Opinião
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10 de outubro de 2023
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11:29

Sobre Economia (ciência) que funciona e Economia que não funciona (por Hélio Afonso de Aguilar Filho)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Hélio Afonso de Aguilar Filho (*)

A luta interna pela autoridade da representação legítima do mundo e daquilo que é admitido como conhecimento é inerente a qualquer campo científico, inclusive as controvérsias possíveis. 

Na Economia, a crença em certas condições tácitas e universalmente evidentes da prática científica chega a deslegitimar toda divisão na profissão. Para certos economistas (convencionais) identificados com a elite da profissão, o que existe é uma “única Economia”, aquela que funciona (científica) e é produto cumulativo do trabalho de uma diversidade de pesquisadores individuais. 

Com a finalidade de distinguir o que “funciona”, tais economistas associam a produção de crenças confiáveis à competição entre pesquisadores – ou seleção por um mercado de teorias. Mas o que garante a validade das teorias selecionadas? Primeiro, os economistas convencionais assumem que o acesso ao mundo é indubitável, justificado por certa “visão recebida” de ciência, bastante contestável nos dias de hoje; nesta, o vocabulário lógico da teoria simula as estruturas da realidade exterior, organizando a experiência observacional imediata, acessível a todos de modo imparcial.

Com o acesso ao mundo (supostamente) garantido, o passo seguinte dos economistas convencionais é validarem a seleção de mercado com a adição de algum critério de sucesso preditivo e tecnológico das teorias. Nas ciências naturais, o argumento tecnológico é apresentado em razão de as entidades teóricas concebidas para explicarem o mundo constituírem uma ruptura com o conhecimento do senso comum, mas são aceitas porque a negação delas tornaria o sucesso da ciência um milagre. Imaginem uma teoria propor a existência de entidades inobserváveis denominadas elétrons, o mundo funcionar como se existissem, sem existirem de fato!

Não há dúvidas que a Economia se apresenta com enorme interesse preditivo, pois baseada no desejo que as “pessoas com dinheiro têm de saber o que as outras pessoas com dinheiro provavelmente farão”. Sua vantagem é não precisar recorrer a algo parecido com o argumento do “milagre”, já que as entidades postuladas são refinamentos das concepções de senso comum, ou pré-teóricas no sentido de que não dependem da teoria para sua identificação. A desvantagem reside no fato de os sucessos tecnológicos não passarem de conceitos teóricos aplicados ao mundo social, ou rotinas sociais; sem mencionar que as escolhas humanas são difíceis de serem conciliadas com a previsão.

Tendo em vista que os agentes sociais incorporam o conhecimento e as predições científicas em suas análises, antecipando resultados, o único sentido de a Economia ser bem-sucedida em antecipar o futuro, é as pessoas promoverem as consequências previstas pela própria teoria: em outros termos, “fazerem existir o que a teoria descreve”. Aceitar isso, contudo, significa irromper contra um dogma caro à profissão, aquele que separa a ciência positiva da normativa.

Então, o que resta aos economistas convencionais? Resta reconhecerem que, devido ao caráter mediado do nosso acesso ao mundo, as disputas no campo são mais complexas do que a vã filosofia empirista faz crer. Ademais, fariam bem se reconhecessem que se há critérios racionais para distinguir nossas melhores teorias das piores, estes não são de cunho preditivo e tecnológico.

Referências:

Bourdieu, Pierre (2013). Para uma Sociologia da Ciência. Lisboa: Edições 70.

Graeber, David. (2001). “Three Ways of Talking about Value”. In: Toward an Anthropological Theory of Value. Palgrave Macmillan, New York. p. 1-22.

Mäki, Uskali. (2011). “Scientific Realism as a Challenge to Economics (and vice versa)”. Journal of Economic Methodology, v. 18, n. 1, March, 1–1.

Mcguire, James. (1992). “Scientific Change: perspectives and proposals”. In: Salmon, M. H. et al. Introduction to the Philosophy of Science: a text by members of the Department of the History and Philosophy of Science of the University of Pittsburgh. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice Hall.

(*) Professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS. ([email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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