Opinião
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3 de abril de 2024
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08:30

A guerra neoliberal contra a sociedade (por Gerson Almeida)

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Gerson Almeida (*)                                                                                                   

Embora os fatos insistam em mostrar o contrário, o discurso neoliberal continua sendo estruturado pela ideia de que a iniciativa privada é a fonte da criatividade e da fortuna; enquanto o Estado é o caldo de cultura no qual há apenas obstáculos ao desenvolvimento e más condutas. Neste diapasão, qualquer ação de governos legitimamente eleitos para regular a ação dos mercados e proteger a sociedade, é sempre condenada como interferência nefasta ao seu bom funcionamento. É um discurso que serve para amalgamar a luta tenaz das elites econômicas para ganhar as consciências e moldar a sociedade de forma a melhor atender os interesses dos muito ricos. 

A voracidade na expropriação de riqueza da sociedade para as mãos de poucos é retratada no relatório da Oxfam, de 2023: o 1% mais rico do mundo ficou com quase 2/3 de toda riqueza gerada desde 2020 – cerca de US$ 42 trilhões. Isso significa que o 1% concentrou seis vezes mais dinheiro que 90% da população global (7 bilhões de pessoas), no mesmo período. Apenas na última década, esse mesmo 1% abocanhou a metade. Sim, a metade de toda riqueza criada no mundo. A fratura social é de tal monta que os cinco maiores bilionários do mundo dobraram a sua riqueza em apenas três anos (de 2020 a 2023), enquanto 60% da população mundial – cerca de 5 bilhões de pessoas – diminuíram seus ganhos neste período. Essa realidade não deixa dúvidas de que o neoliberalismo deve ser compreendido como uma arma de guerra dos muito ricos (1%) contra a sociedade. 

A desconexão entre a promessa do discurso neoliberal e a realidade, é sustentada, em grande parte, pelo controle dos veículos tradicionais de comunicação e das principais plataformas de redes sociais pelos mesmos que concentram a renda no mundo, os 1%, o que interdita a possibilidade de um verdadeiro e democrático debate público na sociedade. Exemplo disto foi a histeria das críticas à decisão do Conselho de Administração da Petrobrás de não pagar dividendos adicionais aos R$ 14,2 bilhões que foram regiamente pagos. 

A decisão foi tomada para permitir melhores condições para a empresa obter os financiamentos necessários para o cumprimento do seu plano estratégico, comprometido com a retomada do refino e com pesados investimentos na transição para energias renováveis, iniciativas de alta relevância para a sociedade. Não obstante, a infantaria da disseminação do discurso único não poupou munição e mirou todo o seu arsenal no coração do governo, sem qualquer inibição de tratar o acionista majoritário como se fosse um ente estranho à Petrobrás e esquecendo completamente que ela é uma empresa símbolo da luta pela soberania nacional. Foi pintado um quadro de terra arrasada, no qual cuidadosamente foi omitido ao público que a empresa defenestrada é a segunda mais rentável entre as maiores do mercado de petróleo mundial e, pasmem, que nos últimos anos estava pagando valores acima do lucro líquido em dividendos. Uma prática insustentável sob qualquer ângulo, exceto para a rapinagem sem compromisso com a empresa e contra a própria ideia de interesse nacional.   

No centro desta guerra está a necessidade do neoliberalismo e sua guarda pretoriana de (de)formadores de opinião de desacreditar a política e desfazer a base comum de compreensão das coisas na sociedade, o que impede o entendimento entre os diferentes atores sociais e torna impossível o debate democrático. Feito isso, fica aberto o caminho para a afirmação de um discurso sectário e sem compromisso com os valores que fundaram a sociedade moderna, restando apenas a imposição dos interesses dos muito ricos, seja pelo convencimento, ou pela força. A tentativa de golpe contra a eleição de Lula e o golpe dado contra Dilma, não deixam dúvida da índole autoritária neoliberal.  

A sociedade e a democracia precisam se defender e não podemos perder de vista que “todo mundo tem o direito de ter suas próprias opiniões, mas não seus próprios fatos”, como alertou o ex-senador americano Daniel Moynihan. A democracia não pode se render à gramática neoliberal e devemos sempre destacar que acionista não é sinônimo de cidadão e a iniciativa privada não pode se tornar um fim em si mesmo, ao ponto de dar às costas ao bem-estar da sociedade. Disputar palavras, conceitos e não deixar que a realidade seja fragmentada pelo reinado da opinião particular, é fazer política em favor das maiorias e evitar o caminho neoliberal de aumento da pobreza e de colapso climático. Nosso compromisso continua sendo o de agir para construir novas possibilidades de presente e de futuro.

(*) Sociólogo

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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