Revolução Russa -- 100 anos
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25 de março de 2017
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14:31

IV — Tudo muda num piscar de olhos

Por
Sul 21
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Por Fernando Horta

Soldados comemorando o levante de fevereiro em Petrogrado | Pushkin House

A verdade é que o levante de fevereiro de 1917 pegou todos dentro do império dos Romanov de surpresa. Muito da literatura produzida sobre o período da revolução enfatiza o trabalho do partido operário em suas diversas vertentes, dando-se aí maior ênfase ao trabalho de Lênin. Contudo, quando irrompem as revoltas de fevereiro, Lênin estava na Suíça, fora, portanto, do palco de batalha. O revolucionário russo, em carta a Inessa Armand (uma ativista francesa com quem teve um prolongado romance) em 15 (28) de março de 1917, escrevia: “Estou fora de mim por não poder ir à Escandinávia. Não posso perdoar-me por não ter-me arriscado a viajar em 1915”.

Assim como os partidários de Lênin foram pegos desavisados pelos levantes de fevereiro, também o foi Alexander Kerenski, então um dos proeminentes políticos do grupo Menchevique que formaria com os KADETS (partido da burguesia) o governo provisório. Apesar destes terem sido mais bem-sucedidos ao cooptar a agitação revolucionária, lideranças mais moderadas também foram obrigadas a compor politicamente com o interesse dos revoltosos, já organizados em comitês (os soviets). O povo armado ditava ordens e fazia com que os políticos assinassem. Kerenski, mais tarde, disse: “daria dez anos da minha vida para que a Ordem Número 1 não tivesse sido assinada”.

O fato de os levantes de fevereiro não terem sido antecipados pode ser percebido também pela postura dos generais russos. Os militares eram encarregados tanto da defesa e segurança do czar quanto da manutenção das tropas no front de guerra. O número de telegramas trocados entre eles, informando sobre a destruição completa das cadeias de comando, é muito grande. Mesmo as tropas enviadas para as capitais, supostamente para conter as revoltas e recolocar a “ordem no exército”, acabavam confraternizando com os rebeldes. O general Sergey Khabalov, por exemplo, escreve no dia 27 de fevereiro (12 de março) para o general Alexeiev (comandante em chefe do exército) afirmando que “a maioria das tropas traíram a sua missão, recusando-se a lutar contra os revoltosos”. Tendo, assim, que decidir qual das duas funções priorizar (a defesa do czar ou a guerra), os generais deixaram claro a Nicolau que sua renúncia era necessária como forma de retomar o controle sobre o exército.

O poder de fato encontrava-se nas mãos das multidões armadas e dispostas a mudar o país.

Mikhail Rodzianko, então chefe da Duma (parlamento), no mesmo dia informa ao czar que a mudança de governo é “imperiosa” e “inevitável” para evitar-se um caos ainda maior. As ordens do czar de enviar tropas para “fazer cessar todo o caos nas cidades” só tornaram a situação ainda mais explosiva. Pressionado por seus generais, o imperador renuncia em 2 de março (15), em favor de seu irmão, já que seu herdeiro estava mortalmente enfermo. Foi avisado ao já não mais czar que buscasse asilo na Inglaterra e que para isto teria o apoio do governo provisório. O problema é que o governo provisório não detinha o poder de fato e, em 9 (22) de março, é lançada ordem expressando “inabalável determinação do Comitê Executivo de impedir a ida de Nicolau para a Inglaterra e prendê-lo”. Rodzianko então envia telegrama ao czar, que estava em viagem pelo país na tentativa de chegar à Europa, dizendo: “É muito tarde”.

Primeira reunião do soviete de Petrogrado

O príncipe Mikhail Vladimirovich, tendo recebido a renúncia do irmão, imediatamente faz o mesmo e pede eleições para um novo governo. A monarquia mais antiga da história da Europa terminava com uma dupla renúncia. As massas, armadas a partir do levante de fevereiro, inspiravam tamanho temor nas elites, que o governo do país parecia um fardo demasiado pesado e perigoso.

O jogo político, entretanto, acabou por absorver as lideranças que haviam sido votadas pelos diversos comitês revolucionários para comporem o “governo provisório”. Políticos mais experientes como Pavel Miliukov, Alexander Kerenski e o próprio Mikhail Rodzianko vão fazendo um lento mas constante movimento para conduzir os representantes escolhidos pelos soviets (na sua maioria soldados ou trabalhadores sem nenhuma experiência política) para o entendimento de que a “revolução” já havia ocorrido e fora um sucesso, afinal a autocracia monárquica havia sido vencida. Agora era tempo de voltar ao trabalho. Era tempo de “Paz, pão e Terra”.

Reunião do governo provisório

No espaço de menos de 20 dias entre a irrupção da revolta de fevereiro e a dupla renúncia dos Romanov, as relações de poder se alteravam de forma dramática no país, ainda que nenhum dos agentes envolvidos soubesse exatamente como conduzir este processo ou qual seria o resultado dele. O momento dos levantes tomou todos, bolcheviques, mencheviques, militares, políticos da duma e até mesmo os próprios revoltosos de surpresa. Enquanto os bolcheviques não tiveram ação nos resultados, a expertise política dos mencheviques e dos membros da Duma (em especial do partido KADET) acabou fazendo a diferença na construção do chamado “governo provisório”. O quanto este governo tinha efetivamente de poder e legitimidade é um ponto controverso para os historiadores. É fato, entretanto, que o governo provisório jamais foi consenso no país e que o período entre fevereiro e outubro seria de extrema incerteza política.

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Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


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