Opinião
|
4 de agosto de 2023
|
14:01

Cio da Terra (por Adeli Sell)

Foto: Exposição Cio da Terra do Museu Municipal de Caxias do Sul.
Foto: Exposição Cio da Terra do Museu Municipal de Caxias do Sul.

Adeli Sell (*)

Não se trata de um resgate total nem amplo, apenas lembranças para não se perder um evento fora da curva daquela época nas brumas do Tempo.

Distante 13 anos do famoso Woodstock, Caxias era uma cidade de 150 mil habitantes, que tinha a Festa da Uva há 51 anos e há 10 transmitida pela TV a cores.

Estamos diante do CIO DA TERRA de outubro de 1982, em novembro haveria as primeiras eleições gerais, sem as capitais e sem as áreas de segurança nacional.

Estávamos no governo dos militares.

A UEE –União dos Estudantes Estaduais – quem levou o evento a Caxias, com ajuda de DCEs, em especial o de Caxias do Sul.

O Cio da Terra aconteceu por 72horas nos Pavilhões da Festa da Uva. Era um momento em que os vinhos eram de “garrafão” (“garrafon” como diziam “os gringo”). Serviam um vinho horrível em copos plásticos. Não tinha garrafa com rótulo, com o tipo de cepa; espumante era a tal da cidra.

Tudo mudou. Telefonar era uma aventura naqueles tempos. Chique era ter uma agenda eletrônica, sim isto tinha, um luxo.

Era um festival de artes, de encontros, de agitação cultural e tinha política.

Lembro-me dos shows do Mautner, Ednardo, Geraldo Azevedo, Sivuca, do caxiense Nei Lisboa, já morando há tempos no Bom Fim.

Tinha ali certa cultura hippie, de Woodstock, de Bom Fim, de transgressão, tudo no meio de uma comunidade conservadora.

Pessoal ia de ônibus, de carona, se virava. Pessoal acampava no parque mesmo ou arrumava um pouso nos amigos. Fiquei na casa do amigo Caleb Oliveira, já tinha militância no Partido dos Trabalhadores, vendia o Jornal O Trabalho, botons e estrelas do PT, botons do Solidarnosc, defendido pelo meu grupo. Conheci muita gente. Até hoje sou amigo do Gilnei Benetti de Gramado que conheci ali.

Para as novas gerações, para o pessoal conectado nas redes sociais, adeptos das selfies, é bom olhar um pouco para o passado para poder entender o presente e mirar com alguma esperança para o futuro.

E foi nesta região, 41 anos depois de um evento de transgressões, ousadia e iluminismo que os inomináveis fizeram muitos votos e vimos a escravidão contemporânea, denúncia que levei adiante produzindo um livro sobre o tema.

Passados 41 anos do Cio da Terra seu espírito de rebeldia e ousadia ainda carrego no peito.

(*) Professor, escritor e bacharel em Direito

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora