Opinião
|
10 de janeiro de 2023
|
08:04

A democracia venceu o fascismo (por Luiz Marques)

Ato em defesa da democracia brasileira, em Porto Alegre. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)
Ato em defesa da democracia brasileira, em Porto Alegre. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Luiz Marques (*)

O golpe de Estado frustrado, ontem, foi articulado por forças políticas e econômicas que precisam vir à tona, com nome, CPF e CNPJ. Com certeza, as tais “elites” estão ligadas a setores do capital financeiro, industrial e comercial. sobretudo ao agronegócio que investe no desmatamento da região amazônica para criar as commodities de exportação e que insiste em usar produtos agrotóxicos que. nenhum país desenvolvido mais aceita. Sem esquecer os garimpeiros ilegais das terras indígenas. 

Os comunicados do presidente Lula da Silva e do ministro da Justiça e da Segurança Pública Flávio Dino foram cirúrgicos, a respeito dos episódios terroristas e golpistas. Não vão ficar na intervenção federal em forças de proteção do Distrito Federal (DF), pois se estenderão ao responsável político, o governador de Brasília. Este, ficou na sinuca. Ou aponta os subordinados legais que (supostamente) descumpriram suas (pretensas) ordens para prevenir os vandalismos anunciados com antecedência, nas redes sociais, ou revela o nome dos que deixaram de cumprir suas orientações, para salvaguardar as instituições republicanas e, igualmente, o patrimônio histórico brasileiro. 

Não basta haver exonerado quem sequer deveria ter contratado, para a função de secretário de Segurança Pública do DF, já com mandato de prisão expedido a esta altura. Anderson Torres, por coincidência na Flórida em visita ao execrável ex-presidente, enviou mensagem “tranquilizadora” sobre os acontecimentos que assistia pela TV, desde os Estados Unidos. Com cara de pau reconheceu que a Polícia Militar escoltou a turba até a Praça dos Três Poderes. Diante da incúria e do cinismo, o ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento – por noventa dias, prorrogáveis – do governador Ibaneis Rocha. Sem a sua conivência o terror não teria se instalado. 

Os fascistas que compõem o movimento de extrema direita, condensado no que chamamos de bolsonarismo, deram com os burros n’água, no entanto. Os financiadores do movimento que bancaram, gratuitamente, os ônibus, as estruturas e a alimentação nos acampamentos estão sendo identificados e responsabilizados. Nunca se tratou de um movimento espontâneo, meramente. O ato terrorista foi planejado, estudado. A intenção era destruir também as refinarias de petróleo, para onde hordas fascistas se deslocaram em alguns estados da federação. Mas não conseguiram. Com o caos, torciam pela intervenção militar que reconduzisse ao poder o canalha genocida e ecocida. Mas perderam a aposta. Os que lucram com o armamentismo estavam na linha de frente. Eram as “buchas de canhão”, apesar de se considerarem os novos ditadores “em marcha pelo Brasil”. 

Os terroristas em ação de destruição das sedes do Poder Executivo, do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal (STF) cometeram um grande erro. Partiram do princípio que os poderes possuem um locus físico, os quais uma vez ocupados repassariam-lhes o comando da nação. Ao tomar posse dos prédios das instituições da República, vibraram como em um gol, na certeza de que sua revolução putschista havia sido vitoriosa. Não o foi, nem simbólica, nem materialmente. 

O poder é relacional, conforme mostrou o pensador francês Michel Foucault. Ele não está num lugar (na Bastilha, no Palácio de Inverno ou no Palácio do Planalto). Ele existe nas relações entre as classes, os gêneros, as raças e as instituições. Por isso, Lula ainda é presidente da República Federativa do Brasil, Rosa Weber é presidente do STF, Arthur Lira é presidente da Câmara de Deputados e Rodrigo Pacheco é presidente do Senado; enquanto Jair Bolsonaro continua sendo o vômito que sempre foi, que um dia com direito de defesa e tudo, será preso e condenado pelos grandes e pequenos crimes que cometeu na presidência. Como no poema de Bertolt Brecht: “Onde quer que estejas, / Não escaparás. / O melhor será ficares sentado / E esperares pelo fim”. 

Durante a tarde de domingo, o espectro da regressão civilizacional e democrática em nenhum momento mobilizou o apoio da opinião pública, que conferiu de modo indireto a legitimidade dos poderes constituídos, e não destituídos. Ao invadirem o STF, os vídeos vieram acompanhados de exclamações do tipo “supremo é o povo”. Mas o povo não estava lá, via pela televisão os alucinados a soldo sem noção, querendo enxovalhar a soberania popular, no delírio de estar exprimindo a vontade do… povo (sic). Eram apenas quadrilheiros, ativistas da necropolítica.

As forças políticas que se aglutinaram em torno da chapa Lula / Alckmin foram magnificadas nesse espetáculo histórico. O tiro saiu pela culatra. O país provou que a democracia baseada na adesão subjetiva do povo ao processo civilizador é mais forte do que o concreto, o aço e os vidros das obras edificadas pelo gênio dos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. O corpo adoecido da democracia, a contar do impeachment de 2016, porém, precisa expelir os tumores cancerígenos restantes em segmentos armados do Estado. O terceiro turno acabou. A luta continua. Coragem.

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora