Revolução Russa -- 100 anos
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31 de março de 2017
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18:30

VI – 50 tons de vermelho

Por
Sul 21
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Por Fernando Horta

Karl Marx e Friedrich Engels deram o tom da Revolução Russa. Entretanto Marx tinha falecido em 1883 e Engels em 1895. Suas ideias passaram a ser interpretadas e reinterpretadas, criando uma miríade de pensamentos que, ainda que “marxistas”, discordavam da ideologia original em diversos pontos. De fato, nem Marx, nem Engels deixaram escrito como se deveria proceder para que a classe trabalhadora tivesse consciência do seu papel dentro do cenário econômico, político e social, ou mesmo como se deveria organizar a tal “ditadura do proletariado”. Cada um que se apropriava do ideário marxista preenchia os espaços que Marx não havia explicado ou descrito com as suas próprias ideias.

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É comum falar-se diferenciação entre bolcheviques e mencheviques. Ambos participantes do Partido Operário Social Democrata Russo, os grupos divergiam em diversas questões. A maior discórdia era com relação a como fazer a passagem de Rússia pós-Romanov para o socialismo. Os mencheviques acreditavam na fórmula marxista com leitura evolucionista. Segundo eles, só se poderia atingir o socialismo APÓS ter ocorrido o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, somente após uma revolução burguesa e o desenvolvimento do capitalismo. Neste sentido, os mencheviques chegaram a defender uma união (ainda que temporária) com a burguesia. Para os mencheviques a formação da “consciência de classe” do operariado se daria de forma “espontânea”, cabendo ao partido apenas absorver os que fossem aderindo ao movimento.

Os bolcheviques, viam a possibilidade de uma “dupla revolução” sob a tutela de um governo proletário. A revolução burguesa e a revolução proletária poderiam ocorrer de forma simultânea, desde que com um governo operário forte. Além disto, entendiam o campesinato como um grupo social vital para a revolução, precisando ser apenas “despertado”. Tal pensamento, que tem no seu maior articulador Lênin, era bastante diferente do pensamento de Marx, para quem os camponeses não serviam à revolução. Os bolcheviques acreditavam ainda que o partido deveria ser composto por um grupo pequeno de ativistas. Os bolcheviques não acreditavam na “espontaneidade” da formação de consciência de classe e advogavam um partido revolucionário atuante.

As cisões, entretanto, não terminam aqui. Os chamados “Social-Revolucionários” (SR), por exemplo, defendiam que o protagonismo revolucionário deveria ser dos camponeses e não dos proletários. Eram contra o fim da propriedade privada, defendendo apenas uma reforma agrária mais igualitária. Existiam os SR’s de direita, de centro e de esquerda, variando, grosso modo, os métodos pelos quais pretendiam levar a cabo as mudanças. Os SR’s de direita, por exemplo, defendiam o respeito a um “modelo coletivo de tomada de decisão” que muito se assemelhava à forma como o governo provisório foi organizado, com os proletários sendo apenas mais uma das forças e não tendo o protagonismo defendido, por exemplo, pelos bolcheviques.

Mikhail Bakunin (1814-1876) | Domínio Público

Outro grupo, os anarquistas, denunciavam qualquer partido político que falasse em nome do indivíduo. Entendiam os partidos já como formas menores de dominação. Partidos eram embriões autoritários, sejam quais fossem suas ideologias. O anarquismo se inspirava nas ideias de Mikhail Bakunin, um dos participantes da Primeira Internacional Comunista (1868) (e crítico de Marx) e em Piotr Koprotkin geógrafo russo, falecido em 1921. Enquanto Bakunin dizia que a liberdade preconizada pelo anarquismo seria o homem seguindo as “leis naturais” e não negava que a violência era uma delas, Koprotkin, ao contrário, defendia que os sentidos de justiça e cooperação eram parte do “instinto natural” dos homens e não precisariam de instituições para tutorá-las. Para Bakunin, a acomodação social se daria após momentos de intensa violência, sendo que cada indivíduo constrangeria as ações do outro. Koprotkin, ao contrário, defendia um processo de educação e conscientização do indivíduo como forma de acomodação social.

Piotr Koprotkin (1842-1821) | Domínio Público

Se já são suficientemente amplas as divergências aqui em resumo explanadas, ainda existiam os “defensistas” para quem a manutenção da Rússia na guerra deveria ser estritamente para defender seu território; os “belicistas” que entendiam que a guerra era uma oportunidade atacar o “imperialismo” e os “pacifistas” que defendiam a saída a qualquer custo do conflito. Estas três posições se espalhavam pelos diversos matizes acima descritos. Ainda, cada grupo procurava cercar-se do apoio de etnias não russas. Os mencheviques, por exemplo, buscaram apoio do Bund (organização socialista judaica), os SR’s do movimento independentista ucraniano e os bolcheviques amealhavam apoio entre diversas outras etnias, pregando que a ideia de nação apenas servia para dividir os proletários.

No campo da direita a representação era mais simples. Os antigos nobres (com privilégios perdidos pelas reformas de 1905), a classe média urbana e a burguesia se organizaram em torno do chamado partido do KADET. O termo KADET vem do russo Конституционно-демократическая партия que significa Partido Constitucional Democrático. Defendia a organização de assembleia constituinte com representação privilegiada para os grupos produtores de riquezas e afastavam todas as noções de coletivização ou fim da propriedade privada. Defendiam a manutenção da Rússia na guerra e a continuidade da aliança com os países ocidentais.

Selo soviético de 1957 comemorando nascimento e morte de Gueorgui Plekhanov | Foto kolekzioner.ru

Se o leitor estiver se sentindo um pouco confuso, fique tranquilo porque figuras como Gueorgui Plekhanov, Julius Martov ou Alexander Kerenski, partícipes da revolução migraram de corrente política durante o conflito também estavam. Para eles também era bastante confuso o entendimento político e social do período. Talvez estivesse aí a chave do sucesso de Lênin e dos bolcheviques. A partir de uma posição bastante clara sobre as discussões, os bolcheviques amealhavam apoios simplificando as questões para a população. Os bolcheviques, pela mão de Lênin, mostravam-se – certos ou errados – um porto seguro dentro das constantes mudanças de sentido da Revolução.

Vladimir Lênin e Julius Martov no final do século XIX | Foto: Andrei Nenarokov

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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