutos. Esse projeto está sucumbindo, não porque não é bom, mas porque o poder do latifúndio é grande e para ele é preciso fazer a monocultura prevalecer. Então, não é uma questão apenas dos cursos não serem atrativos por conta do tempo de duração e da remuneração, é porque há uma campanha pelo veio contrário. Tudo isso tem de ser revisado, antes de se falar em fechar unidades, ou trocar cursos. Penso que é preciso ressignificar a UERGS. Porém, não me excluo desse grupo que traz os dois cães dentro de si. Eu faço parte do problema e quando me pergunto qual desses cães vai prevalecer, minha resposta copia a lenda: o que eu alimentar. Como sou ambientalista, sou pela vida, não vou deixar nenhum dos meus cães interiores morrerem a míngua, vou alimentando um pouco o cão cruel, um pouco o outro, para manter o estado de alerta, sem paixões, com imparcialidade, se é que isso existe!

Consultas:

http://groups.google.com/group/professores-efetivos-uergs?hl=pt-BR

NOTA TÉCNICA: PLANO DE AÇÕES PARA FORTALECIMENTO DA UERGS (Diretrizes do Governo do Estado para orientar o Plano da UERGS e seu PDI) SCIT/GOV RS (Setembro/2011);

PLANO DE AÇÕES PARA A CONSOLIDAÇÃO DA UERGS (Proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho instituído pela Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, a ser apresentada ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul e às instâncias deliberativas da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul) UERGS/SCIT/GOV RS (Janeiro/2011);
Proposta Quantitativa: Valores Relativos – Valor Global Estimado. SUPLAN – Superintendência de Planejamento / Coordenadoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional. UERGS/RS (Junho/2011).

Site: UERGS

* Ana Carolina Martins da Silva é profa. da UERGS e ambientalista

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