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11 de novembro de 2020
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18:22

Candidatas do PSL relatam promessas falsas e falta de repasses do partido: ‘Eu não admito ser laranja’

Por
Sul 21
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Candidatas do PSL foram ao Ministério Público denunciar falta de repasses | Foto: Arquivo pessoal
Candidatas do PSL foram ao Ministério Público denunciar falta de repasses | Foto: Arquivo pessoal

Débora Fogliatto

Oito candidatas a vereadoras de Porto Alegre protocolaram no Ministério Público Estadual na última segunda-feira (9) uma denúncia contra o PSL, partido pelo qual concorrem. Elas afirmam que a sigla não repassou para suas candidaturas o valor que constava no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como tendo sido destinado a elas. Ainda, alegam que suas campanhas não receberam investimentos em materiais e nenhum tipo de ajuda do partido, que denunciam estar focado em apenas três candidaturas para a Câmara Municipal.

 

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Duas delas, as únicas do grupo que receberam o dinheiro em suas contas – depositado enquanto estavam no MP protocolando a denúncia –, relatam que havia sido prometido um valor dez vezes maior do que os R$ 5.200 que receberam. Outras não chegaram a receber nem isso.

No último domingo (8), a candidata Mara Souza denunciou, em sua página no Facebook, não ter recebido o valor que constava em seu nome no TSE como tendo sido depositado no dia 21 de outubro. Após o vídeo repercutir e outros candidatos se apresentarem a ela na mesma situação, o grupo decidiu ir ao Ministério Público. Enquanto estavam lá, Mara percebeu que o dinheiro havia entrado em sua conta. “Eu acho muito estranho, todo o tempo a gente reivindicando, ligando pra Brasília, pra Deus e o mundo, e agora que eu fiz o vídeo, eles pagaram. Eles tentaram calar nossa boca, mas eu não aceito isso. Por que não pagaram todas então?”, questiona.

 

 

Poucos dias antes de gravar o vídeo em que relatava a situação, Mara estava hospitalizada devido a uma úlcera que a deixou em estado grave, e que ela atribui ao estresse da campanha. Ainda em recuperação, pois é diabética e sofreu um AVC no início do ano, ela conta que pensou em abrir mão da disputa.

“Pensei até em desistir, mas como eu tinha uma equipe por trás de tudo isso, eles disseram que tocam pra mim enquanto eu estiver me recuperando. Quando a gente percebe que está sendo usada por outros, começa a ficar nervosa. Tu diz ‘poxa, o que eu estou fazendo aqui?’ e aí começa a ligar pra um, pra outro, pedindo material, e vendo o pessoal pedindo, implorando por ajuda do partido. E aí tua saúde vai pro saco”, conta Mara.

Quem percebeu que no Divulgacand (plataforma da Justiça Eleitoral que reúne informações públicas sobre as candidaturas) constava uma quantia que não havia recebido foi Néa Tauil, psicóloga que também concorre pelo PSL. “No domingo [8], eu decidi olhar minha prestação de contas. Daí eu abri e vi que eles tinham declarado que eu recebi, no dia 21/10, R$ 5.200. Eu fiquei apavorada, tirei foto na hora e fui direto pro grupo do WhatsApp, apavorada. Eu não tive nada do partido e eles declararam que eu tinha recebido R$ 5.200″, relata.

A partir daí, ela descobriu outros candidatos que estavam passando pela mesma situação, inclusive Mara. No caso de Néa, ela não recebeu o dinheiro e a informação foi retirada de sua página no TSE. Mas, ao conferir que agora sua prestação de contas aparecia zerada, ela se deparou com mais problemas. “Eu mandei toda a documentação dos meus bens e percebi que eles não colocaram, e nem as minhas redes sociais. Agora vou ter que fazer outra denúncia, imagina não declarar para o TRE que eu tenho bens. E minha candidatura poderia ser impugnada porque eu não declarei as redes sociais onde estava trabalhando, não tem a prova ali de que fiz campanha”, explica Néa.

Diante da dificuldade, já em setembro, de obter apoio do partido, Néa relata que sua campanha está acontecendo somente de forma virtual. Criadora do projeto “Família Eu – Movimento educando para o amor-próprio”, ela foi convidada a concorrer e achou que poderia ser uma boa oportunidade de ampliar o seu trabalho. “Desde o início, lá dia 27 de setembro, que começou todo o processo, comecei a ter problema na minha RAC [Requerimento de Abertura de Conta Bancária]. Não resolviam, e eu não consegui abrir conta em banco. Depois, tive problemas com a foto para os panfletos. Por fim, não consegui nada, não consegui panfleto. Comecei eu mesma fazendo meus posts, trabalhando por Whats, e desisti de qualquer tipo de material, porque não tinha dinheiro”, relata a psicóloga.

 

 

Já a candidata Marcia Rocha segue sem receber o dinheiro que ainda consta em sua página do Divulgacand. Enquanto os R$ 5.200 continuam aparecendo lá, sua conta bancária que foi aberta para a campanha está zerada. “Faz 15 dias que assinei o recibo do dinheiro, porque foi uma orientação do partido, e todo dia é uma novela, uma desculpa diferente. Eu não tenho verba de campanha, não tive condição de comprar meu material. Apareceu no site como se eu tivesse recebido, qualquer cidadão vai acessar e ver que teria entrado R$ 5.200 que são fantasmas, e na minha conta mesmo, que eu abri pra campanha, não tem nada”, relata.

Todas as candidatas ouvidas pelo Sul21 estão concorrendo pela primeira vez e afirmam que o partido havia prometido dar suporte e orientações para suas candidaturas. No entanto, não foi o que ocorreu. “Quero deixar bem claro que é a primeira vez que eu concorro, tudo pra mim é novidade. Eles me disseram que dariam toda a assessoria, tudo que eu precisasse, e eu fui extremamente deixada de lado. Eu não tenho respostas”, completa Marcia.

Mara é assistente social, já foi conselheira tutelar, diretora de abrigo na antiga Febem e, por essa atuação, foi convencida, por amigos que tinha no PSL, a concorrer. Porém, o que foi prometido no início da campanha não foi cumprido pelo partido, na avaliação dela. “Os nossos horários políticos que nós gravamos começaram a não passar e as pessoas nos ligavam pra perguntar porque a gente não aparecia. Comecei a perceber que a gente estava sendo laranja, e eu não admito isso. Eu sou conhecida nas comunidades que ajudei, fui conselheira tutelar, então eu poderia fazer mais voto, mas eu, como todas as outras, entramos para cumprir cota”, lamenta.

Além de Mara, quem também recebeu o repasse após fazer a denúncia foi Sandra Mara Rodrigues, que atua há anos na comunidade da Grande Glória, onde seu pai tem uma creche comunitária. Ela, que também já trabalhou na FASE, relata que pretendia concorrer por outro partido, mas foi convencida por um político do PSL a ir para a legenda. “Eu ia para o Solidariedade, mas me convidaram, e essa pessoa disse que ia ter todo apoio, de material, mídia, advogado. E a gente não tem nada, a gente foi enganada”, relata.

Marcia também foi procurada pelo partido por seu trabalho comunitário. Teóloga, ela atua na assistência social do Ministério Evangélico de Avivamento Bíblico em Porto Alegre, auxiliando famílias carentes da comunidade do bairro Sarandi. Por este trabalho, é conhecida na comunidade, e foi convidada a concorrer a partir daí. “Disseram que receberíamos tudo, que as mulheres seriam muito bem assessoradas, amparadas nesse processo. Foi prometido coisas que não cumpriram, principalmente a estrutura para a campanha. Trabalhei sem material, só nas redes sociais, e ainda as pessoas que estavam me ajudando tiveram que me abandonar porque não tive um centavo para pagá-las”, relata.

O dinheiro que foi depositado para as duas candidatas que conversaram com a reportagem, porém, está bem longe dos R$ 50 mil que haviam sido prometidos quando Sandra aceitou concorrer pelo partido. Agora, ela não conseguirá pagar as dívidas que se acumularam ao longo da campanha. “Preferia que falassem a verdade, dissessem que não íamos ter nada. Eu estou devendo aluguel de comitê, material, devendo para as pessoas que estão trabalhando comigo. Eu me virei por minha conta, dei minha cara a tapa, não vou conseguir pagar tudo com esses R$ 5.200. Mas vou pagar tudo”, afirma.

Mara e Sandra, mesmo tendo recebido o dinheiro, afirmam ser tarde demais para conseguirem investir na campanha. A menos de uma semana das eleições, o dinheiro servirá apenas para cobrir parte das dívidas. “Para nós, recebermos ou não agora nem importa muito, porque tudo isso já me prejudicou mesmo. Eu vou pagar dívidas com gráfica e era isso. Mas se as pessoas receberem agora, na véspera da eleição, vão fazer o que com o dinheiro?”, questiona Mara.

Do dinheiro do fundo partidário do PSL, consta no TSE que três candidatos receberam grandes quantias, enquanto todos os outros receberam menos de R$ 15.000: foram investidos na candidatura de Alexandre Bobadra R$ 150.000; na do atual vereador Claudio Conceição, R$ 90.000; e em Simone Paganini, esposa de Rafael Paganini, secretário do partido, R$ 85.000. O investimento nas três candidaturas representa cerca de 70% do dinheiro do fundo eleitoral do partido.

Sul21 só conseguiu contato com o PSL por e-mail, o qual o partido respondeu afirmando que se trata de uma questão “administrativa da área de contabilidade, não possuindo qualquer conotação política” e que já teria sido explicada às candidatas. O contador terceirizado contratado pelo partido, Leandro Chagas, afirmou que a demora nos repasses se deve ao fato do dinheiro ser enviado pelo diretório nacional.

“A executiva estadual me passou uma relação de mulheres que receberiam esses recursos, isso já estava programado, e eu emiti os recibos eleitorais. Foram encaminhados para elas assinarem, e isso foi encaminhado para a direção nacional para o procedimento de transferência dos valores. Como nós fizemos no sistema próprio de prestação de contas da Justiça eleitoral, já consta no sistema que irão receber esse valor. Isso é um processo administrativo, por isso que já aparece lá”, explica Leandro. Segundo o contador, é por isso que os recursos apareciam na página das candidatas alguns dias antes delas efetivamente recebê-los em suas contas.

Como a prestação de contas final da campanha ocorre até 30 dias após o pleito, o contador também afirma que, caso os repasses não tenham se concretizado por algum motivo até então, a previsão de arrecadação será excluída. “Vários partidos estão centralizando nos diretórios nacionais pela questão de cotas, e talvez não estavam preparados para a demanda toda de candidatos e isso que deu um acúmulo de trabalho, já que as transferências são individuais.”

Sul21 tentou contato também diretamente com o presidente estadual do partido, Ruy Irigaray, mas ainda não obteve resposta.


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