Opinião
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24 de abril de 2023
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10:49

Reindustrialização do Brasil e a China: risco, oportunidade e o ‘arcabouço fiscal’ (por Milton Pomar)

Lula fechou 15 acordos comerciais com a China. Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
Lula fechou 15 acordos comerciais com a China. Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Milton Pomar (*)

Desde o anúncio da viagem do Presidente Lula à China, cresceu o assunto “reindustrialização” do Brasil, como se houvesse grande quantidade de industriais no País com a disposição, os recursos, matriz de transportes e a “gana” comercial chinesas para competir internacionalmente nesse setor – principalmente com a China. 

Os industriais brasileiros sempre reclamaram dos salários “altos” que pagavam e dos “baixos” salários que os chineses recebiam. Pararam de falar sobre isso porque os salários praticados na China são maiores do que no Brasil desde 2016, conforme atesta estudo famoso da Euromonitor. Os salários na China superiores aos do Brasil é fato comprovado também pelo Banco Mundial, que calculou o PIB per capita pela paridade do poder de compra (PPP) de US$19,338 em 2021 para a China; US$16,031 o Brasil; e US$ 18,605 o mundo. 

A indústria brasileira começou a encolher há 40 anos, segundo estudo do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (IEDI) publicado há exatos quatro anos. Em 23/12/2022, o IEDI abriu o verbo: “Novo Retrocesso do Brasil na Indústria Mundial” (): “Em 2005, tínhamos a 9ª maior indústria de transformação do mundo, em 2020 éramos a 14ª e em 2021 caímos para a 15ª posição no ranking.”

Como pode-se constatar pela tabela, enquanto a China mais que duplicou sua participação na Manufatura Mundial, entre 2005 e 2021, passando de 13,26% para 30,45%, a indústria do Brasil conseguiu diminuir de 2,20% para 1,28%. Coincidentemente, o mesmo período no qual cada vez mais industriais brasileiros foram às feiras na China, em viagens promovidas pelos centros internacionais de negócios (CIN), das federações estaduais e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), inicialmente para comprar o que não produziam, e em seguida para fabricar lá o que até então produziam aqui.

A mesma CNI que contribuiu assim para desindustrializar o Brasil, desde 2010 denuncia a baixa competitividade da indústria brasileira, em estudo publicado anualmente e disponível para download em seu portal.

Segundo a entidade, a indústria brasileira é pouco competitiva por dois grandes motivos: custos e dificuldade de acesso ao capital e custos de transportes, resultantes do domínio do modal rodoviário no Brasil. Como ter preços competitivos, se as matérias-primas e os produtos das indústrias são transportados em caminhões, por centenas/milhares de km – com “n” pedágios no caminho –, e os juros reais no Brasil são os maiores do mundo?

Como o setor industrial conseguirá voltar a ser o que era nos anos 1970/80, se o setor financeiro no Brasil atua de maneira predatória? Graças ao seu domínio na economia, na política e no judiciário, ele ganhou boa parte dos próprios industriais, que lucram mais com a rentabilidade exorbitante das aplicações do que com o seu negócio principal – provas dessa opção os casos gritantes da Aracruz Celulose e da Sadia, as principais empresas dos respectivos segmentos no Brasil, que lucravam com derivativos até serem devoradas por eles, na crise do sistema financeiro dos Estados Unidos (EUA), em 2008.

Competitividade tem a ver também com produtividade, e a do capital no Brasil é inferior ao dos demais concorrentes, porque o custo financeiro muito elevado dificulta investir a longo prazo em equipamentos. Torna-se mais interessante suportar custos variáveis maiores do que investir a custo muito elevado, equação da qual estão livres as indústrias de outros países, em especial na China. Essa questão é abordada hipocritamente por muitos economistas, jornalistas e quetais, sempre “culpando” os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil pela baixa produtividade, quando comparada com a de outros países, nos quais quem trabalha conta com muitos equipamentos instalados, que lhes permitem multiplicar sua atuação física “n” vezes.

A baixa produtividade industrial no Brasil é a do capital, não a do trabalho, mas admitir esse fato obriga denunciar a realidade dos juros altos e do assalto “legal” praticado por bancos e rentistas ao Orçamento Geral da União e orçamentos estaduais e das grandes cidades. E agora, com a “autonomia” de meia dúzia de ex-dirigentes de bancos à frente do Banco Central, que lhes “permite” jogar os juros no País ainda mais para as alturas, a produtividade do capital industrial cairá ainda mais, perdendo de goleada para a “produtividade” (sic) do capital rentista.

Em outubro de 2003, em evento sobre a China na sede do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, em Belo Horizonte, o industrial e então vice-presidente de República José Alencar disse em seu discurso na abertura: “Juro que não falarei mais sobre juros”, confessando seu desânimo com a derrota do setor industrial para as taxas de juros abusivas praticadas pelo setor financeiro.

A fórmula do sucesso da industrialização na China, nos últimos 40 anos, não é segredo para ninguém. Seu investimento crescente em infraestrutura de transportes também. E tampouco que o país investe pesado, desde 2015, para tornar-se a maior potência científica, tecnológica e em inovação até 2050.

Temos a oportunidade, com a retomada política da parceria estratégica com a China. Queremos o risco de liquidar a lógica predatória do sistema financeiro e os gargalos históricos dos transportes de cargas, que impedem o País de viabilizar a tão necessária reindustrialização do Brasil? – Não, se depender do “arcabouço fiscal” proposto pelo governo federal. Está bem claro ali que no essencial as coisas continuarão como quer o “mercado” financeiro e os seus operadores no Estado. E com o tímido volume de investimentos anunciado, não haverá a revolução que o País precisa na infraestrutura de transportes, nem nos custos e acesso a investimentos industriais de longo prazo.

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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