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23 de julho de 2015
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18:04

‘Mobilizações são tentativas de resistir à austeridade crescente’, diz sociólogo espanhol

Por
Sul 21
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Foto:  Caroline Ferraz/Sul21
Professor participou do Congresso Brasileiro de Sociologia, na UFRGS | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Débora Fogliatto

O professor e sociólogo espanhol Benjamin Tejerina participou, nesta quinta-feira (23), do 17º Congresso Brasileiro de Sociologia, na UFRGS, com a palestra Rebeldes às portas. Mudança cultural, crise da política e mobilização social na Espanha contemporânea: o caso do 15-M e Podemos. Ele, que é professor titular da Universidade do País Basco e Diretor do Centro de Estudos sobre Identidade Coletiva, falou sobre os motivos que levaram aos protestos em seu país e o futuro que aguarda a Espanha, com o crescimento do Podemos e uma esperança de saída para a crise econômica.

Tejerina ainda traçou um paralelo entre a situação na Espanha e em outros países do mundo onde houve grandes mobilizações, como as nações do Oriente Médio, a Grécia e países da América Latina. “Parece que há uma fraternidade, uma série de pontos em comum. Contamos com algumas aproximações teóricas, há a ideia de que existe um processo de transnacionalização do protesto”, refletiu. Ele destacou que uma das formas de explicar as organizações dos protestos é a ocupação dos espaços públicos, refletida nos movimentos “Occupy”.

Outra forma de se analisar o que está acontecendo é perceber o protagonismo da juventude, presente em quase todas as formas de mobilização. “Os jovens estão mais presentes e isso se deve ao fato de que a mobilidade social, que vinha sendo ascendente para as novas gerações, está bloqueada”, afirmou Tejerina. Para ele, as mobilizações aconteceram também como resultado “das crises econômicas e das políticas neoliberais, de privatização de empresas públicas e redução do papel do Estado”. “Outra forma de entender porque surgem mobilizações tem a ver com a questão de que são tentativas de resistir a um processo de austeridade crescente, que atinge a maior parte da população, especialmente as classes médias urbanas”, apontou.

No caso específico da Espanha, a crise financeira se transforma em crise social, que atingiu o sistema democrático como um todo. Essa situação começou com a recessão, no fim de 2007, que teve como símbolo os despejos forçados. “Durante muitos anos, a especulação imobiliária dominou o país. Atualmente, muitas pessoas têm juros que crescem cada vez mais a pagar por seus imóveis. “O Estado espanhol decide intervir e dar de graça o equivalente a $ 57 milhões de euros — 20 vezes mais do que o ministro das Finanças do Brasil decidiu fazer — aos bancos. E por outro lado, o governo decide cortar verbas para saúde, educação, investimento, pesquisa”, contou.

Foto:  Caroline Ferraz/Sul21
Na Espanha, problemas dos despejos também afetaram a sociedade | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

A partir deste cenário, começaram os despejos de famílias inteiras, expulsas de suas casas devido à crise e à impossibilidade de pagar o que deviam. “Se tem uma coisa simbólica que atinge a consciência é ver uma família ser despejada pela polícia e ficar na rua, ter que dormir no parque, porque não tem um lugar”, relatou. Isso gerou o fim do Estado de bem-estar social, que por sua vez deu espaço a um Estado de “mal estar”. “Aquilo que protegia as pessoas começa a desaparecer, começam a ter medo que seus filhos não possam ir à escola, que não terão empregos. E de que aqueles que têm poder o usem para cortar os direitos civis. Então, estamos falando que isso está atingindo o conjunto da população, direitos estão sendo desrespeitados”, afirmou.

Ao lado da crise econômica, começa uma crise política muito forte, especialmente dos partidos mais tradicionais, que estiveram no poder há muitos anos no país. É nesse contexto que surge o Podemos, que se fortificou nas eleições de 2014 e participa das alianças que compõem a Prefeitura das três cidades mais importantes da Espanha: Madri, Valência e Barcelona, eleitas com plataformas que defendem medidas antiausteridade nas cidades Nas eleições gerais de novembro deste ano, o partido espera alcançar pelo menos cerca de 20% dos votos, e com 25% seria o majoritário no Parlamento espanhol.

Em Barcelona, a prefeita Ada Colau proibiu recentemente uma missa que ocorria anualmente desde 1940, para recordar o golpe militar de 1936, que deu início à Guerra Civil Espanhola, instaurando a ditadura de Francisco Franco. Ela própria foi líder do movimento anti-despejos e já anunciou que a Prefeitura não irá manter contas em bancos que sejam coniventes com essas práticas. Já a prefeita de Madri, Manuela Carmena, foi de metrô ao primeiro dia de trabalho, criou um site para transmitir informações oficiais que estejam sendo distorcidas pela imprensa e pretende — com a participação da população — retirar os nomes de franquistas das ruas da cidade. Para Tejerina, o interessante é que elas já estão “mexendo com a estrutura tradicional dos partidos políticos” e que mudanças já estão ocorrendo interna e externamente no debate público.

Paralelos com o Brasil

Foto:  Caroline Ferraz/Sul21
Maria da Glória avaliou semelhanças e diferenças entre os dois países | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

O professor espanhol refletiu que o caso de seu país é bem específico, com semelhanças e diferenças em relação ao Brasil e outros países. “Outro dia me perguntaram: por que no Brasil não temos um Podemos? Eu não sei responder”, afirmou, arrancando risos da plateia. Ele apontou ser um “forasteiro” e não especialista em política brasileira, mas disse em entrevista ao Sul21 que esperava que o país não precise passar por uma crise tão grave quanto a que afetou a Europa.

A implantação de medidas de austeridade, porém, não são a solução, reiterou ele. “Isso só gera mais sofrimento. Se agora estamos crescendo é porque depois de sete anos de crise as coisas não podiam continuar da mesma forma. Espero que o Brasil não esteja passando pelo mesmo, que a crise seja passageira e a retomada do crescimento aconteça em breve”, refletiu, destacando que os problemas devem ser resolvidos com uma política de redistribuição.

Para a professora da Unicamp Maria da Gloria Gohn, que coordenou o grupo de trabalho “Movimentos sociais na atualidade: reconfigurações das práticas e novos desafios teóricos” durante o Congresso, após as manifestações de junho de 2013, também houve um processo de indignação com o sistema político. “A diferença é que [aqui] está estourando essas duas coisas simultaneamente: a indignação com a política e essa consciência da situação econômica, que no bolso se reflete no aumento do supermercado e no aumento da luz”, apontou.

Um dos grandes elementos trazidos a partir da fala de Tejerina, segundo ela, é o papel das mobilizações na mudança da cultura política. No entanto, um dos grandes pontos de diferença é a conjuntura política momentânea de cada um dos países. “Lá, o conservadorismo estava predominando. Aqui, uma parte dos progressistas nesse momento estão seguindo caminhos que estão sendo contestados, e ao mesmo tempo há uma rearticulação dessas forças conservadoras”, ponderou, dizendo que essas forças são representadas por pessoas chave na política.


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