Opinião
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23 de outubro de 2023
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18:37

A bem-sucedida estratégia de Sergio Massa nas eleições argentinas (por Carlos Eduardo Bellini Borenstein)

Sergio Massa, candidato da União por la Patria. (Reprodução/Facebook)
Sergio Massa, candidato da União por la Patria. (Reprodução/Facebook)

Carlos Eduardo Bellini Borenstein (*)

A surpreendente vitória do candidato da União por la Patria, Sergio Massa, no primeiro turno da eleição presidencial argentina merece ser objeto de reflexão. O fato de um candidato vinculado a um governo impopular – o presidente da Argentina, Alberto Fernández, segundo as últimas pesquisas, possui uma desaprovação de 70% – terminar o primeiro turno em vantagem sendo o ministro da Economia em meio a uma elevada inflação (140% ao ano passado) não é comum em campanhas eleitorais.

Antes de abordar a bem-sucedida estratégia de campanha de Sergio Massa, é importante recordar o diagnóstico que parte importante dos observadores do cenário político argentino faziam do pleito desse domingo (22). 

De um modo geral, dizia-se que a elevada desaprovação de Fernández seria um obstáculo praticamente instransponível para Sergio Massa. Análise similar era feita sobre o potencial da candidata da coligação Juntos por el Câmbio, Patricia Bullrich, que é vinculada ao ex-presidente Mauricio Macri. Como a lembrança dos argentinos em relação ao governo Macri era negativa, assim como havia um ambiente de forte insatisfação com o presidente Alberto Fernández, o favorito seria o representante da aliança La Libertad Avança, Javier Millei, de ultradireita. Principalmente após a vitória de Milei nas Primárias Abiertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), esse diagnóstico inicial foi reforçado. No entanto, o que o resultado do primeiro turno mostrou foi uma completa reviravolta. 

A vitória de Sergio Massa contra a onda disruptiva que ameaçava a Argentina, muito similar ao que representou o bolsonarismo nas eleições de 2018 no Brasil, passou pela construção de uma acertada estratégia de campanha por parte do candidato da União por la Patria.

Embora seja o atual ministro da Economia, Massa é um político de centro-esquerda moderado. Como Sergio Massa teve divergências públicas com a vice-presidente Cristina Kirchner no passado, colar o desgaste do Kirchnerismo em Massa não funcionou. Mas o grande mérito da campanha de Massa foi se apresentar como o candidato da união, que reconheceu a necessidade de mudanças no país, principalmente na economia, sem “destruir tudo”. Ou seja, Massa foi um candidato de mudança e continuidade ao mesmo tempo. Com isso, conseguiu adotar uma postura de independência em relação ao governo Alberto Fernández. 

A campanha eleitoral de Sergio Massa também teve um forte apelo emotivo, com foco na união dos argentinos. Esse posicionamento criou um contraste com Javier Milei, que jogou todas as suas fichas numa agenda de ruptura com o establishment. 

A aposta de Milei, no entanto, fracassou no primeiro turno. Propostas como a dolarização da economia, o fechamento do Banco Central, e o rompimento de relações com a China criaram um clima de medo no eleitorado moderado, principalmente junto aos segmentos que mais sofrem com a elevada inflação. Como consequência, a agenda de ruptura voltou-se contra Milei, numa espécie de efeito bumerangue, pois o candidato ultraliberal passou a ser visto pelos eleitores como um risco maior para o futuro da economia e a da democracia argentina. 

Outro erro de Javier Milei – e que beneficiou Sergio Massa – foi a aposta em um choque liberal na economia. Num contexto de insegurança econômica, principalmente o eleitorado mais pobre passou a temer o fim dos subsídios sociais. Assim, a proposta de ruptura de viés liberal criou um medo em relação ao futuro numa eventual com Milei. 

Quanto a esse choque liberalizante da economia, é interessante observar que, muitas vezes, o diagnóstico do establishment econômico está em dissonância com o que pensa a maioria dos eleitores. Isso ocorreu de forma muito nítida nesse primeiro turno na Argentina, onde Sergio Massa saiu como o candidato mais votado mesmo sofrendo críticas em relação a sua condução do Ministério da Economia. No caso da eleição argentina, o choque liberal aumentou o medo e a insegurança, fazendo com que o eleitorado optasse pelo candidato que possui um trabalho em andamento: Sergio Massa. 

Outra reflexão importante da eleição argentina passa pelo debate entre campanha racional x campanha emotiva. Em cenários de instabilidade econômica, é comum surgir o diagnóstico de que o eleitorado processará uma decisão de voto racional. No entanto, o que ocorreu na Argentina, foi que a ruptura representada por Milei ativou o medo e não o debate racional, abrindo espaço para Sergio Massa construir uma campanha emotiva com foco no futuro e na união dos argentinos para superar a atual crise. 

Embora o segundo turno deva ser bastante acirrado, o desempenho de Sergio Massa no primeiro turno sugere que o candidato da União por la Patria acertou a estratégia de campanha, estando mais próximo da vitória. Se isso ocorrer, sua campanha se transformará num case de sucesso a ser estudado, já que terá ocorrido num ambiente de retração econômica, tendo parte importante do establishment apostando contra sua candidatura. 

(*) Cientista político formado pela ULBRA-RS. Possui MBA em Marketing Político, Comunicação e Planejamento Estratégico de Campanhas Eleitorais pela Universidade Cândido Mendes. É mestrando em Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor visitante da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-POA).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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