Revolução Russa -- 100 anos
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27 de março de 2017
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11:15

V – O Apelo aos Povos do Mundo

Por
Sul 21
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Por Fernando Horta

O historiador Marc Ferro, falando sobre a Revolução Russa, afirma que em cinco dias, entre 17 e 22 de março de 1917, “não houve cidade, de Minsk a Vladivostok, que não se atribuísse a sua administração revolucionária, Soviet ou comitê”. Mesmo sem meios de comunicação avançados, as notícias da Revolução corriam pelo país impulsionadas em razão de que “acreditavam que alguma coisa de novo aconteceria em virtude da qual iriam viver melhor”, segundo Christopher Hill em seu livro “Lênin e a Revolução Russa”.

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O jornal Izvestiya sendo entregue aos representantes do soviet de Petrogrado no início de 1917. O jornal seria vital para as informações dos soviets | A foto é de Ria Novosti

Imediatamente após as renúncias dos Romanov, os bolcheviques passam a buscar o aprofundamento da Revolução. Lênin dizia, por exemplo, que não se poderia “confiar em nada vindo de Kerenski”. Assim, foram criadas a Guarda Vermelha e a Milícia Operária, que passaram a organizar contingentes armados sob comando dos soviets para diminuir o risco do que se tornava cada vez mais ameaçador: a contra-revolução. Em carta a Alexandra Kollontai (revolucionária russa), em 17 de março, Volodja (apelido pessoal de Lênin) afirmava: “Acho que o principal agora é não envolver-se em tentativas bobas de “união” com os social-patriotas ou, o que é mais perigoso, com os vacilantes do tipo de Trotski e companhia”. A história mostraria que as desconfianças entre os diversos grupos durante a revolução talvez fossem demasiado maiores do que as diferenças entre seus ideais.

Para além das fronteiras do antigo império Romanov, a Revolução reverberava de forma intensa. Os socialistas europeus, radicados em inúmeros países, passaram a organizarem-se para prover os líderes bolcheviques que estavam no exílio de condições para o retorno à Rússia. Ativamente iniciam-se discussões sobre o caráter “internacional” do que estava ocorrendo na Rússia. Seria o início da “revolução mundial” preconizada por Marx?

Lênin (de chapéu e guarda-chuva) em março de 1917 em Estocolmo, sendo ajudado por socialistas europeus para retornar para a Rússia | Foto é do Lenin Internet Archive.

Se no coração dos grupos marxistas pela Europa o sentimento era de excitação, dentro dos governos situação era completamente oposta. Apesar de serem aliados de guerra, França e Inglaterra eram contrárias à revolução. Num primeiro momento o argumento não era outro senão o fato de que a Rússia reduziria seus esforços de guerra e possivelmente até faria uma “paz em separado com a Alemanha”. Este cenário era desastroso para o ocidente europeu que – ainda sem a entrada dos Estados Unidos na guerra – não via condições claras de vencer a Alemanha. Dentro do governo alemão o pensamento era diferente. A revolução provocou na Alemanha um medo de que os russos fariam uma “guerra à faca” a partir de então. Os alemães tinham consciência de sua superioridade material, mas também tinham consciência do potencial populacional russo. E se os russos voltassem à carga com ânimos revolucionários? Até junho de 1917, os alemães aumentaram o número de divisões em seu front oriental, precavendo-se de uma possível fúria revolucionária.

Se para os aliados da Rússia o retorno de Lênin, Martov e outros revolucionários era um perigo, para os alemães era visto como benéfico. Especialmente a volta de Lênin, cuja postura incluía uma inarredável vontade de sair da guerra. Enfim, existia a possibilidade de a Alemanha conseguir deixar de lutar em duas frentes e então poderia se dedicar somente ao front ocidental.

Dentro da Rússia, Pavel Miliukov era colocado como “ministro dos negócios exteriores” e, enquanto a posição interna era titubeante sobre a saída ou não da guerra, a postura do “governo provisório” mantinha-se totalmente comprometida com o conflito. Miliukov fazia chegar aos chefes ingleses e franceses mensagens reafirmando o compromisso de não fazer “paz em separado” com a Alemanha e também de “recrudescer” as ofensivas no front russo até a “vitória”. Os soldados que voltavam do front, entretanto, tinham posições bem diferentes e, ainda que existissem importantes contingentes civis e militares favoráveis à manutenção da Rússia na guerra, conforme voltavam os homens “com a guerra estampada nos rostos”, os “belicistas” e “defensistas” tinham seus discursos desacreditados.

Pavel Miliukov, o ministro dos “negócios exteriores” do governo provisório. | Foto de domínio público

Vendo-se numa posição em que a guerra cobrava um preço muito alto, mas a saída da guerra não era consenso político na Rússia, os Soviets debruçaram-se sobre Marx e em 14 (27) de março lançam o “Apelo aos povos do mundo”:

Camaradas proletários e trabalhadores de todos os países

(…) A democracia russa transformou em pó os longos anos de despotismo do czar e entrou na família das nações como uma igual e uma poderosa força na luta da liberação de todos. Longa vida para a solidariedade internacional do proletariado e sua luta até a vitória final! O Povo russo tem agora total liberdade política. Apelando para toda a população que está sendo destruída e arruinada por esta monstruosa guerra, nós anunciamos que se iniciou o tempo da luta decisiva contra as ambições dos governos de todos os países; é chegado o tempo para o povo tomar em suas mãos as decisões sobre a guerra e a paz. (…) Recusando-se a servir como instrumento de conquista e violência nas mãos de reis, donos de terras e banqueiros – e por isto mesmo unindo nossos esforços, nós vamos parar este horrível morticínio que desgraça a humanidade e turva os grandiosos dias do nascimento da liberdade na Rússia.

Trabalhadores de todos os países, nós estendemos a vocês a mão da irmandade por cima das montanhas de corpos de nossos irmãos mortos, por entre os rios de sangue e lágrimas de inocentes, por sobre as ruínas esfumaçadas de cidades e vilas, e acima dos destroços de nossa civilização – nós apelamos a vocês pelo reestabelecimento e fortalecimento da união internacional. Um pedido pelas vitórias futuras e completa liberação da humanidade.

Proletários do mundo, uni-vos!”1

1 Fonte: Jornal Izvestiia, n 15 de 28 de março de 1917.

.oOo.

Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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