Opinião
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30 de janeiro de 2023
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17:08

Reduzir o delírio de milhões de pessoas é decisivo e possível (por Milton Pomar)

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Milton Pomar (*)

Aparentemente, muitas pessoas que estavam na multidão de milhares de vândalos terroristas de extrema-direita que depredaram na tarde do dia 8 de janeiro prédios e instalações do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, não tinham noção exata do que estavam fazendo, da gravidade dos crimes que estavam cometendo e a correspondente implicação legal por seus atos terroristas (pela lei federal nº13.2160, de 16 de março de 2016,  podem pegar até 30 anos de cadeia). São pessoas delirantes, que vivem em realidade paralela, com “verdade” própria, que lhes é fornecida gratuitamente pelas redes sociais e parte da mídia. 

Os comentários que muitos fizeram em vídeos que gravaram e publicaram em suas redes sociais confirmam essa hipótese, o que evidentemente não livra nenhum(a) deles(as) – mais quem financiou as viagens e acampamentos, quem fomentou nas redes sociais e mídia, e todos que se omitiram, foram coniventes ou ostensivamente cúmplices – da responsabilização por atos de caráter golpista e prejuízos causados ao patrimônio público. 

O ex-presidente Jair, o maior fomentador conhecido do delírio nacional, segue totalmente impune nos Estados Unidos, país de seu ídolo e dos financiadores e estrategistas da reação de extrema-direita aos governos populares do Brasil há pelo menos dez anos. Contando desde que assumiu a presidência, em janeiro de 2019, foram 1.450 dias atacando publicamente as urnas eletrônicas, o STF, indígenas, jornalistas, as ações dos governos estaduais contra a Covid (em especial a vacinação), os dados do INPE sobre a devastação das florestas, e pregando a favor da liberação do garimpo na Amazônia, de armas e munições e de tantas outras barbaridades.

Com a divulgação nos últimos dias, o mundo ficou sabendo o que ocorreu com os indígenas e a Natureza nas regiões devastadas pelo garimpo na Amazônia. Quando se tornarem oficiais os números das “mortes em excesso” em 2019/2022 – mais de um milhão de mortos – o mundo tomará conhecimento das reais dimensões da tragédia humanitária e da devastação ambiental resultantes do desgoverno derrotado nas urnas em 2022. 

Tragédia e devastação que continuarão desconhecidas por dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros, em estado de delírio causado e mantido diariamente por propaganda de especialistas da extrema-direita, através das redes sociais e de parte da mídia. Alimentam esse delírio com informações surreais, mentiras absurdas e histórias fantásticas, estimulando seus milhões de seguidores a odiar e a querer destruir – literalmente – adversários políticos e ideológicos.

Para conseguir esses resultados, os especialistas em propaganda da extrema-direita enviam mensagens a milhares de grupos, que compartilham com milhares de pessoas, que por sua vez fazem o mesmo – resultando dessa multiplicação as milhões de pessoas delirantes existentes hoje no Brasil. E fazem isso também em milhares de rádios, diariamente e impunemente.

Resultam desse massacre de propaganda agressões verbais e físicas contra adversários(as), que se continuarem impunes poderão evoluir para ações terroristas de todo tipo, como as que ocorreram em Brasília na noite de 12 de dezembro de 2022 – sem notícia de identificação ou detenção de um único participante. Quem participou daqueles atos (inclusive com tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal) sentiu-se motivado a agir novamente em 8 de janeiro.

Essa situação agora é parecida com a do início do governo Figueiredo, em 1980, de escalada de ações terroristas cometidas por militares da extrema-direita, insatisfeitos com a “abertura democrática” promovida pela ditadura. Foram obrigados a parar dia 30 de abril de 1981, quando explodiram, dentro de um carro com dois militares do DOI-CODI, as bombas que seriam colocadas no Riocentro, onde 20 mil pessoas assistiam um show. Como é o costume nesses casos, apesar das provas, não houve condenações. Mas cessaram os atos terroristas.

Dado concreto da realidade: 39% do eleitorado considerou, em dezembro de 2022, o desgoverno que se encerrava como “ótimo” e “bom”, e que o presidente que fugiu entregava um país melhor do que quando assumiu. Coincidentemente, em pesquisa sobre o 8 de janeiro, 39% dos entrevistados disseram que a responsabilidade total ou parcial dos acontecimentos era do presidente Lula. 

Esses 39% do eleitorado equivalem a 60 milhões de eleitoras e eleitores, para os quais o ex-presidente Jair é “ótimo” ou “bom”. É muita gente. Com tantos delirantes, será difícil haver paz e democracia no Brasil. E paz e democracia são essenciais para o País obter investimentos e desenvolvimento econômico que permitam gerar renda e empregos para acabar a fome e a miséria, sem mais impactos ambientais negativos. 

Reduzir o universo de pessoas em realidade paralela, de 60 milhões para 15 milhões ou menos (10% do eleitorado), é possível, mas exigirá muito trabalho, em várias frentes: propaganda do governo federal da realidade do País, das suas ações e de questões culturais, étnicas, de gênero, ambientais etc.; atuação dos partidos políticos e movimentos (sindical, estudantil, populares) na linha de frente dos grandes debates nacionais. Mais ações investigativas e legais do Estado para desmantelar as estruturas, nacionais e internacionais, de financiamento e de produção e difusão de mentiras na mídia e redes sociais, com punição dos responsáveis e divulgação das punições. 

A pressa é nossa: 70% dos entrevistados pela Ipsos sobre o 8 de janeiro avaliaram ser possível (26% “certamente” e 44% “provavelmente”) em breve ocorrerem novos eventos como aquele. 

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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