Opinião
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7 de julho de 2023
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18:03

Não podemos morrer na praia (por Céli Pinto)

Presidente Lula, durante visita às novas instalações do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Foto: Luiza Castro/Sul21
Presidente Lula, durante visita às novas instalações do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Foto: Luiza Castro/Sul21

Céli Pinto (*)

O governo Lula, depois de 6 meses, tem muita coisa positiva a apresentar: as políticas púbicas renovadas; a forma como o país se coloca na esfera internacional; a relação com a mídia; a garantia de direitos. É, sem dúvida, o grande responsável pelo que se poderia chamar de normalidade democrática, estraçalhada pelo governo anterior. Ainda tem mostrado paciência e muito jogo de cintura para conviver com a direita fisiológica, que atende pela alcunha de centrão, liderada por Arthur Lira, com setores do empresariado e com a mídia.

Mas loas, mesmo que justas, não dão conta da complexidade da política brasileira no momento, tampouco dos graves problemas nos quais o governo está envolvido.

Se um extraterrestre chegar ao Brasil, ler e ver a grande mídia, ou mesmo os jornais eletrônicos alternativos, não terá dúvida de que estamos em ano de eleições presidenciais, nos últimos dias para a inscrição de candidatos na Justiça Eleitoral. E isto é muito grave. O governo Lula é visto como um governo de transição entre o que era insuportável às elites dominantes, políticas, econômicas e mediáticas, e o que elas desejam e chamam de direita democrática. 

A discussão sobre quem será o substituto de Lula em 2026 é pateticamente prematura. Não menos estranho é o fato de que não se fala de candidatos, mas do candidato (que parece já estar eleito) da chamada direita democrática, que pode ser tanto o paulista de ocasião, quanto o pequeno roedor júnior, paranaense.  Isto é muito sério. Acalmar-se sobre o tema, afirmando que Lula será candidato, é um autoengano, só explicável pela psicanálise.

Lula é um grande nome, possivelmente um dos mais importantes políticos vivos no mundo, e tem o direito de se candidatar a um 4º mandato. Nem é preciso considerar que Lula terá 81 anos, idade em que as pessoas podem não ter condições físicas, ou simplesmente não quererem assumir um fardo tão pesado como mais 4 anos na presidência.

A questão central é como o PT vem tratando o governo que lidera e o próprio presidente Lula. Um partido do peso do PT, sem exagero o único grande partido brasileiro, não pode viver em torno de um líder, por mais carismático e importante que ele seja. A história dá exemplos de que este é o caminho mais curto tanto para uma desestruturação – como mostra o justicialismo argentino, quando o líder desparece -, quanto para uma limitação das alternativas democráticas, quando não há quem o substitua.

O PT está velho, mas não está morto. Urge que se renove, que desburocratize. Mesmo que tenha a fortuna de ter Lula como líder, não pode ser luladependente. O partido não pode se dar ao luxo de justificar as trapalhadas de Lula com a mesma e lamentável desculpa usada pelos assessores do ex-presidente de extrema-direita: ele diz o que quer, não ouve ninguém, combina uma coisa e diz outra. Não, definitivamente não. Não merecemos, como país, ouvir isto.

Não há fórmula mágica para impedir o avanço da direita, nem a busca desesperada de poderosos setores por quem substituirá Lula, como se o governo atual não existisse e não tivesse ainda três anos e meio pela frente.  Isto, entretanto, não pode significar paralisia de parte da esquerda, nem a crença de que só se pode vencer repetindo velhas fórmulas. Contra um projeto reacionário, autoritário, misógino, racista, homofóbico, policialesco,  anti-direitos humanos, destruidor das riquezas nacionais, associado a grupos pouco afeitos à lei, no Brasil e no estrangeiro, só há um remédio possível: radicalizar a democracia. Relativizá-la, jamais. 

Radicalizar democratizando o poder, no sentido de que cada vez mais cidadãs e cidadãos brasileiros tomem na mão, como coletividade, o direito à boa vida, à vida digna, ao respeito aos direitos fundamentais, à alimentação, à habitação, à educação, à cultura e ao lazer, ao livre pensar, à liberdade de escolher seus governantes com a garantia de plena paridade entre os contendores. Radicalizar a democracia é politizar a vida, é reconstruir o sentido nobre do fazer político, que implica necessariamente no fazer coletivo, na crença em que as soluções devem ser pactuadas de forma pública, com muitas discussões, com posições divergentes, mas nenhuma que macule um  milímetro os direitos a uma vida digna, em um país onde cada um possa lutar sem medo de ser perseguido politicamente, sofrer violência por suas ideias ou por suas escolhas de bem viver.  Precisamos trazer para a vida pública os jovens e as jovens deste país. 

Já estamos chegando atrasados, não podemos achar natural que a decisão continue nas mãos de homens brancos, cabelos grisalhos, que não conseguem conceber nada além do já vivido. Precisamos renovar, politizar a vida, desafiar mitos. Precisamos de um novo projeto, que seja fundamentalmente inclusivo, capaz de desequilibrar, abalar e romper estruturas enferrujadas que sustentam burocracias poderosas. Precisamos arriscar, trazer para a primeira fila gente jovem, com ideias arejadas.

Se continuarmos a pensar que não há condições de mudança, que temos de suportar mais e mais velhas fórmulas, morreremos na praia. E o que nos espera não é um Bolsonaro tresloucado, mas uma direita organizada, com apoio e com projeto muito bem estruturado.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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