Revolução Russa -- 100 anos
|
23 de março de 2017
|
17:22

III – Os Romanov

Por
Sul 21
[email protected]

Por Fernando Horta

A família Romanov completa | TVC / Rússia

A família real dos Romanov governou a Rússia (e outras áreas na Ásia e Europa) desde 1762 até 1917. Apesar de ser a família real cujo reinado foi o mais extenso da história da Europa, não se pode dizer que os Romanov tiveram uma existência tranquila em solo russo. Especialmente nos séculos XIX e XX, apenas o pai de Nicolau II (o último czar), Alexander III morreu de forma natural, aos 49 anos. Alexander I (1801-1825), Nicolau I (1825-1855), Alexander II (1855-1881) e o próprio Nicolau II (1894-1917) foram assassinados ou morreram em situação “misteriosa”.

Sob o ponto de vista político e econômico também é bastante diverso o legado dos Romanov. Enquanto Alexander II implementou diversas reformas políticas liberais (como a criação de conselhos rurais e urbanos através de eleições), seu filho e sucessor (Alexander III) foi um defensor do absolutismo por “origem divina”. Alguns historiadores atribuem esta falta de linearidade na condução das políticas a dois fatores: por um lado o tamanho do império Romanov, que abarcava uma diversidade étnica e cultural imensa. Neste sentido, a parte europeia do império estava aberta às influências e discussões que já eram presentes no ocidente, como o liberalismo político e a industrialização, mas a área asiática do império vivia sob pressão da falta de desenvolvimento e do conservadorismo feudal. Por outro lado, os historiadores costumam apontar para a influência conservadora da Igreja Ortodoxa. Na luta para manter-se hegemônica frente a diversas outras religiões (como o budismo, o islamismo, o catolicismo e o judaísmo), os ortodoxos adotaram, muitas vezes, posturas duras contra tudo o que lhes parecessem permitir mais espaço social a outras religiões. A ênfase na supremacia russa frente a outras etnias e da Igreja ortodoxa frente às outras jogavam os czares numa posição quase sempre conservadora e elitista.

Nicolau II e as filhas já na prisão no final de agosto de 1917 | Rosimperija

Nicolau II assume o trono com 24 anos, após a morte de seu pai em 1894. É descrito como um czar “entediado” quando se tratava de questões políticas. A verdade é que Nicolau havia sido influenciado por conservadores que haviam lhe ensinado ser o direito de governar divino e, já em 1894, as agitações sociais e políticas por todo o império eram visíveis. Nicolau II claramente fora criado para um império Romanov que simplesmente não existia mais no final do século XIX. O casamento dele com uma princesa de origem germânica, neta da Rainha Victória da Inglaterra, não ajudou a imagem do czar. Alice de Hesse e Reno foi rebatizada Alexandra Feodorovna e casou-se com Nicolau II em 1894, após a morte do pai do novo czar. Muito mais interessada e capaz para assuntos políticos, a czarina rapidamente ocupou o espaço de principal conselheira política do marido e, em vários momentos, chegando a ter a última palavra.

Do casamento com Nicolau II surgiram quatro primeiras filhas: Olga, Tatiana, Maria e Anastácia. A falta de um herdeiro homem e a clara inabilidade política do czar fizeram alguns liberais russos, ansiosos por mudança, acreditarem que o absolutismo dos Romanov iria simplesmente se esfumaçar. Sem um herdeiro homem, parecia evidente que o reinado de Nicolau II seria o último. Em julho de 1904 nasce Alexei Nikolaevich, o tão esperado herdeiro dos Romanov. Ainda como bebê de colo, entretanto, Alexis (seu apelido) já demonstrava sofrer de hemofilia. A doença do herdeiro serviu para fragilizar ainda mais o czar e permitir, por exemplo, a ingerência de figuras caricatas na política russa, como o “monge” Rasputin. Tendo salvado a vida de pequeno Alexis algumas vezes, Rasputin acabou obtendo espaço privilegiado entre os Romanov, sempre defendido por Alexandra. Toda esta situação em nada colaborava para fortalecer a posição do czar frente ao seu exército ou frente à população.

Ao centro, Grigori Rasputin | Andrey Nenarokov

Apesar de pouco interessado na política, Nicolau II manteve o endurecimento político iniciado por seu pai e somente admitindo mudanças no absolutismo russo em função de estar em posição enfraquecida após a derrota russa para o Japão na guerra de 1904-1905 acompanhada dos grandes levantes e desordens do chamado “Ensaio Geral” de 1905. Após perder o apoio de seus generais e das tropas militares em fevereiro de 1917, o czar enviaria um telegrama a sua esposa, em (02) 15 de março, dizendo que “há traição, covardia e falsidade por toda a parte”. Antes de assinar a renúncia de sua coroa, exigida pela Duma, Nicolau consultou seus médicos familiares que asseguraram que Alexis não sobreviveria mais do que um ou dois anos. Nicolau então renúncia em nome de seu irmão, príncipe Mikhail Vladimirovitch.

Nicolau II, suas filhas, esposa e o filho Alexis foram mortos em 17 de julho de 1918 no porão de uma residência em Ecaterimburgo pelos Bolcheviques. A decisão para o assassinato de toda a família lembrava as discussões durante a Revolução Francesa em que Robespierre perguntava aos revolucionários qual a função de um rei em uma República. A resposta dada por todas as revoluções desde então têm sido a mesma. Os restos mortais da família foram escondidos para evitar peregrinações de grupos contrarrevolucionários. Apenas em 2015 os restos foram encontrados e, através da comparação do DNA de seu pai, Alexander III, pode se comprovar não só que eram realmente dos Romanov como também colocar um fim na história da possível sobrevivência da princesa Anastasia. Os Romanov foram todos mortos junto com o mundo que deixou de existir em 1917.

.oOo.

Fernando Horta é professor, historiador, doutorando na UnB.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora