Opinião
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24 de maio de 2024
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20:22

Carta aberta do Movimento Pró-Matas Ciliares do Vale do Taquari

Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Movimento Pró-Matas Ciliares do Vale do Taquari (*)

O Movimento Pró-Matas Ciliares do Vale do Taquari é um grupo formado por pessoas dos mais  variados segmentos da sociedade. Trata-se de grupo independente e suprapartidário, constituído,  principalmente, por profissionais técnicos da área ambiental, ambientalistas, simpatizantes da causa  ambiental e pessoas preocupadas com a atual situação em que nos encontramos. Somos de diferentes  municípios e regiões do Estado e País. Muitos de nós trabalham na área ambiental há vários anos e,  neste momento, estamos nos estruturando para auxiliar na recuperação das margens de nossos rios e  encostas. Acreditamos que a recuperação destas áreas é uma das medidas mais importantes e urgentes  para uma recuperação duradoura do Vale e que este assunto deve ser pautado quando falamos em  restaurar nossa região. 

Divulgação

 Nosso Movimento surge como uma estratégia para a construção de ações que estejam focadas na  recuperação do Vale do Taquari e que considerem aspectos ambientais, além do social e do  econômico. Não existe recuperação sem considerarmos o ambiente, sempre tão ignorado e  desrespeitado e que agora nos cobra uma conta sem precedentes. Precisamos entender que o ocorrido,  em três ocasiões desde setembro de 2023, é resultado das alterações climáticas (em nível global)  provocadas pela ação do homem, aliadas ao mau uso e ocupação do solo, em pleno desrespeito às  Áreas de Preservação Permanente (APP’s), bem como do desmatamento desenfreado, ocupação de  encostas, drenagem de áreas úmidas, impermeabilização do solo tanto em áreas urbanas quanto em  áreas rurais, uso de combustíveis fósseis, falta de planejamento urbano e rural, dentre outros fatores.  Isso tudo está aliado à ausência de ações que visem a redução da emissão dos gases causadores do  aquecimento global e de outras medidas que minimizem os impactos ambientais gerados há anos pela  ação antrópica. É o caso da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Rio Grande do Sul acompanhado da não implementação do Programa de Recuperação Ambiental (PRA), e de não terem  sido tomadas medidas suficientes diante dos alertas previamente dados, dentre tantas outras situações. 

Além disso, é essencial a compreensão de que a mata ciliar atua como uma “esponja”, retendo a água  da chuva no solo, como uma barreira natural, que o protege contra o impacto direto da água. Assim,  ela reduz a quantidade de água que escoa para os centros urbanos, bem como sua velocidade. Ela  também age como sustentação, fortalecendo a estrutura dos taludes de cursos hídricos e encostas,  através das raízes da vegetação, que seguram o solo. Dessa forma, reduz significativamente o desgaste  do solo em margens de rios e arroios e nos terrenos com declividade, além de formar corredores  ecológicos que facilitam a circulação da fauna silvestre e promovem a dispersão de sementes, funcionando como fonte de diversidade biótica e abiótica, propiciando o fluxo gênico entre  populações. 

Desta forma, listamos abaixo ações imprescindíveis, em nível estadual e federal, abrangendo a Bacia  Hidrográfica do rio Taquari-Antas e outras: 

– Elaborar e executar um plano de resposta aos desastres, principalmente dos movimentos de massa  e inundações, em nível de Bacia, devendo conter, no mínimo, o mapeamento das áreas de risco e  ações para evitar a sua ocupação, inclusive de fiscalização; 

– Elaborar e implantar um programa de recuperação das APP’s em margens de rios e arroios, incluindo  as áreas de risco de movimento de massa em todas as Bacias; 

– Proibição imediata da reconstrução de casas e edificações nas áreas atingidas pelas águas,  promovendo a realocação e a reconstrução em áreas seguras, acompanhado da implantação de  medidas que visem a restauração da cobertura vegetal; 

– Exame e implementação imediata da análise do CAR e do PRA em nível estadual, previstos na  legislação de proteção à vegetação nativa; 

– Ampliação das faixas de APP’s nas margens de rios, respeitando os limites atingidos pelas águas na  inundação de maio de 2024 (cotas de inundação) com o restabelecimento da cobertura vegetal,  utilizando espécies nativas, o que inclui a implantação de sistemas agroflorestais nas porções mais  distantes da margem e fora da margem de APP; 

– Revogação da Lei nº 16.111 de 09/04/2024 que alterou a Lei nº 15434/2020 (Código Estadual do  Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul) e permitiu a execução de determinadas ações em  margens de rios (projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em março  de 2024); 

– Implantação de sistemas de produção, utilizando a agricultura regenerativa agroecológica, com  produção de diversidade alimentar e saudabilidade, conciliando com a conservação em sistemas  agroflorestais; 

– Incentivar o uso de outras tecnologias de geração de energia elétrica, como a solar, a eólica, o uso  de biodigestores na suinocultura, bovinocultura e em aterros de usinas de reciclagem, reduzindo a  dependência das usinas hidrelétricas. 

Destaca-se ainda ser imprescindível que as áreas ocupadas em encostas e margens de rios, atingidas  pela catástrofe sejam desocupadas. É preciso considerar que o leito original do rio é maior do que ele  normalmente ocupa e que, por este motivo, ele pode voltar a ocupar esse espaço, como foi o caso das  três grandes inundações de 2023-2024.  

Já em nível local, envolvendo os municípios, julgamos necessárias ações que visem o  (re)planejamento urbano e rural: 

– Exigir que a restauração das matas ciliares ocorra em uma ampla faixa nas duas margens dos rios e  arroios, associando medidas de engenharia natural nas margens, visando a plena recuperação destas.  E que a restauração seja realizada com espécies nativas da região, características de margens de rios; 

– Criar mecanismos para reduzir as áreas impermeáveis, essencialmente as que se encontram em  pontos críticos de concentração de águas pluviais. Essa impermeabilização é consequência da  mecanização agrícola, da ampliação de áreas urbanas, de calçamentos, canalização de córregos e drenagem de açudes, dentre outros. Para tanto, deve-se buscar alternativas para reduzir a  impermeabilização do solo, com técnicas que evitem a compactação do solo na agricultura e sistemas  que propiciem a infiltração da água nas cidades; 

– Mapear os pontos onde o asfalto foi destruído e de locais para nova pavimentação de forma a  permitir uma drenagem minimamente eficiente, favorecendo a absorção da água pelo solo, pelo  menos nos pontos em que há cursos d’água que mal comportam uma precipitação mais intensa; 

– Realizar planejamento visando a eliminação da canalização/tubulação de cursos hídricos,  principalmente nas áreas urbanas. Os cursos hídricos canalizados e/ou tubulados devem ser  priorizados para a revitalização/renaturalização/restauração; 

– Realização de investimentos em parques urbanos com florestas contendo estruturas permeáveis para  absorver a água da chuva. E, que os projetos que visem a sua implantação sejam acompanhados por  técnicos locais com conhecimento sobre a diversidade vegetal regional; 

– Criar programas e incentivos para fomentar construções sustentáveis que garantam a retenção de  parte de água da chuva incidente no lote, implantação de cisternas com desconto no IPTU para a  edificação que implantar, por exemplo; 

– Modernizar a construção de estradas e calçadas com materiais permeáveis, visando a redução do  escoamento superficial. Pode-se inclusive instalar bacias de retenção de água nas margens de estradas  de terra nas áreas rurais; 

– Armazenar restos de materiais da construção civil, árvores que foram derrubadas, vegetação e  madeiras em geral para utilização em técnicas de engenharia natural (bioengenharia) para  estabilização das margens dos rios e encostas. E ainda, que o material verde seja triturado para uso  como adubo orgânico. 

Por fim, destacamos a necessidade da implantação de programas de Educação Ambiental, por parte  de todos os setores da comunidade (governos federais, estaduais e municipais; escolas e meios de  comunicação), conforme prevê a Política Nacional de Educação Ambiental.  

Ressalta-se que as medidas sugeridas acima, em sua maioria, são ações amplamente utilizadas em  todo o globo, cuja eficácia na proteção de rios e encostas já se mostrou seguramente satisfatória. Além  disso, estas orientações foram elaboradas em conjunto, por integrantes do grupo que possuem o  conhecimento e a experiência necessários para tal. 

O grupo MOVIMENTO PRÓ-MATAS CILIARES DO VALE DO TAQUARI se solidariza com todos  os atingidos e se coloca à disposição para contribuir na recuperação da Região.  

Para tanto, disponibilizamos alguns contatos: 

Instagram: @movimento_promatas 

(*) Contato de alguns integrantes do grupo: 51 997534093 (Elisete); 54 999147219 (Karina); 51 991305093 (Cleberton); 51 997483664 (Luana); 51 992303527 (Jeferson); 51 996500796 (Luciana);  51 981304732 (Camila); (51 989136542) Patrícia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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