Opinião
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2 de janeiro de 2024
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19:04

Isenção do ITCMD: uma vitória para as Organizações da Sociedade Civil (por Mauri Cruz)

Comemoração da aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. Foto Lula Marques/Agência Brasil.
Comemoração da aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. Foto Lula Marques/Agência Brasil.

Mauri Cruz (*)

Com a promulgação da Emenda Constitucional 132 pelo Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, contando com a presença do Presidente Lula, o Brasil abre uma janela para importantes mudanças. Uma delas que impacta imediatamente a atuação das organizações da sociedade civil (OSC) é a isenção dos impostos sobre doações, uma prática equivocada que vinha sendo efetivada por estados e municípios há alguns anos.

Equivocada porque, com enorme esforço a sociedade civil conseguia mobilizar recursos financeiros através de doações de pessoas físicas e jurídicas. Recursos estes para cobrir despesas de apoio as comunidades e populações em situação de vulnerabilidade e, pasmem, estes valores eram tributados com alíquotas que variavam de 5% a 12%, dependendo do estado e do município. Felizmente, essa injustiça foi corrigida.

Aliás, não é novidade que o Sistema Tributário Nacional é uma das suas principais causas[1] das desigualdades no país. A pirâmide de quem mais paga é inversamente proporcional a pirâmide da renda. Quanto menos renda, maior o peso da carga tributária. Já as isenções de impostos beneficiam, sempre, aqueles que menos precisam dela.

A razão é lógica. Tendo por base o ano calendário de 2022, pagou imposto de renda quem recebeu acima de R$ 28.559,70, ou seja, quem recebeu uma renda bruta mensal de R$ 2.379,97. Ora, a renda média da PEA (população economicamente ativa) brasileira em 2023[2] foi de R$ 2.660,00. Conclusão: praticamente toda classe trabalhadora paga algum valor de imposto de renda.

Soma-se a esta injustiça tributária, a penalização do consumo. Todas as pessoas que consomem algum bem ou serviço, independente de seu nível de renda, pagam os mesmos valores em impostos. Essa regra impõe uma lógica de expropriação da renda das famílias mais pobres que, segundo estudos do IPEA, comprometem  26,4%[3] de sua renda mensal no pagamento de impostos.

Por outro lado, o quadro das isenções é estarrecedor. Praticamente 50% de todo imposto não pago referem-se as isenções sobre lucros e dividendos. Outros 8% representam as isenções sobre transferência de patrimônio e a heranças. E mais 2% sobre as incorporações, reservas de capitais e bonificações. Conclusão: sessenta por cento do imposto não pago fica nas mãos do setor empresarial e das elites brasileiras.

Neste contexto, a reforma tributária promulgada pelo Congresso Nacional representa um tímido, mas muito tímido avanço. Até o presente momento, a mudança incide sobre a organização da estrutura tributária. Os impostos federais (PIS e COFINS) serão extintos até 2033 e será criada a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já o ICMS Estadual e o ISS Municipal serão unificados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).  Outro fator relevante é que as alíquotas serão nacionais, ou seja, a reforma, quando efetivada, irá acabar com a chamada “guerra fiscal”.

Infelizmente, o Imposto de Renda (IR) seguiu inalterado, inclusive, sem a atualização da tabela de isenções há está congelada há mais de 10 anos. Mas é de se comemorar a redução de 04 (quatro) para 02 (dois) impostos o que, certamente, irá facilitar o sistema de controle pelos órgãos de fiscalização tributária.

Neste bojo de conquistas, importante reiterar a conquista da isenção do imposto sobre doações, o chamado ITCMD, para as organizações da sociedade civil. A reforma tributária alterou o artigo 155[4] do Sistema Tributário Nacional incluindo o inciso VII que determina que o ITCMD não incidirá sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais, beneficentes e religiosas. Uma importante vitória para o campo das OSC.

Da mesma forma, as isenções para as sociedades cooperativas foram garantidas na nova ordem tributária, mas neste caso, os benefícios ficaram para as leis complementares.

Ainda no que diz respeito ao reconhecimento da importância das OSC para políticas públicas de educação, saúde, assistência social e de defesa de diretos, infelizmente, a reforma tributária não alterou a compreensão da Lei Complementar 187 de dezembro de 2021. O certificado de entidade beneficente (CEBAS) segue limitado para algumas organizações. Uma interpretação limitada. Ideal seria o reconhecimento da imunidade tributária, assim como defende a Plataforma MROSC[5] e a Frente Parlamentar em Defesa das OSC.

Certo é que com a promulgação da Emenda Constitucional 132 abriu-se um novo momento para os embates em prol de um sistema fiscal e tributário mais justo e equitativo, com instrumentos efetivos de desoneração do consumo e de taxação real do patrimônio dos super-ricos. Mas para isso, ainda teremos muita luta.

Referências bibliográficas:

[1] MARTINS, Marcelo Maiolono. Sistema Tributário Injusto

 

[2] DE CARVALHO, Sandro Sacchett. Retrato do rendimento do trabalho – PNAD 2023.

[3] Pacto contra as desigualdades

[4] Senado Nacional

[5] CRUZ, Mauri J. V. Plataforma MROSC: uma voz ativa na defesa da sociedade civil organizada.

(*) Advogado socioambiental, professor de pós-graduação em direito à cidade e mobilidade humana. Diretor da Usideias Consultoria, membro do Conselho Diretor do CAMP Escola do Bem Viver e do Instituto de Direitos Humanos – IDhES.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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