Opinião
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2 de agosto de 2023
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08:42

O custo da inação (por Domingos Alexandre)

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Domingos Alexandre (*)

Quando o assunto é tributação, ou melhor dizendo, quando se trata de estabelecer quem deve e quem não deve pagar impostos, a racionalidade tem grandes chances de ser a primeira vítima. Numa Nação Democrática é pertinente a pergunta: Qual seria a carga tributária ideal? Como deveria ser e sobre o que deveria incidir uma carga tributária para que pudesse ser considerada a mais justa e racional possível?

Quem acompanha o debate sabe que, inobstante a evidente disposição do Presidente Lula e a já testada competência da equipe econômica, seria prudente refrear expectativas, ainda que modestas. A origem do pessimismo? Ora, compreensivelmente ninguém gosta de desembolsar recursos, sobre isto estamos todos de acordo, mas como alguém necessariamente terá que pagar, a tendência é que esse ônus fique com os mais fracos ou, olhando de outro prisma, serão menos objeto de desembolsos os mais ágeis, os mais “instruídos”, ou seja, os mais ricos.

Por outro lado, temos que assentir que a população, de um modo geral, não tem por hábito se aprofundar em reflexões sobre os efeitos e consequências da legislação tributária. Considerando o cipoal de encargos, impostos, contribuições, taxas e tributos da legislação brasileira, já na primeira refrega da reforma em curso no Congresso, larga com vantagem o “andar de cima” já que nesta etapa o ganho será limitado à simplificação e à redução da quantidade de encargos sociais.

No best seller O CAPITAL no século XXI, o renomado e mundialmente conhecido Thomas Piketty sustenta haver basicamente três grandes grupos de impostos e tributos praticados no mundo ocidental: (a) que incidem sobre o consumo; (b) que incidem sobre a renda e (c) que incidem sobre o patrimônio. O Censo demográfico de 2020 que, por negligência do governo anterior só foi concluído este ano, informa que a população brasileira totaliza 203.000.000 de habitantes. Sabemos que a esmagadora maioria dos brasileiros utilizam 100% do que ganham na aquisição de produtos alimentícios e de produtos indispensáveis à sua sobrevivência e que, por outro lado, quanto mais para cima na “pirâmide social”, menor o percentual dos rendimentos dispendidos no consumo. O resultado óbvio é que tributar o consumo penaliza os mais pobres.

Em que implica a tributação da renda no Brasil? Implica em que basicamente, dado à legislação vigente, o imposto sobre a renda onera assalariados e uma parte da classe média. Quem ignora que em nosso país, lucros e dividendos estão isentos de tributação? Outra vez o “andar de cima” não comparece no caixa.

Na obra anteriormente citada, assim como na mais recente Capital e Ideologia, Piketty afirma que, além de tributar lucros e dividendos, se o legislador se bate por uma carga tributária isonômica e justa, terá que obrigatoriamente tributar heranças e patrimônio. Nenhuma Reforma Tributária será capaz de colocar o Brasil no rumo virtuoso do desenvolvimento se não taxar lucros, dividendos, heranças e patrimônio e isso recomenda cautela quanto às nossas expectativas… não podemos deixar de considerar o nível do Congresso eleito. O famigerado centrão só tem compromisso com financiadores de campanha, com emendas parlamentares e toda sorte de interesses inconfessáveis.

Entretanto, alertar para que sejamos contidos em nossas expectativas não significa dizer que não haverá avanços e muito menos que não há entre os congressistas e na sociedade brasileira pessoas íntegras e honradas, comprometidas com a Democracia, com o progresso e com justiça social.

Para a remota possibilidade da melhor, mais justa e mais racional reforma tributária vir a se tornar realidade, o jeitoso Presidente Lula deverá instar sua qualificada equipe econômica a produzirem conteúdos didáticos elaborados de tal maneira que as camadas populares compreendam. Concomitantemente, os ministérios e dirigentes de estatais, com a coordenação da equipe econômica, mobilizarão os sindicatos, as universidades, os órgãos de classe e as entidades representativas, divulgando as injustiças atuais e as medidas propostas. Se o Governo Lula não souber “vender o peixe” os senhores parlamentares não terão receio de perder voto. E perder voto é o “calcanhar de Aquiles” de congressistas ordinários.

Neste semestre teremos a oportunidade de decidir se teremos a reforma tributária ideal que terá o condão de desencadear um ciclo virtuoso, pré-requisito para o enfrentamento de outros problemas igualmente relevantes como a reindustrialização, a geração de empregos, a deficiência na saúde, na educação e na segurança, a destinação dos recursos públicos, a necessidade de obras de infraestrutura, questões ambientais, o combate ao crime organizado, a corrupção endêmica, etc.

Não se imagina que a Reforma Tributária ideal possa ser a “cura para todos os males”, mas é sem dúvida uma excelente “porta de entrada” para o mundo desenvolvido. De um lado a ameaça do autoritarismo de extrema direita, no outro a conhecida habilidade política e a sensibilidade social de Lula. Não há como duvidar de qual é o caminho mais curto para o Brasil figurar no rol de Nações Desenvolvidas. Neste semestre teremos pela frente nossa “janela de oportunidades”.

(*) Bacharel em história pela UFRGS ([email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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