Opinião
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3 de julho de 2023
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09:41

Allende e sua infinita solidão (por Carlos Ominami)

Salvador Allende se defende no Palácio La Moneda, no dia 11 de setembro de 1973. (Foto: Luis Orlando Lagos Vásques)
Salvador Allende se defende no Palácio La Moneda, no dia 11 de setembro de 1973. (Foto: Luis Orlando Lagos Vásques)

Carlos Ominami (*)

A morte de Allende é vista como a consequência inevitável de um processo que ameaçava interesses poderosos e que só poderia ter um fim trágico. Por motivos contraditórios, admiradores e detratores acabaram concordando: esse fim trágico era inexorável.

É, sem dúvida, um final poético, embora seja mais uma explicação conveniente do que uma verdade exata. É cômodo porque, se o fim estava escrito, então não havia muito o que fazer. Os sobreviventes podem dormir tranquilos.

É por isso que tem havido pouco interesse em perguntar se a catástrofe poderia ter sido evitada.

Até o último momento, Allende tentou evitar o colapso da democracia. Allende era um parlamentar e não um guerrilheiro. Assim, de acordo com Joan Garcés, no domingo, 9 de setembro, ao meio-dia, em Tomás Moro, Allende realizou uma reunião que poderia ter mudado o curso da história. Os generais Pinochet e Urbina estavam presentes. Allende disse a eles que, nas próximas horas, convocaria um plebiscito para que o país decidisse o “caminho a seguir”. Como o próprio Allende confidenciou a seus colaboradores no jantar daquele domingo, Pinochet perguntou:

“Mas, presidente… É uma resolução definitiva e firme a convocação de um referendo? “Sim, general, está resolvido”.

Pinochet disse: “Presidente, agora será possível resolver o conflito com o Parlamento”.

Allende sabia que o processo havia se tornado incontrolável. Se o anúncio do plebiscito tivesse sido feito, como o próprio Pinochet percebeu imediatamente, uma nova situação teria sido criada. Nessas condições de extrema tensão, com a hiperinflação correndo solta e a grave escassez de produtos básicos, a derrota de Allende e da Unidade Popular em um referendo era mais do que certa. Um resultado adverso no plebiscito teria forçado a renúncia de Allende. A história teria sido muito diferente: a democracia teria sobrevivido.

O deseje de Allende de realizar um plebiscito não foi acolhida entre os generais golpistas, nem entre os partidos da própria Unidade Popular.

O que atrapalhou a vontade presidencial? Essa é a pergunta que praticamente todos os atores relevantes no processo evitaram fazer.

O motivo é simples. A resposta não pode fugir de uma verdade que, para alguns, é inconfessável e, para outros, é extremamente incômoda. Os generais que organizaram o golpe pertencem à primeira categoria. Informados sobre o desejo do presidente de abrir caminho para uma solução política, eles decidiram antecipar o golpe para abortá-lo. Por sua vez, a liderança dos democratas-cristãos foi vítima de uma beligerância que a levou a romper com sua tradição impecável de apego à democracia. Há testemunhos irrefutáveis que mostram que o presidente do partido, Patricio Aylwin, foi ao diálogo com Allende promovido pelo Cardeal Silva Henríquez com um objetivo claro: estabelecer condições que tornariam o acordo impossível.

À beligerância de seus adversários somou-se a incompreensão de seus próprios colegas. Allende também não conseguiu obter o apoio dos partidos da Unidade Popular para sua proposta de plebiscito. A convicção de Allende sobre a necessidade de uma solução política não foi suficiente para evitar a tragédia. A virulência de seus oponentes e o fogo amigo produziram uma combinação de forças que se mostrou mais poderosa. Se a solução política tivesse sido bem-sucedida, Allende não seria o presidente mártir que é reverenciado hoje. Ele amava a vida. Ele não buscou esse fim. Esse fim o buscou.

(*) Economista, ex-ministro da Economia do Chile.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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