Opinião
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5 de junho de 2024
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09:05

Reconstrução socioambiental no Rio Grande do Sul (por Eduardo Ruppenthal e Paulo Brack)

Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Eduardo Ruppenthal e Paulo Brack (*)

Ainda em meio à catástrofe socioambiental e climática que ocorre no Rio Grande do Sul, há necessidade de aprofundarmos apontamentos, reflexões e soluções para enfrentarmos o quadro histórico que vivemos neste período no planeta Terra, a era das Mudanças Climáticas. Não há mais retorno, ao que era e infelizmente “as coisas não vão melhorar” neste contexto, pelo contrário, vivemos um novo “normal” e os eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes e mais intensos.

Em 2023, após a grande enchente de setembro, foi expresso em forma de artigo uma síntese da relação entre a agenda antiambiental do governo Leite/Gabrielzinho e as enchentes no RS,  e em seguida uma contribuição técnico-científica com foco na Bacia Hidrográfica do Rio Taquari. Ocorreram, no ano de 2023, vários eventos climáticos extremos. Somente no Vale do Taquari foram 6 enchentes, sendo que duas grandes, em setembro e novembro, outros eventos extremos como ondas de calor e 9 ciclones extratropicais afetando diversas regiões do estado, com destaque para chuvas torrenciais em junho de 2023 no Litoral Norte, com efeitos catastróficos para Caraá e Maquiné.

Assim, não se trata mais se vai ou não acontecer, é quando e quais as proporções dos próximos eventos climáticos extremos.  Portanto, ações precisam ser tomadas. Vale ressaltar contribuições recentes, e do importante Movimento Pró-Matas Ciliares do Vale do Taquari , neste contexto, vimos contribuir aqui com dez propostas de ações para a reconstrução socioambiental do Rio Grande do Sul, no cenário das Mudanças Climáticas e dos eventos climáticos extremos, para os próximos que provavelmente virão:

  1. Cancelamento e revisão de todos os retrocessos das leis ambientais que afetam a vegetação e os demais seres vivos da biodiversidade das bacias hidrográficas. Respeito e aplicação da Legislação Ambiental: estadual e federal. Revisão dos Planos Diretores em todos os municípios atingidos conforme os novos parâmetros climáticos e cotas de inundação;

  2. Revitalização das bacias hidrográficas do Rio Grande do Sul, com preservação das Áreas de Preservação Permanente (APP): nascentes, mata ciliares, banhados, várzeas, bacias de inundação e topos de morros. Reflorestamento das matas ciliares com espécies nativas características dessas áreas ripárias e respeito aos parâmetros da Legislação Ambiental;

  3. Planejamento do uso e ocupação do solo, especialmente às áreas de maior risco, sujeitas a deslizamentos, inundações, erosão, etc, delimitando-se as APPs, com participação efetiva e direta das nossas universidades gaúchas e instituições de pesquisa, públicas e privadas, que possuem conhecimento profundo e acumulado, expertise, com pesquisadores renomados, reconhecidos nacional e internacionalmente. É inadmissível a não participação da Ciência Gaúcha. É mais um capítulo do negacionismo científico, ambiental e climático. É momento de recriação da Fundação Zoobotânica (FZB), fundação extinta, fundamental para a sociobiodiversidade do território do Rio Grande do Sul, a curto, médio e longo prazos. E criação do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), unidade Rio Grande do Sul. Criação de um sistema de prevenção, monitoramento e alertas, para a cultura da precaução, com a Educação Ambiental em todos os cursos superiores das instituições de ensino superior e Educação Básica (Ensino Fundamental, Médio, Técnico), da cultura da resiliência e da emergência climática. Consulta às comunidades mais atingidas e mais vulneráveis a fim de que participam de seu planejamento e futuro, fortalecendo também as lutas coletivas pelos direitos e futuro digno, sem racismos socioambientais que historicamente são submetidos essas populações;

  4. Criação de Frentes de Trabalho, com a criação de viveiros de plantas nativas e plantio massivo gerando milhares de empregos custeados pelo Plano e Fundo de reconstrução do Plano Rio Grande;

  5. Desencadeamento de um processo de Reforma urbana: ocupação dos imóveis vazios na capital e nas cidades maiores atingidas do Rio Grande do Sul, enquanto que nas cidades menores, a elaboração, com base nas demandas da sociedade, de uma política habitacional que vise a construção de novas moradias em áreas não inundáveis, baseadas em mutirão, cooperativa de trabalhadores atingidos pelas enchentes, pagos pelo Fundo de reconstrução, em sustentabilidade ambiental, casas com cisternas, placas solares, para aquecimento de água e fotovoltaicas, na perspectiva da autonomia hídrica e energética.  Não à reconstrução nas áreas de risco, maioria delas em APP, que precisam ser preservadas;

  6. Reforma Agrária: ocupação de terras férteis não inundáveis para os milhares de assentados  e agricultores familiares atingidos. Recuperação do solo com conjunto de práticas integradas da Agroecologia, para fins de produção de alimentos saudáveis para a população gaúcha pela Agricultura Familiar;

  7. Demarcação de todas as Terras Indígenas no RS e garantia de atendimentos básicos aos povos indígenas. Demarcação de todas as Áreas Quilombolas no RS e garantia de atendimentos básicos aos seus moradores;

  8. Fortalecimento das Unidades de Conservação (UC) nos dois biomas Pampa e Mata Atlântica e criação de novas UC conforme os acordos internacionais assinados pelo Brasil de no mínimo 10% de cada bioma;

  9. Implantação de áreas de exclusão de barramentos, ou Rios Livres de Barragens, mantendo trechos livres de represas nas bacias hidrográficas do RS, em proteção da biodiversidade contra a extinção de espécies ameaçadas. As atuais barragens, além de trazerem enormes impactos socioambientais, mudam a dinâmica dos rios e das bacias hidrográficas, são ameaças permanentes, estruturas não seguras, já que foram construídas e planejadas em regime hídrico reconhecidamente desatualizado, que não atende às Mudanças Climáticas;

  10. Fortalecimento da Agricultura Familiar e da Agroecologia. Proibição do plantio da monocultura da soja ou de outros tipos nos Campos de Cima da Serra (os Campos de Altitude , acima de 700 m de altitude, são protegidos pela Lei da Mata Atlântica, a Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006) e regiões limítrofes das bacias hidrográficas, com fomento a manutenção de campos nativos de pastagem, e incentivo à pecuária familiar. Acabar com a flexibilização da legislação, e de forma urgente como o Projeto de Lei (PL nº 364/19) de autoria do ruralista Alceu Moreira (MDB-RS) e relatado pelo também ruralista Lucas Redecker (PSDB-RS).

(*) Eduardo Luís Ruppenthal é Biólogo, professor da rede pública estadual, especialista em Meio Ambiente e Biodiversidade (UERGS), mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR-UFRGS).  Paulo Brack é Biólogo, Dr., professor titular do Departamento de Botânica Instituto de Biociências da UFRGS

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