Opinião
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19 de novembro de 2022
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12:52

O Brasil e a COP27: um programa de desenvolvimento sustentável e uma agenda de investimentos (por João Victor Domingues e Kayo Cezar Freitas Soares)

Sessão plenária da COP27, realizada no Egito (Foto: Divulgação/ONU)
Sessão plenária da COP27, realizada no Egito (Foto: Divulgação/ONU)

João Victor Domingues e Kayo Cezar Freitas Soares (*)

O Brasil vem enfrentando nos últimos anos uma escalada assustadora de retrocessos ambientais. A política do “passar a boiada”, colocou em xeque a imagem de vanguarda, que o país sempre teve na comunidade internacional, como uma referência em política ambiental, gestão ambiental, matriz energética limpa e desenvolvimento sustentável.

Apesar da destruição do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, dos discursos de ódio à gestão ambiental de líderes do governo e do próprio Presidente da República, da retirada dos investimentos em pesquisas e monitoramento ambientais, do sucateamento do aparato de fiscalização e controle e da falta de segurança jurídica dos servidores dos órgão ambientais do Estado, o Brasil ainda conta com salvaguardas institucionais, uma robusta legislação ambiental, um Sistema Nacional de Meio Ambiente e um quadro muito qualificado de servidores públicos que ainda deixam de pé e com um bom funcionamento, alguns instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente.

Como nunca antes nossa biodiversidade está sob ataque. Desmatamento recorde da Floreta Amazônica, licenciamento de agrotóxicos proibidos em países desenvolvidos, agronegócio voltado apenas para comodities. Dados do IPAM e do INPE mostram que o desmatamento na Amazônia vem acelerando de forma vertiginosa. “O Brasil bateu recorde de desmatamento no primeiro semestre de 2022. O acumulado de janeiro a junho, 3.988 km², ultrapassou a derrubada ocorrida no primeiro semestre de todos os anos da série, que começou em 2016, e é 80% maior que a média de área desmatada no mesmo período em 2018, antes da gestão atual do governo”.

O IPCC painel da ONU responsável pela análise e estudos das mudanças climáticas globais, alertou que os próximos 3 anos são cruciais para manter o aquecimento global dentro da meta firmada pelo acordo de Paris, isso reforça a importância de retomarmos esta pauta e recolocarmos o Brasil na vanguarda ambiental da América Latina e o mundo.

O mundo todo está de olho no Brasil. Reportagens mundiais, mostram a preocupação do mundo com o avanço do governo Bolsonaro contra um ambiente sustentável e uma agricultura responsável. A Deutsche Welle reportou a preocupação mundial com o avanço na liberação de agrotóxicos pelo Brasil durante os anos deste desgoverno. Agrotóxicos proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia ganham terreno fértil no Brasil. “Em três anos de gestão, o governo de Jair Bolsonaro aprovou a maior quantidade de defensivos agrícolas em mais de vinte anos: foram 1.560 novos ingredientes ativos registrados entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2021, uma média de 1,4 substâncias por dia, segundo dados disponíveis no site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama)”.

O planeta saiu de um status de CRISE climática para EMERGÊNCIA climática. Todos os indicadores são dramaticamente reais. O Brasil pode e deve assumir um papel de vanguarda nesses compromissos aliando o papel de pulmão verde e produtor de alimentos com a geração da ativos financeiros, funding para infraestrutura,
reprogramação produtiva e alteração do modo de produção. Essas mudanças já vêm acontecendo em muitas iniciativas produtivas. Isso apesar do governo federal e da agenda reacionária imposta por governos de viés conservador. Acreditamos que com a articulação de um conjunto de medidas institucionais, regulatórias, financeiras e de fomento consigamos recuperar o tempo perdido e assumir novamente o papel de vanguarda que nos cabe.

Esse debate começou nas décadas de 1970 e 1980 e foi se aprofundando, culminando em um evento no qual o Brasil foi anfitrião e um dos protagonistas, a Rio92, um marco mundial na discussão sobre sustentabilidade. Neste evento foi introduzida a ideia do desenvolvimento sustentável, um modelo de crescimento econômico menos consumista e mais adequado ao equilíbrio ecológico.

As discussões avançaram na década de 1990, 2000, 2010 e 2020, tendo várias ações e eventos de destaque mundiais, tais como: (Protocolo de Kyoto – 1997; Who Cares Wins – 2004; PRI – 2006; COP-15 – 2009; Rio +20 – 2004; Agenda 2030 – 2015), cada um destes marcos trouxeram avanços, porém a Pandemia da COVID-19, foi um grande catalisador da agenda ESG, criando uma necessidade premente nas organizações e nos projetos de se adequarem a esta nova realidade, entregando soluções com mais valor compartilhado e pensando no futuro das novas gerações.

A expectativa global com relação as políticas que serão adotadas pelo Governo Lula nos levam novamente a um papel de destaque na COP27 que inicia agora dia 06 de novembro. Importante renovarmos nossos compromissos ambientais e com a redução das emissões de GEE. O desafio maior estará na Regulamentação do artigo 6º acordo de Paris para coordenar as transferências de ativos de descarbonização entre os orçamentos de carbono dos países membros. E a efetiva transferência de US$ 100 bilhões anuais dos países ricos para que os países pobres para ações climáticas previsto há mais de uma década.

Mas temos que sinalizar com iniciativas concretas nessa direção.

Neste cenário, acreditamos que cabe ao Estado ser o indutor de uma política de ESG, endereçando este tema em seus planos de desenvolvimento, planos de investimentos e demais planos que devem andar irmãmente colados a ideia do espirito do nosso tempo, que é da preocupação com a emergência climática, com o consumo consciente, com o respeito as comunidades tradicionais, com a agricultura ecologicamente correta e socialmente justa, com o respeito a cultura dos povos tradicionais, com o combate à miséria e com a geração de valor compartilhado. As grandes forças econômicas do país, na indústria, no agronegócio e no mercado financeiro serão parceiros neste processo, uma vez que os temas relacionados ao ESG estão na ordem do dia. Todos esses temas estão previstos nas mais de 120 metodologias definidas no âmbito do CDM da UNFCCC para certificação de projetos e emissão de créditos de carbono.

A Lei Federal 6938/1981 instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA, e os respectivos instrumentos de gestão ambiental que suportam esta Política. Por uma série de caminhos e descaminhos o instrumento que realmente foi estruturado para dar apoio à PNMA foi o licenciamento ambiental. Tanto isso é um fato que poucos conhecem, ou se valem deles para fazer gestão, os demais instrumentos como o Zoneamento Ambiental, os Padrões de Qualidade Ambiental, os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos – ETEP (Unidades de Conservação), o Relatório de Qualidade Ambiental, entre outros instrumentos.

Na PNMA também está descrito como instrumento a Avaliação de Impacto Ambiental. Peculiarmente, este instrumento foi abduzido para dentro do Licenciamento Ambiental e, salvo melhor juízo, é unicamente neste âmbito que os impactos ambientais são avaliados. Esta situação tem uma série de consequências. A Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) é o instrumento de avaliação de impacto aplicado a todos os níveis anteriores à formulação dos projetos, ou seja, ao nível das políticas, planos e programas (PPP). Ao ser aplicada a AAE a estes níveis de planejamento os projetos posteriores decorrentes deste planejamento já apresentam em si as salvaguardas ambientais, sociais e econômicas. Este é o procedimento que oportuniza que o licenciamento ambiental seja objetivo, transparente, eficaz e eficiente.

Uma importante ferramenta de gestão ambiental a ser incentivada é a municipalização dos instrumentos, o principal deles, pois é o que dará robustez e sustentação aos demais, é a AAE. No âmbito municipal a AAE ao ser aplicada às políticas, planos e programas, necessita de um instrumento de análise, ou seja, um método para a avaliação de impacto para este nível de planejamento. Este instrumento de análise é composto pelos instrumentos de gestão ambiental que suportam a política municipal de meio ambiente.

Assim, para aplicação da AAE no município é necessário que a política de meio ambiente esteja explícita, preferencialmente em lei (política de estado) e com os principais instrumentos de gestão implantados (diagnóstico, zoneamento, monitoramento, padrões de qualidade, licenciamento, etc..). Ao aplicar a AAE no Município se terá os seguintes benefícios:

– Se implantará uma Política de Estado para o Meio Ambiente no âmbito Municipal de forma explícita e orientadora;

– Se implantará os principais instrumentos de gestão ambiental que apoiarão esta política (diagnóstico, zoneamento, monitoramento, padrões de qualidade, licenciamento, etc.);

– Se estabelecerá as condições para atração de novos investimentos em conformidade com a capacidade do ambiente natural e social;

– Se estabelecerá um rito objetivo e transparente para o licenciamento ambiental no âmbito do Município;

– Se estabelecerá um cenário em que o investidor terá segurança jurídica e processual ao encaminhar o investimento.

Relatório Infra2038 aponta que o investimento necessário para o Brasil sair da 70ª posição para o top 20 dos países com melhor infraestrutura (World Economic Fórum), até 2038, seria de R$ 339 bilhões anuais, ou seja 5% do PIB. O investimento feito hoje não recupera a depreciação. O investimento no setor caiu de R$ 122,4 bilhões para R$ 115,8 bilhões em 2020 o que equivale a 1,55% do PIB.

Nosso Custo Logístico – soma dos gastos com transporte, estoque, armazenagem e serviços administrativos – consome 12,7% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil/ano. Isso equivale a aproximadamente R$ 800 bilhões. Nos EUA o custo logístico corresponde a 7,8% do PIB. Os dados são do estudo Custos Logísticos no Brasil, do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain).

No Sexto Relatório de Avaliação do IPCC: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade Cientistas de 195 países afirmam que o aumento da temperatura global de 1,1°C, que vivemos hoje, já causa consequências cada vez mais irreversíveis. Hoje 3,3 bilhões de pessoas já vivem em países com alta vulnerabilidade às mudanças climáticas. Mantidas as atuais condições em 2050 teremos uma redução de 30% na produção mundial de alimentos e 10 milhões de pessoas morrerão em decorrência de fortes ondas de calor;

NO BRASIL 46% DAS EMISSÕES DE GEE VEM DO DESMATAMENTO E 28% DO AGRONEGÓCIO. Que pode e deve ingressar na agricultura de baixo carbono. A UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change – ou Convenção Quadro, tem o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. O CDM (Clean Development Mechanism) ou MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) estabelece um conjunto de ações e projetos de redução de emissões em países emergentes, gerando créditos certificados de redução de emissões (CER). Essas CERs podem ser comercializadas e vendidas. Países Industrializados podem usar para cumprir parte de suas metas de redução de emissões. São mais de 120 metodologias aprovadas pelo UNFCCC/CDM divididas em duas grandes áreas: AFOUT – NATUREZA, FLORESTA e AGRICULTURA NO AFOUT – TECNOLOGIA.

O Mercado Regulado de CC já movimenta US$ 80 bilhões todos anos, mas nosso país ainda patina na regulamentação. O Decreto Federal nº 11.075/2022 é inócuo e pode travar o mercado.

O MERCADO DE CARBONO VOLUNTÁRIO surgiu de forma paralela com as Reduções Voluntárias de Emissões (VER). Qualquer empresa, pessoa, ONG ou governo pode gerar ou comprar créditos de carbono voluntários. Esses créditos, também são auditados por uma entidade independente, mas não estão sujeitos a registros da ONU. PREÇO – a variação no preço é dada mais pela qualidade, localização e padrão utilizado no projeto. VERs buscam atender uma demanda especial. Nesse caso a origem, os padrões utilizados e os benefícios socioambientais são de extrema importância para o comprador, bem como a qualidade do projeto.

O mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) foi desenvolvido pelas partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas. Por meio dele, países em desenvolvimento podem receber “pagamentos por resultados” de seus esforços para redução da emissão de carbono ao evitar o desmatamento e a degradação florestal.

Estudo feito pelo ICC Brasil (International Chamber of Commerce) estima que o país tem potencial de suprir 22% da demanda global de créditos de carbono. Isso é, quando há uma emissão menor de GEE na atmosfera do que o estabelecido a diferença gera um crédito que pode ser comercializado entre empresas na forma de crédito de carbono. Estimativa para o Mercado Voluntário é que detenhamos 37% do estoque global.

Uma projeção feita pela consultoria estratégica com foco exclusivo em sustentabilidade e mudança do clima WayCarbon indica que o Brasil pode gerar entre 493 milhões e 100 bilhões de dólares em crédito de carbono até 2030. Estimativa conservadora.

A questão ambiental hoje não é mais um entrave para avançarmos em melhorias de nossa infraestrutura- energia, transportes, urbana, social- É A SOLUÇÃO. Para, com projetos articulados, aumentarmos o funding para investimentos nesses setores, gerando mais e mais receitas, inclusão social, boas práticas de governança e
sustentabilidade.

Para tanto defendemos a estruturação das seguintes ações sejam apresentadas perante o mundo na COP 27 pelo Presidente LULA:

1) GOVERNO FEDERAL – estabelecimento de um NOVO MARCO REGULATÓRIO para incentivo à economia verde, estimulando a recuperação e preservação ambiental, programas de NETZERO (zero carbono), programas de ESG voltados para certificação de crédito de carbono, regulamentação do MERCADO NACIONAL DE CC e apoio às operações no MERCADO VOLUNTÁRIO INTERNACIONAL. MARCO REGULATÓRIO deve prever mecanismos para evitar a dupla contabilidade.

2) GOVERNO FEDERAL EM CONJUNTO COM GOVERNOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS – Projetos articulados e integrados numa grande agenda verde nacional. Implementação de um PROGRAMA NACIONAL, nos moldes do SISA-ACRE e outros programas internacionais, para incentivo às ações de recuperação e preservação ambiental, utilização de energias renováveis, geração de energia a partir de RSU, onde o ganho econômico obtido seja repartido entre os produtores, governos para reinvestimento no próprio programa e geração de receita para implementação dos ODS. Projeto de incentivo a elaboração de AAEs nos âmbitos municipais e regionais, fortalecendo a gestão ambiental e a valorização de ativos ambientais nos municípios.

3) EMPRESAS ESTATAIS- Agregar um novo papel institucional para a PETROBRÁS, e mesmo a ELETROBRÁS, que é o de fazer a transição energética no Brasil, saindo de uma empresa de óleo e gás, para uma empresa de energia, seguindo assim as tendências mundiais de mercado, investindo em HIDROGENIO VERDE, por exemplo.

4) UMA NOVA AGENDA PARA INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA- essa nova agenda baseada nos programas ESG para mitigação de riscos e passivos socioambientais, com foco na potencialização dos ativos ambientais. Esses projetos devem ter 03 grandes eixos: a) descarbonização; b) baseados em estratégias ESG inclusive para redução de custos; e c) geração de receitas acessórias relevantes (tanto em PPPs e Concessões quanto em obras de execução direta pela Nova Lei de Licitações).

5) SISTEMA FINANCEIRO – a partir dos Bancos Públicos, mas não somente esses, incorporar os ATIVOS VERDES nas operações de financiamento. Assumir uma agenda de fomento aos empreendimentos de recuperação e manutenção ambiental (FLORESTAS, BIOMAS, RECURSOS HÍDRICOS, ENERGIAS RENOVÁVEIS, AGRICULTURA REGENERATIVA). PARTICIPAÇÃO NO MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO, usando essa ferramenta para alavancar mais funding para investimentos em infraestrutura, produção sustentável para cooperativas agropecuárias, reservas florestais, reflorestamento, etc., com juros mais baixos e compartilhamento de riscos.

6) IMPLEMENTAÇÃO DE UM STANDARD (metodologia) de certificação para projetos de certificação de Créditos de Carbono. Com o potencial de créditos de carbono que temos no Brasil não precisamos ficar reféns das metodologias dos certificadores internacionais. Esse standard deve dialogar com a realidade de nossa matriz produtiva, politica industrial, reservas florestais, áreas degradas, Agronegócio e reservas indígenas.

O Brasil deve ser protagonista concatenando sob a liderança do Presidente Lula programas de redução da emissão de GEE, investimentos em infraestrutura, uso sustentável da água, energias renováveis e inclusão social com combate a miséria, a fome e ao desemprego. Os programas e metodologias disponíveis no âmbito do
UNFCCC já preveem isso. Basta agora organizar sua implementação.

(*) João Victor Domingues é advogado, especialista em Infraestrutura, PPPs e Concessões. Foi Secretário de Estado de Assessoramento Superior do Governador e de Infraestrutura e Logística do RS (Governo Tarso Genro), membro do Conselho Fiscal do Banrisul, Presidente do Conselho de Administração da CEEE e da CRM. Foi Diretor de Planejamento da EPL-Empresa de Planejamento e Logística do Governo Federal.

Kayo Soares é CEO da ARVUT. Atua com assessoria estratégica ambiental para empreendimentos, análise de impacto das atividades das indústrias, análise de risco, melhoria de processos para ganho ambiental e ESG. Há mais de doze anos na área de consultoria ambiental, também é especialista em gestão de obras costeiras e oceânicas. É oceanólogo, mestre em Oceanografia Física, Química e Geológica. Como consultor, já trabalhou em mais de 200 projetos em todos os Biomas do Brasil, tendo prestado consultoria para as principais empresas nacionais e internacionais.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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