Opinião
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8 de abril de 2024
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09:25

Crescimento vegetativo negativo em Porto Alegre (por Róber Iturriet Avila)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Róber Iturriet Avila (*)

No ano de 2022, nasceram 17.376 pessoas e morreram 20.205 em Porto Alegre. A única capital brasileira que teve um crescimento vegetativo negativo. Das maiores cidades do estado, o mesmo fenômeno ocorreu na cidade de Rio Grande. Pondere-se que no início de 2022 as mortes por covid ainda eram elevadas. Apesar de ser uma marca impactante, ela não é surpreendente.  O censo de 2022 apontou uma queda de 76.781 habitantes na cidade em comparação a 2010: -5,4%. O Rio Grande do Sul tem o maior índice de envelhecimento do Brasil. 

No Rio de Janeiro a situação é semelhante, o número de nascimentos e mortes é próximo, embora positivo.  Na região metropolitana, a cidade de São Gonçalo também teve um crescimento vegetativo negativo. Já no estado como um todo, a taxa de envelhecimento populacional é a segunda mais elevada e o número de óbitos e nascimentos se aproximam.

Ainda em 2014, estudos da Fundação de Economia e Estatística já previam que a população gaúcha estabilizar-se-ia em 2025 e depois passaria a cair. A capital está à frente neste processo.  A mesma instituição apontava também um esgotamento da Região Metropolitana na atração migratória. Embora haja quem suspeite que a emigração explique a maior parte deste fenômeno, já que essa é relativamente expressiva, a redução no número de filhos por mulher, em queda no país inteiro há muitas décadas, parece explicar mais esse quadro. O ano em que mais nasceu gente no Brasil foi por volta de 1982. Menos filhos, menos jovens, em décadas, desencadeia em menos pessoas. Essa é a nova fase demográfica vivida em Porto Alegre e também no Rio Grande do Sul, antecipando o que ocorrerá no resto do Brasil. Os dados do Censo foram surpreendentes em termos de declínio do crescimento demográfico e o país ruma para a estabilização populacional em poucos anos.

No Rio Grande do Sul, o número de alunos no ensino básico vem em queda desde 2004. Não é causada principalmente pela evasão escolar, como apontam algumas interpretações apressadas: é menos gente mesmo.

Frente a esse cenário, logo aparecem vozes preocupadas com o declínio demográfico e apontando a necessidade de políticas natalícias para sustentar o crescimento econômico e o volume de mão de obra.

Escassez de mão de obra não parece ser um problema à frente. Estamos às portas de uma impressionante automação de diversos trabalhos. Casas residenciais já são produzidas em cinco dias com impressoras 3D. Na China há fábricas que produzem carros em 76 segundos. A inteligência artificial é, sem dúvidas, desempregadora. Além disso, mesmo diante de uma eventual escassez de mão de obra, a imigração é sempre uma opção em um mundo que sobra força de trabalho. Na verdade, essa é uma oportunidade de redução do desemprego, mesmo com taxas de crescimento econômico mais modestas.

Os defensores de políticas natalícias não levam em conta também a questão ambiental. Quanto maior é a população, há mais esgoto, trânsito, plástico nos rios, congestionamento, gás carbônico na atmosfera, lixo, pobreza e mais problemas sociais.

Com menos alunos nas escolas públicas, é possível aumentar o investimento por aluno com os mesmos recursos despendidos, ou seja, podemos aproveitar o novo perfil demográfico para potencialmente melhorar o ensino público.

Essas transformações não triviais impactarão também a demanda pelo sistema de saúde público. O envelhecimento pressionará cada vez mais o enorme complexo de saúde de Porto Alegre, capaz de desenvolver-se, caso haja apoio governamental.

O declínio demográfico por certo traz desafios para o mercado de trabalho, para o mercado imobiliário, mas pode trazer também soluções de mobilidade e melhoria de políticas públicas. Após muitas décadas de crescimento metropolitano, que trouxe junto violência, pauperização, conurbação e poluição, inicia-se a fase inversa. Muitos pensadores veem isso como um sintoma de decadência, mas recorde-se que grande parte dos países ricos passam por este exato processo. Após décadas de ampliação de vagas no ensino, já assistimos a fechamentos de escolas, não por descaso, e sim por falta de demanda.  Cabe aos gestores repensarem a educação e a saúde públicas frente a esse novo cenário, já as políticas natalícias em um mundo com expressivo volume de desempregados não parece um bom caminho. São novos desafios que seguramente exigirão mais atenção do poder público.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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