Opinião
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28 de agosto de 2023
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08:45

A direita ataca Porto Alegre (por Gerson Almeida)

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Gerson Almeida (*)

Existem 5.565 municípios no país, mas apenas os vereadores e o prefeito de Porto Alegre sentiram-se à vontade para dedicar um dia do calendário oficial da cidade aos patriotas. Antes que algum desavisado pergunte: e daí? É preciso esclarecer que o dia escolhido é aquele em que hordas fanatizadas vandalizaram as instalações do Senado, da Câmara Federal, da Presidência de República e do Supremo Tribunal Federal, as sedes dos três poderes da República Federativa do Brasil e, portanto, símbolos do Estado de Direito Democrático e da Constituição que os conforma. Neste caso, patriota é o nome fantasia dos golpistas.

Ao serem questionados sobre o tema, o prefeito Sebastião Melo (MDB) e o presidente da Câmara de Vereadores, Hamilton Sossmeier (PTB), tentaram se esquivar de qualquer responsabilidade e esconderam-se atrás de argumentos burocráticos e de manobras marotas. O prefeito Melo, mesmo tendo a prerrogativa de veto, decidiu deixar passar o prazo legal para se manifestar, o que é uma forma nada sutil de apoio à iniciativa.  

Os vereadores da base do governo controlam a maioria das três comissões que analisaram a proposição: Comissão de Constituição e Justiça, que não encontrou nenhum óbice legal para a exaltação do golpismo; pela Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude, que achou adequado para a educação e para a cultura estimular o vandalismo e a pregação antidemocrática; e a, pasmem, Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública, na qual a maioria percebe os atos golpistas como compatíveis aos direitos humanos e à segurança pública. É surpreendente que apenas dois vereadores tenham votado contra nessas comissões, sugerindo que os setores democráticos precisam perceber que há temas inegociáveis e que é preciso demarcar politicamente.  

A aprovação do Dia do Patriota em Porto Alegre é uma infame ostentação de apoio das autoridades do executivo e do legislativo municipal de Porto Alegre aos atos de vandalismo que foram realizados com o objetivo explícito de impor um regime que no qual o parlamento e o judiciário seriam subjugados à um executivo imposto por um golpe de estado, sequestrando a soberania popular aferida em eleições democráticas. Isso mostra que o nível da degradação moral e política do grupo de poder que sustenta o prefeito Sebastião Melo – ampla maioria na Câmara de Vereadores – chegou ao ponto da metástase. Nenhum dos sucessivos governos de direita, que há anos governam a cidade, foi capaz levar tão longe o desprezo pela democracia na cidade que se tornou conhecida no mundo como exemplo de participação social.

É verdade que o prefeito Melo está determinado a se afirmar como uma liderança do campo que reúne todo o arco da direita regional e sua gestão está determinada a transformar Porto Alegre em um modelo de gestão ultraliberal, como mostra o seu propósito de tornar as áreas públicas da cidade, como a Orla do Guaíba e os Parques em mercadorias à disposição dos interesses do mercado e do lucro privado. O que opera uma mudança substancial na função urbana dessas áreas, até então consideradas como bens essenciais e de uso universal, destinados a assegurar o bem-estar, a qualidade de vida e a preservação do meio-ambiente urbano para toda a população.  

Mas a explicação para esta ação bizarra não pode ser encontrada apenas na política local, pois o descompromisso com a democracia e a soberania popular é uma característica intrínseca do atual estágio do capitalismo que faz de tudo para assegurar uma autonomização das “forças do mercado” de todo e qualquer tipo de controle da sociedade. Para o “mercado” a função dos governos é de agir para facilitar a sua ação e jamais para estabelecer regras que o coloquem à serviço da sociedade. 

A maneira que as lideranças agem diante de um projeto de lei é uma tomada de decisão sobre interesses de determinados setores da sociedade, uma escolha sobre projetos de sociedade. E o prefeito Melo e os vereadores da sua base de sustentação política mostraram de forma escrachada a que interesses servem. 

Porto Alegre sob a gestão de Melo e sua aliança política repulsiva virou motivo de chacota nacional ao dedicar um dia para o patriota/golpista, mas a questão que isso revela é o quanto o atual sistema de pensamento e ação da direita brasileira e suas congêneres no mundo estão se afastando cada vez mais do compromisso com o pacto democrático.

A incompatibilidade com a democracia já havia sido expressa de forma cristalina na resposta de Hayek, um dos principais ideólogos do neoliberalismo, durante a ditadura de Pinochet no Chile: “Minha preferência pende a favor de uma ditadura liberal, não a um governo democrático”. A defesa de democracia contra aqueles que se valem dela para destruí-la é a questão de fundo que precisa ser enfrentada sem trégua. 

(*) Sociólogo, ex-vereador e secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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