Opinião
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15 de novembro de 2023
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14:08

Previdência complementar: a luta pela manutenção de direitos (por Sandro Rocha Peres)

Audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de SP (Foto: Divulgação)
Audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de SP (Foto: Divulgação)

Sandro Rocha Peres (*)

Além dos maus serviços prestados à população gaúcha, as empresas privadas que compraram a estatal CEEE preparam novo golpe que ataca o direito dos trabalhadores em atividade e aposentados, com repercussão na economia do Estado: a retirada de patrocínio dos planos de aposentadoria, hoje administrados pela Fundação CEEE, e sua consequente extinção.

Como a regra de definição das tarifas no Setor Elétrico é rígida, a solução para as empresas privadas aumentarem seus lucros é demitir empregados em atividade, afetando a qualidade dos serviços prestados, e acabar com os planos de aposentadoria.

Tal ação atinge quase 10 mil famílias, das quais 8.500 contam com participantes já aposentados, com uma idade média de 71 anos. Assim, quem projetou sua vida na velhice com uma aposentadoria vitalícia se vê diante da possibilidade de ter que buscar rendimentos no mercado financeiro para cobrir suas despesas, a partir do recebimento de um montante financeiro insuficiente para manter seu atual padrão de vida.

A manutenção dos planos de aposentadoria não traz impacto imediato ao caixa das empresas a ponto de prejudicarem os investimentos necessários à melhoria dos serviços prestados, conforme argumentação das mesmas. Um plano previdenciário é um projeto de longo prazo baseado na confiança de ambas as partes, trabalhadores e empresa, que constituem ao longo dos anos um fundo monetário capaz de fazer frente aos benefícios pagos no futuro. O trabalhador contribui ao longo de toda a sua vida laboral com um percentual de seu salário, para que possa ter tranquilidade na velhice. É uma conquista sua, não um presente.

O pagamento das aposentadorias não sai do caixa das empresas. Hoje o patrimônio dos planos previdenciários ameaçados supera os 5 bilhões de reais. Este patrimônio está sendo administrado por uma Fundação privada cuja administração é majoritariamente indicada pelas próprias empresas. Se há previsão de déficits a serem recuperados ao longo do tempo, não é culpa dos trabalhadores os quais cumpriram sua parte no contrato, ao fazerem suas contribuições. Entendemos que a recuperação do eventual déficit poderia ser alcançada pelo próprio retorno dos investimentos do patrimônio, se adequadamente gerenciado, o que não vem ocorrendo nos últimos anos.

Com o objetivo de juntar esforços para lutar pela manutenção do direito a uma aposentadoria digna, parte dos eletricitários criaram a Associação dos Participantes de Planos Previdenciários da Fundação CEEE – APAR-RS, entidade que representa os participantes dos planos previdenciários, com resultados vitoriosos até o presente momento. Afinal, a intenção das empresas em acabar com os planos previdenciários está suspensa por decisão judicial, resultado de liminar conseguida pela APAR-RS junto ao TRF-4 e, posteriormente, confirmada pelo STJ. Embora seja uma sentença consistente que persiste há mais de 6 meses, é uma decisão provisória. É necessário manter a mobilização e buscar alterações nos normativos que regem a previdência complementar de forma a garantir que os direitos dos participantes sejam respeitados.

De fato, a ameaça aos planos previdenciários dos empregados da CEEE não é um fato isolado. Tem sido corriqueira em todo o país após a privatização de empresas públicas. Atualmente, tramita na PREVIC, órgão de fiscalização do segmento de previdência complementar fechada, 57 pedidos de retirada de patrocínio, envolvendo 51 mil famílias e um montante financeiro de 52 bilhões de reais. Entre esses, destacam-se os casos da empresa de energia italiana ENEL, responsável pelo recente apagão em São Paulo, e do Banco Santander, cujos planos são da época do antigo Banespa.

Tal aumento no número de retiradas de patrocínio e consequente evasão de recursos dos fundos de pensão, essenciais a um projeto de desenvolvimento nacional, deve-se à estratégia implantada pelo ex-ministro Paulo Guedes de canalizar tais recursos para os bancos privados, privilegiando aplicações que não têm o perfil de investimento de longo prazo, como é o caso do patrimônio dos fundos de pensão. Para alcançar tal objetivo, foram elaboradas, no governo anterior, resoluções normativas que facilitaram a extinção dos planos e migração dos recursos.

Para frear esse movimento, o Presidente Lula, através do decreto 11.543/2023, instituiu Grupo de Trabalho para a revisão das normas do sistema fechado de previdência complementar, cuja necessidade já havia sido identificada pelo Grupo de Transição do Governo Lula.

Os trabalhos do GT continuam em andamento. Entre as entidades que defendem os participantes de fundos de pensão há o temor de que o resultado não seja o esperado e que, mais uma vez, o direito adquirido pelo participante em manter seu benefício vitalício seja flexibilizado através de uma equação financeira e transformado numa quantia financeira, fazendo com que pessoas idosas sejam submetidas a uma tarefa para a qual não estão preparadas, a de investir no mercado financeiro.

Buscando exercer a devida pressão sobre os membros do GT e sobre o Governo, entidades representativas de vários estados e segmentos têm unido esforços para que as ações sejam mais efetivas. Neste sentido, destaca-se a Audiência Pública da Comissão do Trabalho da Câmara Federal, realizada na Assembleia Legislativa de SP em 10/11/2023, sob a coordenação do deputado Vicentinho (SP), para debater o tema Retirada de Patrocínio, que teve a participação da APAR-RS.

Na oportunidade, apresentamos nosso entendimento de que as resoluções normativas emanadas pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar estão contrariando preceitos indicados nas leis que regem a previdência complementar, constituindo-se em irregularidade passível de revogação no poder judiciário. É o caso da manutenção do benefício vitalício, indicado na lei que, uma vez concedido, deva ser preservado, e que as sucessivas resoluções o transformam numa quantia monetária, através de cálculos que sequer o participante tem acesso. Entendemos que, para conciliar a intenção da empresa em retirar o patrocínio com a manutenção do benefício vitalício do participante, a solução é a empresa adquirir uma apólice de seguro de renda vitalícia coletiva que garanta o benefício a cada participante. Afinal, a lei condiciona a retirada de patrocínio à liquidação de todos os compromissos da empresa com o plano previdenciário.

(*) Presidente da Associação dos Participantes de Planos Previdenciários da Fundação CEEE (APAR-RS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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