Revolução Russa -- 100 anos
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6 de abril de 2017
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13:07

VII – O Internacionalismo

Por
Sul 21
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Por Fernando Horta

Muitos pontos do pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels levam ao entendimento de que a questão nacional talvez não seja suficiente para compreender o capitalismo. Marx defendia que as necessidades humanas eram parte da gênese do homem como ser social. Assim, onde existe vida existe necessidade. Os economistas – a contragosto de Marx – transformaram TODAS as diferentes necessidades humanas num único conceito: a “demanda”. Sendo a demanda global, Marx afirmava a tendência de todos os sistemas econômicos serem sempre globais. Como tinha ocorrido com o escravismo ou o feudalismo a seu tempo, o capitalismo tenderia a se espalhar pelo planeta. O pensamento marxista também questionava o papel do Estado e dos governos, entendendo estes como uma forma de domesticação da mão de obra para o capital, uma “opressão de classe”. Marx dizia que os burgueses ao redor do mundo tinham mais em comum entre si, do que a burguesia e o proletariado dentro de algum país específico. Então, muito além do bordão “proletários do mundo uni-vos”, Marx sinalizava que o plano de luta era o plano internacional e não somente o nacional ou local.

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Carteira de membro da primeira internacional socialista, com assinatura original de Karl Marx | Foto: Fundazione Lelio e Lisli Basso.

Em 1864 foi criada a Primeira Internacional Socialista dizendo claramente que “a emancipação do trabalho não é um problema local nem nacional, mas social e que envolve todos os países que existem na sociedade moderna”. A Primeira Internacional reuniu vários grupos de esquerda em discussões sobre como proceder na resistência ao capitalismo. As acaloradas discussões e os pontos antagônicos levaram a uma ruptura entre Karl Marx e Mikhail Bakunin em 1872. Enquanto Marx dizia que Bakunin não tinha conhecimento teórico suficiente para dizer o que dizia, Bakunin acusava Marx de ser autoritário e ter pouco apreço pela “liberdade”. Marx defendia que o coletivo deveria ser sempre o centro de referências das mudanças, Bakunin defendia que o indivíduo era o único portador de “vontade” e, portanto, nele deveriam se concentrar todos os esforços de mudança.

Reunião da segunda internacional em 1904, Amsterdã. Ao centro vê-se Rosa de Luxemburgo, à direita, no alto, Lênin e Kautsky, no centro, Plekanov, à esquerda Engels e Bernstein | Foto: Socialist International.org

A Segunda Internacional, começa com um congresso em Paris em 1889, em função da inciativa de Friedrich Engels. Karl Marx havia morrido em 1883, sem ter visto qualquer melhora no movimento de luta conjunta do proletariado mundial. A Segunda Internacional começa pela exigência da jornada de trabalho de oito horas e com sérias discussões a respeito do clima de guerra que já imperava na Europa. Um certo Vladimir Ulianov estava presente e descreveu esta segunda tentativa de reunião de resistentes ao capitalismo como “A Internacional Amarela”, em função das tendências centristas (ou social-democratas), personificadas muito em Karl Kautsky. A compreensão dos escritos marxistas pela linha do evolucionismo dizia que NECESSARIAMENTE para o socialismo acontecer, era necessário ANTES o desenvolvimento capitalista. Neste sentido, uma série de propostas de alianças temporárias com segmentos burgueses, mediados através dos processos “democráticos”, foram julgados mais oportunos do que os esforços para a revolução.

Karl Kautsky | Foto: Dicionário Acadêmico Russo

O Congresso de Paris trouxe também uma discussão sobre a guerra. Elementos pacifistas, como Rosa de Luxemburgo, foram excluídos do encontro por defenderem a ideia de que a guerra poderia ser contida por meio da internacionalização da consciência de classe. O conflito seria um fenômeno claro de disputa material das classes altas e aos trabalhadores não competia morrer por estas bandeiras. O caminho desta argumentação ia incisivamente na desconstrução da ideia de “Nação” e na aproximação ao “internacionalismo” no mundo. Os problemas vivenciados pelos trabalhadores, argumentava Rosa de Luxemburgo, não encontram fim nas fronteiras nacionais e os proletários não deveriam sujeitarem-se a produzir riquezas para suportar o conflito.

Este internacionalismo pacifista não ganhou eco, ao menos não no final do século XIX, marcado pelo reforço da ideia de “Nação” e já com espírito beligerante pairando por toda a Europa. De fato, a partir do início do século XX, os historiadores chamam o período de “Paz Armada” uma vez que, apesar dos discursos oficiais afastando a possibilidade de guerra, boa parte das produções dos países estavam voltadas para o desenvolvimento bélico. As discussões sobre o “reformismo” ou a “socialdemocracia” empurraram Lênin vigorosamente para a ideia de que a revolução era o único meio efetivo de mudança.

A Terceira Internacional (ou internacional socialista) é fundada em 1919 por Lênin, já com a tradição dos bolcheviques tendo emergido e se propondo uma organização mundial de luta dos proletários subordinada aos partidos comunistas. A Quarta Internacional (1938) e a Quinta Internacional (1994) são claramente menos representativas do que as três primeiras e sugerem, de alguma forma, a vitória da ideia de nacionalismo frente ao internacionalismo do proletariado. A desarticulação sofrida pelo pensamento revolucionário quando do final do estalinismo (1953) e do fim da própria União Soviética (1989-1991) teve um efeito ao mesmo tempo destruidor e crítico sobre a resistência ao capitalismo pelo mundo todo.

Marx dizia que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente legadas e transmitidas pelo passado”. O economista alemão disse que o capitalismo serial global, que produziria uma imensa concentração de riqueza e que só se manteria pelo domínio ideológico sobre populações sem capacidade de crítica. Disse também que somente desenvolvendo nos trabalhadores a real noção de sua posição no espectro produtivo – e das consequências disto (que ele chamou de “consciência de classe”) – é que se poderia transformar a sociedade. Parece que ele acertou, ao menos em relação ao futuro do capitalismo …

Um dos brasões soviéticos, demonstrando a ideia da luta internacional do proletariado. O sol surge para iluminar o mundo todo, não apenas a Rússia.

Вперед товарищи!

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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