Opinião
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22 de novembro de 2022
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20:47

Financiada por bilionários, ‘realidade paralela’ ganha força nos EUA e no Brasil (por Milton Pomar)

Elon Musk reabilitou Donald Trump no Twitter (Foto: JD Lasica/Creative Commons)
Elon Musk reabilitou Donald Trump no Twitter (Foto: JD Lasica/Creative Commons)

Milton Pomar (*)

Eis que volta ao Twitter o bilionário Donald Trump, por obra e graça do bilionário Elon Musk, novo dono do aplicativo de mensagens curtas (teria pago por ele US$44 bilhões, equivalente a R$235 bilhões). O discurso de Musk, de que o Twitter será “refúgio para a liberdade de expressão”, segue sendo contestado, justamente por ele ter permitido o retorno do ex-presidente dos Estados Unidos (EUA), cuja conta havia sido suspensa em janeiro de 2021, por incitação à violência. Além disso, Trump lidera a armada e agressiva extrema-direita norte-americana, responsável pela invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e pretende voltar a ser candidato a presidente dos EUA, valendo-se certamente dos mesmos métodos que o levaram à vitória eleitoral em 2016.

Tudo isso no caso de Trump é muito importante, mas não é o principal. O que está realmente em questão nos EUA hoje é a “Realidade Paralela”, que afeta dezenas de milhões de pessoas, desde a campanha de 2016. Esse fenômeno, resultante da absorção de uma grande quantidade de mentiras (várias totalmente delirantes), massivamente difundidas através das redes sociais, é o responsável pelo negacionismo em relação à Covid-19 e às vacinas, entre outras questões importantes, e algumas absurdamente ridículas, como a ideia de que a Terra é plana.

Sabemos como é essa “Realidade Paralela”, porque ela igualmente afeta milhões de pessoas no Brasil, desde a campanha de 2018, na qual foi eleito o atual presidente da República e muitos parlamentares de extrema-direita novatos e com votações milionárias. Um espanto enorme na época, repetido em 2020, e agora em 2022. Com a diferença esse ano que ficou público o mundo à parte dessa “Paralela”, na qual estão vivendo sabe-se lá quantos (30? 50?) milhões de eleitores e eleitoras do candidato derrotado da extrema-direita no Brasil. 

Muita gente que fez campanha para presidente no 2º turno ficou em estado de choque ao tentar dialogar com pessoas dessa condição “Paralela”, porque elas e eles não dizem (ou escrevem) coisa com coisa. Delirantes e agressivos, habitantes da “Paralela” no Brasil assemelham-se no comportamento (e, provavelmente, no “conteúdo”) aos da “Paralela” dos EUA, de acordo com o documentário “O dilema das redes, e outros sobre o mesmo tema

Quem financia, e quem produz e dissemina em grande escala tais conteúdos com mentiras no Brasil, como se fossem drogas, capazes de produzir efeitos delirantes semelhantes em tantos milhões de pessoas, levando-as para uma “Realidade Paralela”? Além de resultar na eleição, com centenas de milhares de votos (milhões de votos, no caso de senadores e governadores), de deputados e deputadas da extrema-direita, bloquearem estradas e perturbarem em frente a quartéis do Exército, quais outros prejuízos tais habitantes da “Paralela” poderão causar ao País?

Seria engraçado se não fosse terrivelmente trágico. Por falta de gestão adequada da Saúde no Brasil, durante a pandemia, ocorreram meio milhão de mortes que poderiam ter sido evitadas, e ainda assim milhões de delirantes acreditam que o governo tomou todas as providências possíveis e imagináveis, o mais rápido possível, e por isso evitou que a tragédia fosse maior. Se buscassem informações, ao invés de apenas se drogarem com as que recebem “prontas”, talvez 

conseguissem sair do estupor no qual se encontram, mas não, o grau de dependência parece ser fisiológico, dependem de mentiras diárias para elevar os níveis de adrenalina, dopamina etc.

Uma das produtoras e disseminadoras de conteúdo para a parcela da população que vive na “Realidade Paralela”, a “Brasil Paralelose apresenta como empresa de “entretenimento e educação”, orientada “pela busca da verdade histórica, ancorada na realidade dos fatos, e sem qualquer tipo de ideologização na produção de conteúdo”. Fundada em Porto Alegre, coincidentemente no ano da vitória eleitoral de Trump e do golpe contra o governo Dilma, e atualmente sediada em São Paulo, a “Brasil Paralelo” é um caso de sucesso empresarial ainda pouco conhecido. Com extensa apresentação no Wikipédia, na qual consta textualmente que ela se coloca como “conexão com uma realidade paralela”, a empresa conseguiu em pouco tempo transformar-se em grande produtora de documentários.

Em sua newsletter do dia 20/11, a Brasil Paralelo informa o seguinte, sobre a volta de Trump ao Twitter: Ontem à noite (19/11), o CEO do Twitter, Elon Musk, realizou uma pesquisa em seu perfil para descobrir se os usuários gostariam que a conta do ex-presidente Donald Trump fosse reativada. Donald Trump teve sua conta banida do Twitter em janeiro de 2021, após defensores do partido Republicano invadirem o Capitólio. A invasão ocorreu devido a insatisfação com a vitória de Joe Biden. Na época, Trump se manifestou contrário à invasão.” 

(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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