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8 de setembro de 2011
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09:45

Para pesquisador, governo erra ao não propor marco regulatório da mídia

Por
Sul 21
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Para pesquisador, governo erra ao não propor marco regulatório da mídia
Para pesquisador, governo erra ao não propor marco regulatório da mídia
"Na medida em que o governo não coloca na rua um projeto, ele próprio dá margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação façam as mais estapafúrdias acusações" | Foto: Rogério Tomaz Jr./Divulgação

Daniel Cassol

A “ameaça à liberdade de imprensa” voltou a ser pauta nacional nesta semana, depois de o PT ter defendido, em seu 4º Congresso, o marco regulatório da comunicação. Debate travado há décadas no Brasil, a regulação do mercado das comunicações não avança pelo interesses das grandes empresas mas, também, pela ausência de uma proposta concreta do atual governo federal, que debate o tema há nove anos. A avaliação é do sociólogo e jornalista Venício Artur de Lima, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB).

Leia mais:
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“Na medida em que o governo não coloca na rua um projeto, ele próprio dá margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação façam as mais estapafúrdias acusações”, aponta o pesquisador, em entrevista ao Sul21.

Autor dos livros “Mídia: Teoria e Politica” e “Regulação das Comunicações: História, Poder e Direitos”, entre outras obras, Venício Artur de Lima sustenta que o marco regulatório da comunicação é uma regulação do mercado, e não uma censura aos veículos de imprensa. Questões como a formação de monopólios e oligopólios, propriedade cruzada de meios de comunicação e controle de emissoras de rádio e TV por parlamentares precisam ser regulamentadas.  “O marco regulatório é uma regulação de mercado e a regulação do que já existe na Constituição, por exemplo, em relação a princípios e normas de programação, proteção de populações específicas como crianças em relação à publicidade, que existe no mundo inteiro”, explica.

Na entrevista, o pesquisador defende que o governo apresente logo a proposta, gestada pelo ministro Franklin Martins durante o governo Lula e trabalhada, este ano, pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Mas vê com pessimismo que as mudanças sejam aprovadas no Congresso Nacional. “Se você tomar como referência as duas últimas décadas, a possibilidade de haver alguma modificação no Congresso é muito difícil”, afirma.

Sul21 – Qual o significado de o PT ter defendido, em seu congresso, o marco regulatório da comunicação, apesar das notícias de que houve um recuo do partido?

Venício Artur de Lima – Quem recuou na verdade foi o noticiário da mídia. Aqui em Brasília, provincianamente o Correio Braziliense, por exemplo, deu capa dizendo que o PT ia controlar a mídia. Ao invés de sair uma resolução, saiu uma moção. Na resolução política, saíram dois parágrafos, e mais ainda, na fala inicial do Rui Falcão (presidente do PT), o discurso de abertura tem um parágrafo e meio falando da questão da mídia. Para a mídia, não ter saído a resolução foi um recuo. Eu não sou do partido e não estava presente, mas não vi como recuo nenhum. O PT tirou uma posição do partido priorizando, colocando na agenda política a discussão da regulação da mídia.

Sul21 – Diz-se que o governo apresentaria uma proposta no segundo semestre. O senhor acredita nisso?

Venício Lima – Passaram-se oito anos do governo Lula e a proposta do marco regulatório não aconteceu. No final do governo Lula, saiu um terceiro decreto pra fazer o projeto do marco regulatório, elaborado sob a coordenação do então ministro da Secretaria da Comunicação, Franklin Martins. A expectativa era de que esse projeto fosse divulgado, mas não foi. O que foi dito foi que o projeto foi passado para o novo governo e, desde então, espera-se que o novo governo divulgue. O atual ministro das Comunicações (Paulo Bernardo) deu declarações desencontradas e disse que a partir de julho o projeto seria colocado em consulta pública. Nós já estamos em setembro. As notícias que saem do ministério das Comunicações dizem que o projeto, ou pré-projeto, que teria sido preparado pelo ministro Franklin Martins, estaria sendo reexaminado por esse governo. Pessoalmente acho que não dá mais pra esperar. A explicação de que isso está sendo estudado, quer dizer, se esse governo é continuidade do outro, já são nove anos.

Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo | Foto: Agência Brasil
"O atual ministro das Comunicações deu declarações desencontradas e disse que a partir de julho o projeto seria colocado em consulta pública. Nós já estamos em setembro" | Foto: Agência Brasil

Sul21 – Segundo informações, o governo quer atualizar a Lei Geral das Telecomunicações, para ter o apoio das teles.

Venício Lima – Do meu conhecimento, esse foi o último senão acrescentado pelo ministro Paulo Bernardo. “Não, agora está demorando porque vamos fazer um plano que vai rever também a LGT, de 1997”. Eu não sou mais menino, já ando velho, e escuto essas coisas a vida inteira. Para uma pessoa como eu, essas explicações não significam nada. Se o projeto existe, a divulgação dele está sendo protelada pelo governo, porque tempo para estudar e tempo para mudar e tempo para corrigir, é o tempo de sempre. O Brasil é totalmente desatualizado nessa área, é só olhar no que está acontecendo em volta, na América Latina, o que aconteceu em outros países de democracia liberal. Até a própria relação da grande mídia atual revela como nós somos atrasados nessa área. Um partido político vai reafirmar a posição de princípios que estão na Constituição, que já foi resultado de uma negociação extremamente penosa. Depois de 23 anos um partido reafirma, por exemplo,  que é contra a propriedade cruzada dos meios, que está implícita no parágrafo quinto do artigo 220, que diz que nos meios de comunicação não pode ter nenhum oligopólio nem monopólio, e provoca reações desse tipo. Nessa área há um nó que não consegue ser desatado.

Sul21 – Quais são os principais pontos que o senhor defende no marco regulatório da comunicação? Seria vetar propriedade cruzada, proibir políticos de controlar rádios e TV? O que é que mais urgente na regulamentação da comunicação no Brasil hoje?

Venício Lima – A primeira coisa, quando se fala  em marco regulatório, e isso é absolutamente claro nas declarações de governo, é uma regulação do mercado, porque o mercado brasileiro dessa área é oligopolizado ou monopolizado em algumas regiões. Então, mesmo as regras que existem, por exemplo, com relação à concentração da propriedade, que estão no decreto 236 de 1967, não são obedecidas. E há casos gritantes de oligopólio que têm sido inclusive judicialmente confirmados, em função de ações no Ministério Público Federal, porque os juízes que tratam disso alegam que há decisões administrativas do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que não reconhecem a existência do monopólio. Há uma conduta do ministério das Comunicações que faz de conta que não existe um grupo que, em rede, controle um número grande de concessões de radiodifusão, porque as empresas individuais estão em nomes de pessoas, de indivíduos, são pessoas jurídicas distintas. No resto do mundo, há controle sobre a formação de redes. No Brasil não tem nada. O caso da RBS no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina é o mais evidente. Acabou de haver uma resolução legal, tomada em março desse ano por um juiz federal em Florianópolis, que não reconhece a existência de um oligopólio em Florianópolis. E da propriedade cruzada, que alega que o CADE não reconheceu e fala que as normas do artigo 221 e 220 da Constituição não foram regulamentadas. O marco regulatório é uma regulação de mercado e a regulação do que já existe na Constituição, por exemplo, em relação a princípios e normas de programação, proteção de populações específicas como crianças em relação à publicidade, normas para publicidade de alimentos nocivos à saúde, que existe no mundo inteiro.

Sul21 – Cotas de produção regional e independente também.

Venício Lima – São esses tipos de questões, e as mais recentes ligadas ao desenvolvimento tecnológico. O PL 116, que foi aprovado outro dia no Senado, é complicado porque trata de um questão específica, a TV paga, num contexto muito mais amplo das transformações que hoje unem telecomunicações com radiodifusão e têm as suas diferentes manifestações na TV paga, na TV aberta. Há as questões das rádios comunitárias. Há outras questões que também estão na Constituição. Essa, de em exercício de mandato não poder ser concessionário, está no artigo 54. Mas tem interpretações diferentes, polêmicas, inclusive do judiciário. Essas coisas que precisam ser assentadas. Marco regulatório no Brasil é isso. E, no entanto, não consegue avançar.

Sul21 – Quais são as chances do marco regulatório avançar no Congresso, sendo que muitos parlamentares possuem concessão de rádio e TV, além de haver pressão das grandes empresas? E por que o governo não apresenta a proposta?

Venício Lima – Nos últimos anos, se você tomar como referência o processo da Constituinte, que vai fazer 23 anos, não conseguimos avançar em nada em relação ao que já está na Constituição. Teve a decisão sobre a TV digital, que no meu ponto de vista foi um retrocesso, houve de positivo a criação da EBC, a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação. Mas avanço mesmo, não houve nada. Se você tomar como referência as duas últimas décadas, a possibilidade de haver alguma modificação no Congresso é muito difícil. A esperança sempre foi que um governo, um Executivo eleito com apoio popular, tivesse condições de mobilizar parcelas significativas da sociedade, mostrar a importância da questão, em ultima análise, do direito à comunicação, e conseguir fazer modificações tipo o marco regulatório. Eu não vejo essa vontade expressa, por exemplo, nas falas do ministro das Comunicações. Vejo com muita simpatia, como algo muito positivo, as decisões do 4º Congresso do PT, porque mostram que há uma diferença entre o PT e o governo. Quer dizer, o PT está no governo mas o PT tem que ter, como partido, as suas próprias posições e metas e lutar por elas. Nesse sentido, o PT reiterar posições que não têm nada de extraordinário… Eu não sou um otimista, em relação a estas questões, até porque eu já estou há muito tempo nesse negócio e não vejo luz no fim do túnel.

Venício Artur de Lima
"Os fatos mais recentes da conduta ética e profissional de alguns jornalistas de veículos da editora Abril mostram a necessidade de um conselho, tipo a Ordem dos Advogados do Brasil, que funcione como forma de acompanhamento do exercício profissional dentro de normas da própria profissão" | Foto: Itaipu/Divulgação

Sul21 – Algo que assusta a mídia é o controle social sobre a comunicação. O que significa esse controle social?

Venício Lima – A Constituição fala na questão do controle social nas várias áreas de políticas públicas. Educação, saúde, assistência social. O controle social é uma forma de descentralização administrativa e de ampliação da participação direta da população na formação, acompanhamento, e até mesmo na gestão de políticas públicas. No caso da saúde, há mais de 40 anos existem no Brasil os conselhos. Porto Alegre é pioneira na experiência de controle social dos orçamentos, os chamados Orçamentos Participativos. Agora, na medida em que o governo federal não coloca na rua um projeto de marco regulatório, ele próprio dá margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação, ou a qualquer coisa que seja diferente ao status quo, façam as mais estapafúrdias acusações, porque não se tem um texto de referência para fazer a discussão. Se você tiver um texto de referência de uma proposta do marco regulatório, vai ter que ser discutido o que está lá. O sujeito fala em conselhos estaduais de comunicação, por exemplo, como acontece aqui em Brasília. Vários setores dizem que se trata de censura. Mas na lei orgânica do Distrito Federal está aprovado desde 1993, tem um artigo que fala na criação de um conselho e tem que regulamentar. É um órgão de assessoramento do poder executivo para a formulação dos planos regionais de comunicação. Você vê que isso não tem nada a ver com censura, então a discussão fica mais fácil de ser feita, porque você tem um projeto.

Sul21 – Mas um dos exemplos que se tem é a Argentina, onde há uma disputa entre a presidenta Cristina Kirchner e o Grupo Clarín.

Venício Lima: Mas, mesmo na Argentina, tem censura? O debate é falso, é porque existem certas bandeiras que são universais e uma forma de defender interesses é empunhá-las, mesmo quando você faz exatamente ao contrário. Quem faz censura na Argentina e no Brasil são os oligopólios de mídia. Porque a partir do momento em que são oligopólios, impedem que vozes se expressem. Eles não deixam que haja liberdade de expressão.  Eles dificultam a consolidação do direito à comunicação. Eles é que são os agentes da censura, mas empunham essa bandeira da censura e da liberdade. Isso é um recurso político histórico. Quem é contra a liberdade? Quem é contra a censura? Eles promovem a censura e impedem a liberdade de expressão da grande maioria da população, mas empunham a sua bandeira. Como têm o poder de gestão da agenda de debate público, isso passa a ser verdade para muita gente. Esse é o problema, por isso que essa área é tão difícil. Mas o que acontece na Argentina, com todas as letras, é uma regulação de mercado. Inclusive atribui cotas de participação no mercado, para vozes que não tinham voz. E regula áreas como a transmissão esportiva, que é uma forma de entretenimento vinculada a cultura desses países, Argentina e Brasil.

Sul21 – Em resumo, o senhor defende que haja um texto para que o debate seja feito em cima de algo concreto.

Venício Lima – Eu falo isso há décadas. No governo Lula, há vários casos de projetos que nunca se materializaram, sequer na forma de projeto, e que foram combatidos com versões que foram vazadas, e ninguém assumia a paternidade. O exemplo mais óbvio é o da transformação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) em Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Faz um projeto, bota na rua e vamos ver as coisas que estão lá. O equívoco maior, no meu ponto de vista, foi a questão do Conselho Federal de Jornalismo. Os fatos mais recentes da conduta ética e profissional de alguns jornalistas de veículos da editora Abril mostram a necessidade de um conselho, tipo a Ordem dos Advogados do Brasil, que funcione como forma de acompanhamento do exercício profissional dentro de normas da própria profissão. Normas éticas, morais, de conduta. Isso está acontecendo no mundo inteiro. Na Inglaterra, com o caso do News of the World, mas no Brasil não tem nada, não tem autorregulação, não tem absolutamente nada. O Brasil só regula o que é do interesse da radiodifusão. Regula as concessões, fala que para poder renovar as concessões precisa de dois terços do Congresso. Para cancelar, precisa de decisão judicial. Regula as rádios comunitárias pra impedir que elas tenham autonomia e ameacem essas emissoras comerciais. Agora, o que interessa mesmo, a propriedade cruzada, a questão das normas de regionalização da produção, prioridade pra produção independente, tudo que está na Constituição, nada disso é regulamentado. Mesmo o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, é regulamentado mas não é cumprido. O conselho funcionou durante menos de quatro anos e depois não funcionou mais porque o Congresso não convoca os seus membros pra instalá-lo novamente. A situação é essa.

Sul21: O fato do PT colocar no congresso, mas não colocou numa resolução política não aprovou uma moção, isso tem algum significado, é sinal de que vai avançar mesmo no segundo semestre como era previsto, ou, o fato do PT defender o marco regulatório não significa que o governo vai fazer caminhar isso aí?

Venissio Artur de Lima: O PT colocou sim, na resolução. Dois parágrafos especificamente sobre isso. Se você olhar a resolução é enorme, tem mais de vinte laudas.

Sul21: É a gente olhou aqui, tem dois parágrafos. Mas tendem as notícias sobre um suposto recuo, né?

Venissio Artur de Lima: Mas quem recuou na verdade foi o noticiário da mídia, porque o que acontece é o seguinte, eu até estou pensando em escrever, agora nesse momento, perdi meu prazo com o observatório e tava mexendo exatamente nisso aqui. Porque aqui, provincianamente o Correio Brasiliense, por exemplo, deu capa dizendo que o PT ia controlar a mídia. Quando ao invés de sair uma resolução saiu uma moção, e na resolução política saíram esses dois parágrafos, e mais ainda, na fala inicial do Rui Falcão, no discurso de abertura do congresso ele tem um parágrafo e meio falando da questão da mídia. O que a grande mídia tinha avançado, pra ela não ter saído a resolução foi um recuo. Mas no esquema me parece, eu não sou do partido e não estava presente, mas não vi como recuo nenhum. O PT tirou uma posição do partido priorizando, colocando na agenda política a discussão da regulação da mídia.

Sul21: Isso no governo como é que pode bater isso aí, porque faz tempo que se fala que no segundo semestre desse ano o governo levaria ao congresso ou faria uma consulta pública, mas seria nesse segundo semestre que alguma coisa iria acontecer, né?

Venissio Artur de Lima: Veja só, passaram-se oito anos do governo Lula e a proposta do marco regulatório não aconteceu. No final do governo Lula um terceiro decreto pra fazer o projeto do marco regulatório, na metade do ultimo ano saiu um terceiro decreto e consta que um projeto foi elaborado sobre a coordenação do então ministro da SECOM, Franklin Martins. A expectativa era de que esse projeto fosse divulgado, e não foi divulgado e publicamente o que se disse foi que o que foi preparado, o que o público não sabe, não sei quanto a você, mas eu não conheço. Não vi em lugar nenhum. Isso foi dado a luz. O que foi dito foi que isso foi passado pro novo governo e desde então, desde janeiro desse ano, espera-se que o novo governo divulgue isso. O atual ministro das comunicações deu declarações desencontradas sobre isso e disse por exemplo que a partir de julho isso seria colocado em consulta pública. Nós já estamos em setembro e não foi ainda. As noticias que saem do ministério das comunicações dizem que o projeto, pré-projeto, ou sei lá o que, que teria sido preparado pelo ministro Franklin Martins, estaria sendo reexaminado por esse governo. Eu pessoalmente acho que não dá mais pra esperar isso, quer dizer… A explicação de que isso está sendo estudado, quer dizer, se esse governo é continuidade do outro, já tem nove anos, ta certo?

Sul21: Temos lido de que eles queriam regulamentar também a questão das telecomunicações…

Venissio Artur de Lima: Essa é última coisa, do meu conhecimento, isso foi o último “se não” que foi acrescentado pelo Paulo Bernardes. “Não, agora ta demorando porque nós vamos fazer um plano que vai rever também a LGT de 97”. Olha cara, eu pessoalmente, não sou menino mais, já ando velho, eu escuto essas coisas a vida inteira, quer dizer, para um cara como eu, essas explicações não significam nada, a não ser que o projeto, se existe, a divulgação dele ta sendo protelada pelo governo, porque tempo para estudar e tempo para mudar e tempo para corrigir, esse tempo é o tempo de sempre. O Brasil é totalmente desatualizado nessa área, é só olhar no que esta acontecendo em volta, na América Latina, o que aconteceu em outros países de democracia liberal, décadas. Até a própria relação da grande mídia atual revela como nós somos atrasados nessa área. Um partido político vai afirmar a posição de princípios que estão na constituição, que já foi resultado de uma negociação extremamente penosa e que não teve nem relatório final na comissão e 23 anos depois um partido reafirma, por exemplo, que é contra a propriedade cruzada dos meios, que ta implícito no parágrafo quinto do artigo 220 que diz que nos meios de comunicação não pode ter nenhum oligopólio nem monopólio, quer dizer, e provoca reações desse tipo… Então é nós nessa área… tem um nó que não consegue ser desatado, né?

Sul21: Já entrando na questão do marco regulatório, quais seriam as principais pontos? Seria vetar propriedade cruzada, proibir políticos de controlar rádios e TV? Esses são pontos mais ligados a radiodifusão, né? O que é que mais urgente na regulamentação da comunicação no Brasil hoje?

Venissio Artur de Lima: Veja só. A primeira coisa aí, quando se fala em marco regulatório, o que se tem em mente, e isso é absolutamente claro nas declarações de governo, é numa regulação do mercado, porque o mercado brasileiro dessa área é oligopolizado ou monopolizado em algumas regiões. Então, mesmo as regras que existem, por exemplo, com relação a concentração da propriedade, que tão lá naquele decreto 236 de 1967 não são obedecidas, essas regras não são obedecidas. E ha casos gritantes de oligopólio que tem sido inclusive judicialmente confirmados, em função de ações por exemplo, no MP, porque os juízes que tratam disso alegam que há decisões administrativas por exemplo a nível do CAD, que não reconhecem a existência do monopólio. Há uma conduta do ministério das comunicações que deveria fiscalizar estas questões que fazem de conta que não existe um grupo que em rede controle o numero grande de concessões de radiodifusão, porque as empresas individuais estão em nomes de pessoas, de indivíduos, são pessoas jurídicas distintas. Isso no resto do mundo se tem o controle sobre isso, a formação de redes. No Brasil não tem nada. O caso da RBS aí no Rio Grande do Sul e Santa Catarina é o caso mais evidente, acabou de a ver uma resolução legal tomada em março desse ano por um juiz federal em Florianópolis, que não reconhece a existência de um oligopólio em Florianópolis. E da propriedade cruzada que alega o CAD não reconheceu e fala que as normas do artigo 221 e 220 da constituição não foram regulamentadas. Então o marco regulatório é uma regulação de mercado e a regulação do que já existe na constituição, por exemplo, em relação princípios e normas de programação, proteção de populações especificas como crianças, em relação a publicidade, normas para publicidade de alimentos nocivos a saúde, que existe no mundo inteiro…

Sul21: produções regionais…

Venissio Artur de Lima: São esses tipos de questões e as questões mais recentes ligadas ao desenvolvimento tecnológico. O PL 116 que foi aprovado outro dia no Senado, que ainda não virou lei até onde eu saiba, é um negocio complicado porque ele trata de um questão especifica que é a TV paga, num contexto muito mais amplo das transformações que hoje unem telecomunicações com radiodifusão e tem as suas diferentes manifestações na TV paga, na TV aberta, tem as questões das rádios comunitárias…quer dizer tem outras questões que são questões que também já estão na constituição… Essa que tu mencionou de em exercício de mandato não poder ser concessionário, ta no artigo 54. Mas tem interpretações diferentes, polêmicas, inclusive do judiciário. Essas coisas que precisam ser assentadas. Marco regulatório no Brasil é isso. E no entanto não consegue avançar.

Sul21: E quais são as condições de avançar hoje, nesses dois pontos: proibir políticos de terem rádio e TV, sendo que muitos deles no Congresso possuem. E no caso de vetar a propriedade cruzada, é algo que as grandes empresas vão pressionar muito para que não aconteça. Qual é a chance de um marco regulatório desse nível, desse porte poder avançar no congresso?

Venissio Artur de Lima: Olha, aí é o seguinte…

Sul21: Eu não sei se o governo não demora tanto pra lançar, como foi o caso da comissão da verdade, por exemplo. È um tema polêmico, o governo vai lançando pílulas, vai tentando quebrar resistências e aí uma hora, talvez, avance.

Venissio Artur de Lima: Olha, nos últimos, se você tomar como referencia o processo da constituinte que vai fazer 23 daqui uns dias, a rigor, nós não conseguimos avançar em nada em relação ao que já ta na constituição. Teve a decisão sobre a TV digital, que no meu ponto de vista foi um retrocesso, porque mesmo a decisão…o caminho que se apontava no decreto de 2003, e depois foi revertido em 2006 e houve de positivo a criação da EBC, houve a realização da primeira conferencia nacional de comunicação que apenas propositiva, não é deliberativa, mas avanço mesmo, não houve nada. Então se você tomar como referencia as duas ultimas décadas, a possibilidade de a ver alguma modificação no congresso, isso é muito difícil. A esperança sempre foi que um governo, um executivo eleito e com apoio popular, tivesse condições de mobilizar parcelas significativas da sociedade, mostrar a importância da questão, em ultima analise, do direito da comunicação e conseguir com essa força que vem diretamente das ruas, fazer modificações tipo o marco regulatório. Eu não vejo essa vontade expressa, por exemplo, nas falas do ministro das comunicações. Vejo com muita simpatia, como algo muito positivo, as decisões do 4º congresso do PT, porque mostram que há uma diferença entre o PT e o governo. Quer dizer, o PT apóia o governo, o PT está no governo mas o PT tem que ter, como partido, as suas próprias posições e metas e lutar por elas. E fazer mobilizações em torno delas. E incluir o que puder dentro do congresso. Então nesse sentido, o PT reiterar posições que não tem nada de excepcional nada de extraordinário… Eu esqueci de mencionar as posições em relação a banda larga, o marco civil da internet, que é o caminho tecnológico novo que tem implicações profundas no quadro geral da discussão sobre a comunicação… o PT fazer isso é muito importante porque, inclusive mostra que o PT e o governo, em termos dessas questões, não se confundem. Então eu não vejo com…eu não sou um otimista, em relação a estas questões, até porque eu já estou a muito tempo nesse negócio e não vejo luz no fim do túnel.

Sul21: Uma coisa a mídia se assusta é em relação ao controle social. Que que significa esse controle social? Seria essa restrição a publicidade, por exemplo, ou a capacidade do direito de resposta, que ta completamente desregulamentada, direito de antena… quais são os pontos importantes?

Venissio Artur de Lima: A constituição no título “Ordem Social” fala na questão do controle social nas varias áreas de políticas públicas. Educação, saúde, assistência social, ta certo? Na verdade, o controle social é uma forma de descentralização administrativa e de ampliar a participação direta da população na formação, acompanhamento, e até mesmo na gestão de políticas públicas. Existem varias áreas… no caso da saúde tem mais de 40 anos que existe no Brasil os conselhos…. Porto Alegre é pioneiro na experiência de controle social dos orçamentos, os chamados Orçamentos Participativos… Agora, o que acontece é o seguinte, a medida em que o governo federal não coloca na rua um projeto de marco regulatório, ele próprio da margem a que os interesses contrários a qualquer forma de regulação, ou a qualquer coisa que seja diferente ao Status-quo, façam as mais estaparfudias acusações porque não se tem um texto de referencia para fazer a discussão. Se você tiver um texto de referência de uma proposta do marco regulatório vai ter que ser discutido porque ta lá. Porque o que acontece é o seguinte: o sujeito fala em conselhos estaduais de comunicação, por exemplo, como acontece aqui em Brasília, tem vários setores que falam que os caras estão querendo fazer censura, mas aí você faz um projeto pro conselho e mostra que o conselho na lei orgânica do Distrito Federal ta aprovado desde 93, tem um artigo lá, o 261, que fala na criação de um conselho e tem que regulamentar e ele é um órgão de assessoramento do poder executivo para a formulação dos planos regionais de comunicação. Aí você trabalha isso em termos de uma propostas de uma PL e vê que isso não tem nada a ver com censura, então a discussão fica no meu ponto de vista, mais fácil de ser feita, porque você tem um projeto, “olha aqui o projeto, a onde ta a censura aqui?”.

Sul21: Mas há um debate sobre a necessidade de combater essa posição partidária que a mídia assume, como é o caso da Argentina, por exemplo, ha uma disputa grande do Clarín com a Cristina e um pouco desse debate vem pra cá, por exemplo pegar o caso da Veja, então, talvez daí se discuta essa possibilidade de censura, por isso que o tema da censura entra. Porque existe essa polarização entre a mídia partidária e de direita e a com os governos.

Venissio Artur de Lima: Mas mesmo na Argentina, tem cenusra?

Sul21: Não, não concordo que tenha mas…

Venissio Artur de Lima: Não, eu sei, mas o debate é falso, é porque existem certas bandeiras que são bandeiras universais e que uma forma de defender interesses é empunhá-las, mesmo quando você faz exatamente ao contrário. Quem faz censura na Argentina e no Brasil são os oligopólios de mídia. Porque a partir do momento em que eles são oligopólios eles impedem que vozes se expressem. Eles não deixam que haja liberdade de expressão. Eles dificultam a consolidação de um direito a comunicação. Então, eles é que são os agentes da censura mas aí são eles que empunham essa bandeira da censura e da liberdade. Isso é um recurso político histórico fundamental…quem é que é contra a liberdade? Quem é que é contra a censura? Então os caras que promovem a censura e que impedem a liberdade de expressão da grande maioria da população empunham a sua bandeira. Como eles tem o poder de gestão da agenda de debate publico, isso passa a ser verdade pra muita gente. Esse que é o problema, por isso que essa área é tão difícil. Mas o que acontece na Argentina, com todas as letras, é uma regulação de mercado. Inclusive atribui cotas de participação no mercado, para vozes que não tinham voz. E regula áreas, como por exemplo, a transmissão esportiva, que é uma forma de entretenimento vinculada a cultura desses países, Argentina e Brasil. Aqui no Brasil é um oligopólio.

Sul21: Em resumo o senhor defende que haja um texto de uma vez para que até o debate possa ser feito em cima de algo concreto.

Venissio Artur de Lima: Claro, eu falo isso a décadas. Tem que ter… Por exemplo, tem vários casos durante o governo Lula de projetos que nunca se materializaram, sequer na forma de projeto, que foram combatidos com versões que foram vazadas que ninguém assumia nem a paternidade. O exemplo mais óbvio é o exemplo da transformação da ANCINE em ANCINAV. Faz um projeto, bota na rua e vamos ver as coisas que estão lá. O equivoco maior, no meu ponto de vista foi a questão do conselho lá de jornalistas de jornalismo… os fatos mais recentes da conduta ética e profissional de alguns jornalistas de veículos como você citou da editora Abril, mostram a necessidade de um conselho tipo a OAB que funcione como forma de acompanhamento do exercício profissional dentro de normas da própria profissão. Normas éticas, morais, de conduta e isso ta acontecendo no mundo inteiro. Na Inglaterra, com o caso lá do News of the World só que no Brasil não tem nada, não tem auto regulação, não tem absolutamente nada. O Brasil só regula o que é no interesse da radiodifusão, regula as concessões, fala que pra poder, ta lá na constituição, não renovar precisa de dois (clipes, cliques ??), pra cancelar precisa de decisão judicial, regula as rádios comunitárias pra impedir pra que elas tenham autonomia e ameacem essas emissoras comerciais. Agora, o que interessa mesmo, propriedade cruzada, questão das normas de regionalização da produção, cotas pra isso, prioridade pra produção independente, tudo que está na constituição, nada disso aí é regulamentado, ou mesmo que é, como o conselho de comunicação social, artigo 224, como órgão auxiliar do Congresso Nacional é regulamentado mas não é cumprido. O conselho funcionou durante menos de quatro anos e depois não funcionou mais porque o congresso não convoca os seus membros pra instalá-lo novamente. A situação é essa.


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