Opinião
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21 de junho de 2023
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07:26

Por que tanto medo dos ‘influencers’? (Coluna da APPOA)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Luciano Mattuella (*)

Em 1994 foi ao ar o comercial da “Patrulha do Ar” dos Comandos em Ação.

A tal patrulha eram bonecos articulados, que hoje em dia se chamam action figures, de soldados paramentados com para-quedas. Na propaganda, os incautos heróis caíam do alto com seus apetrechos abertos dento das bases inimigas. 

Como em um cinema, crianças mais ou menos da minha idade assistiam à investida dos combatentes sentadas em confortáveis poltronas vermelhas. Ao final, um dos meninos sai de trás de uma das cadeiras e fala: “Droga, perdemos!”. Os soldados aliados “perderam” a guerra imaginada. Um outro garoto responde: “Tudo bem, vai ter outra sessão”. 

No dia seguinte à primeira vez que assisti ao tal reclame, peguei várias sacolas de supermercado e levei para a sala, onde tinha a maior janela do apartamento. Dei um jeito de enroscar as alças por baixo dos braços dos bonecos que eu tinha e joguei eles do alto do quarto andar.

Para meu espanto, funcionou. Eles caíam lentamente.

Aos poucos, fui aperfeiçoando a brincadeira e estabelecendo alvos em que eles deveriam pousar: a tampa do bueiro, a divisa entre uma pedra e outra, em cima de um papel de bombom que alguém tinha deixado cair. 

O mais engraçado é que, mesmo quando os bonecos aterrissavam onde eu tinha mirado, eu sempre terminava a cena da brincadeira dizendo “Droga, perdemos!”, tal qual o moleque da propaganda.

Ou seja, eu estava completamente influenciado pelo comercial. Não só no sentido de querer ganhar dos meus pais os tais Comandos em Ação, mas também por reproduzir a fala do menino que sentia que havia perdido a guerra. 

Vai saber qual batalha eu estava travando na época mas, quando tive a oportunidade de receber um presente de aniversário, eu não pedi nenhum dos bonecos pára-quedistas. Talvez porque eu não quisesse o destino do perdedor? Ou talvez essa seja a origem do meu interesse pelas histórias dos perdedores e dos fracassados.

De toda forma, esse lembrança me acompanha sempre que vejo alguma opinião muito efusiva contra os ditos influencers das redes sociais. 

Parece que hoje em dia é muito cult vociferar contra tudo o que ganha visibilidade no Instagram ou no TikTok. Essas críticas mais contundentes parecem vir, em geral, daqueles que são atravessados por um certo ideal de pureza ou pela sanha da nostalgia: “antes que era bom” ou “tudo hoje em dia é pra aparecer”. E sim, isso tem lá sua dose de verdade, mas acredito que esta postura tão alérgica a tudo o que surge das redes sociais só joga contra a crítica mais consistente.

Afinal, nós sempre fomos influenciáveis. Uma vez que o mundo já estava aí antes de nascermos, é preciso que ele nos seja apresentado por alguém – na maior parte das vezes, pelos nossos pais e familiares próximos. Quando uma mãe aponta para um cachorro e diz: “Olha aí o au-au”, isso já é um ato de influência. 

Mas tudo isso pode ficar ainda mais complexo, como quando um pai fala algo como: “Essa gurizada aí da rua? Tudo vagabundo”. Neste caso, há também o aspecto moral sendo transmitido. É um exercício de influência que molda uma forma de ver o mundo a partir de certos valores pré-determinados. Tanto assim que não são raras as famílias que proíbem os filhos de circular com amigos que não partilham destes valores: “São má influência”. 

À medida que nos tornamos adultos nós passamos, na melhor das hipóteses, a questionar essa influência familiar e a tornar a realidade mais complexa, mais matizada pela opinião de outras fontes. Mas nem por isso deixamos de ser influenciáveis. 

Quando precisamos encontrar um terapeuta, por exemplo, pedimos indicação para alguém. Ou quando ficamos com vontade de assistir a uma série ou filme que um conhecido recomendou. Esta também é uma forma de influência, ainda que mais deliberada.

Meu ponto é que quando colocamos toda produção de conteúdo nas redes sociais na categoria influencer, talvez estejamos fazendo um desserviço crítico. Sendo mais claro: será que a nossa preocupação não deveria seria mais com aqueles influenciadores que reproduzem a narrativa dos vencedores? Os cirurgiões plásticos que fazem propaganda de harmonização facial, as celebridades que anunciam a nova dieta mágica, o terapeuta good vibes alienado à lógica de mercado, o comediante que normaliza discurso de ódio… Estes sim podem produzir efeitos danosos, na medida em que divulgam um discurso segregatório e violento.

Quando a nossa ambição julgadora também recai sobre os pensadores que ocupam as redes para falar de relacionamentos não-monogâmicos, feminismo, racismo ou psicanálise, será que não estamos condenando, talvez até movidos pela inveja, pelo mesmo crime todos aqueles que se fazem escutados?

Uma saída mais interessante pode ser nos havermos com a nossa incômoda condição de seres influenciáveis, de termos caído de pára-quedas neste mundo, e olharmos para o fato de que a nossa própria crítica tão severa possa ser fruto da influência de valores cuja origem nós desconhecemos. Muitos destes, valores ultrapassados. Talvez esta seja uma postura mais madura do que ficarmos olhando ressentidos para as telas e repetindo: “Droga, perdemos!”.

(*) Luciano Mattuella é psicanalista, membro da APPOA.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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