Opinião
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20 de setembro de 2023
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09:15

Réquiem para o verde de Porto Alegre (por Ana Maria Dalla Zen)

Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)
Parque Harmomia, em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Ana Maria Dalla Zen (*)

Requiem aeternam dona eis [¹]

A nossa cidade de Porto Alegre foi reconhecida por muito tempo como uma das capitais mais verdes do País. Contava com 82,9% de área verde, e era conhecida por suas belas regiões ao ar livre, com vários parques, como o da Harmonia, Marinha do Brasil, Redenção, Moinhos de Vento, Anfiteatro Pôr do Sul, Chico Mendes, Saint Hilaire, dentre outros. Só que esse panorama hoje mudou, a partir de uma política arboricida que os está concedendo para a iniciativa privada. No Parque da Redenção, o primeiro golpe foi a destruição de seu belo orquidário para dar lugar a um espaço gourmet; no da Harmonia, a devastação foi cruel, com a retirada de inúmeras árvores e a substituição do verde por concreto, sem qualquer preocupação com a sua fauna e flora, que eram as mais significativas da cidade. Um dos argumentos utilizados para a retirada de muitas árvores é que se constituíam em espécies exóticas. Ora, numa breve e rápida conversa com o professor Paulo Brack, botânico e reconhecido professor da UFRGS, ele esclareceu que “[…] as árvores, mesmo que exóticas, têm um papel importante na manutenção da maior estabilização do microclima local, ajudam a filtrar os poluentes do ar, amortecem a poluição sonora, dão abrigo à avifauna e, dependendo da espécie, fornecem alimento para fauna e seres humanos”. Na lógica da administração municipal significa que as tipuanas, por exemplo, que dão sombra e enfeitam inúmeras ruas da cidade, estão fadadas à morte! É de se pensar, se, depois dos parques, a próxima vítima não será a linda Rua Gonçalo de Carvalho, quem garante? Ou a Avenida José Bonifácio?

Matar árvores tornou-se rotina, não apenas nos parques citados, mas também nas ruas de Porto Alegre. É comum vermos podas fora de época, além de cortes de exemplares sadios, sem que haja qualquer controle, apesar de ser veiculado que tais ações são acompanhadas por um biólogo. É de duvidar já que, quando se pergunta aos trabalhadores, eles dizem que estão cumprindo ordens, nada mais. No Parque da Redenção, ou Farroupilha, seu nome oficial, há poucos dias foi retirada uma árvore cheia de gambás, o que causou comoção pública, mas que nada resolveu. Aliás, os gambás, que existiam em número grande no Parque, hoje são raros, para não dizer inexistentes.

Eram comum nessa época, início de primavera, vermos mãezinhas carregando seus filhotes nas costas, o que hoje não se vê mais. Se antes se refugiavam no orquidário, hoje buscam proteção em tocas e raízes de árvores, que são retiradas sem qualquer respeito a esses protetores da natureza, que, imunes aos venenos de escorpiões e animais peçonhentos, são verdadeiros guardiões do ambiente. É comum vermos árvores do Parque sendo retiradas, com a justificativa que estariam condenadas, sem qualquer cuidado com seus habitantes. Mas, como frequentadora assídua, tenho sérias dúvidas em relação a esse argumento.

Antes, a Secretaria do Meio Ambiente mantinha um plano de manejo da fauna e flora, que era conhecido pela população, com guardas de parques que cuidavam com carinho dos animaizinhos e árvores. Na Redenção, havia o Seu Sapão, um guarda de parque que, com seu apito, lembrava aos tutores de cães para mantê-los nas guias e com focinheiras, se fossem ferozes. Hoje, deve estar horrorizado ao ver lá do céu o que está acontecendo com o parque que cuidava como se fosse dele. E todos o obedeciam, com carinho e respeito.

Recentemente, a professora Núbia Beray , do Observatório do Calor da UFRJ destaca que o calor excessivo e a pouca umidade podem agravar diversas doenças, o que pode ser minimizado pelo aumento das áreas de sombra, o plantio de árvores e instalação de bebedouros públicos par que a população não sofra com a desidratação, estamos indo em sentido inverso. Não só as árvores são reduzidas, mas também os bebedouros públicos da Redenção não funcionam há muito tempo! Há inclusive um, próximo ao Monumento do Expedicionário, que já se transformou numa lixeira.

Assim, neste dia 21 de setembro de 2023, dia da árvore, em Porto Alegre não há nada a comemorar, mas sim memorar, relembrar o tempo em que o verde era valorizado, incentivado, reconhecido. Há um processo arboricida em curso, e a data representa um funeral do verde de Porto Alegre. Na igreja católica, réquiem é a primeira palavra usada nos rituais fúnebres dedicadas ao repouso das almas dos falecidos. Portanto, deixo aqui um réquiem às árvores cujas vidas foram e serão ceifadas.

Por essas palavras, tenho certeza que, mais uma vez, serei chamada de caranguejo, que só anda para trás. Será que sou mesmo? Numa época em que os desastres climáticos provocados pela destruição do ambiente se tornam avassaladores, quando as matas ciliares de nossos rios desaparecem, serei eu mesma que estou errada? Ou serão aqueles que agem com um atraso de séculos, ao ainda acreditam que o homem é o dono da natureza, e que têm o direito de escravizá-la, dominá-la e utilizá-la ao seu bel prazer? Não seriam esses os caranguejos?

[1] “Senhor, concede-lhes o eterno repouso!”

(*) Professora titular aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, docente colaboradora do Mestrado em Museologia e Patrimônio da FABICO/UFRGS. Integrante do Coletivo Preserva Redenção, Movimento Salve o Harmonia, Preserva Poa e S.O.S Parque Marinha do Brasil. Email: [email protected].

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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