Economista vê luta entre gregos e setor financeiro

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“Tem uma luta entre a população, que vai ter que pagar esta conta, e o setor financeiro credor, que deseja ter o mínimo de perdas”, afirma economista André Scherer | Ioannis Poulopoulos/Flickr

Felipe Prestes

O governo grego tenta implementar um novo pacote de “medidas de austeridade fiscal” que incluem cortes de gastos, demissão de servidores e privatizações. A população reage protestando nas ruas. Para o economista André Scherer, diretor-técnico da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o que se trava é uma luta entre o sistema financeiro, especialmente bancos franceses e alemães, e o povo grego. As instituições financeiras, credoras da dívida grega, querem receber o dinheiro que emprestaram e pressionam para que o governo aperte o cinto nos gastos públicos.

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Scherer aponta que, de fato, havia um descontrole dos gastos públicos na Grécia, que deixou de ser administrável após a crise mundial iniciada nos Estados Unidos. A aversão ao risco tornou os juros mais altos e dificultou a rolagem da dívida grega. Um primeiro pacote de medidas foi feito ainda em 2010, mas não solucionou o problema do país europeu.

A situação se tornou uma “bola-de-neve” nas palavras do economista, porque, ao mesmo tempo em que é preciso gastar menos para pagar as dívidas, a receita do governo vai caindo devido à diminuição da atividade econômica no país, ao desemprego e à queda do consumo. Para André Scherer, a Grécia teria duas soluções bem diferentes da proposta pelo FMI e pelas potências europeias. Uma delas seria reaquecer a economia investindo nas exportações, mas esta hipótese se torna difícil de ser implantada, porque a adesão do país ao euro, moeda muito forte, faz com que o país seja pouco competitivo. A outra solução, esta defendida pelo economista, é aumentar os gastos públicos com a população – um paralelo com o que fez o governo brasileiro para escapar da crise mundial.

“Com desemprego aumentando, menos consumo, o único jeito seria o setor público gastar mais com a população, como fez o Brasil, e não com o setor financeiro, como fez o governo dos EUA”, afirma Scherer. Ele pondera, entretanto, que esta saída é a pior para o sistema financeiro, cioso por reaver o dinheiro da dívida grega o quanto antes, já que os riscos de um calote se tornam cada vez mais iminentes. “Tem uma luta entre a população, que vai ter que pagar esta conta, e o setor financeiro credor, que deseja ter o mínimo de perdas”, conclui.

“Grécia tem potencial para desencadear turbulência maior”

Calote da Grécia poderia repercutir em outros países em crise no Velho Continente | Foto: Ioannis Poulopoulos/Flickr

A pressão do setor financeiro não é injustificada. Na semana passada, por exemplo, a agência de classificação de risco Moody’s alertou que pode rebaixar as notas de três bancos franceses, por serem grandes credores da dívida grega. Ainda assim, autoridades políticas já dão mostras de que não será possível ceder a toda pressão das instituições financeiras. A chanceler alemã Angela Merkel, por exemplo, tem defendido que os bancos credores da Grécia também participem dos esforços financeiros para “ajudar” o país mediterrâneo, para que o setor público de França e Alemanha, e o Banco Central Europeu, não arquem sozinhos com os prejuízos.

De acordo com o economista, a preocupação maior das potências europeias é evitar um calote da Grécia, que poderia repercutir em outros países em crise no Velho Continente, como Espanha, Irlanda e Portugal. Isto porque uma moratória grega aumentaria os riscos de calote nestes países e a pressão do sistema financeiro sobre a rolagem de suas dívidas deve ser ainda maior. “Os credores, ao tomarem calote na Grécia, vão pressionar ainda mais os outros países (Portugal, Irlanda e Espanha). Os setores públicos de França e Alemanha e o Banco Central Europeu terão que entrar cobrindo estas perdas. A Grécia tem, sim, potencial – não ela sozinha, mas este encadeamento – para causar uma turbulência maior na economia mundial”, diz Scherer.

Esta possibilidade, segundo o diretor-técnico da FEE, é o “poder de barganha” da Grécia. Para evitar o calote, a Europa deve aceitar um acordo para o pagamento da dívida grega. “Os governos já aceitam que vai haver perdas, mas os bancos pressionam”, afirma André Scherer. Outra solução, segundo ele, deve ser a apropriação dos “ativos físicos” da Grécia, ou seja, as privatizações. Como o país mediterrâneo não tem dinheiro, a tendência é que haja uma pressão para que a iniciativa privada estrangeira tome conta da infraestrutura do país. “A Europa vai querer os ativos físicos da Grécia, como a privatizações de estradas e pontes”, exemplifica o economista.


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