Opinião
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17 de novembro de 2022
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13:51

Cenos: o Antropoceno e o Pandemiceno (por Cassio Machado)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Cassio Machado (*)

O antropoceno nunca fez tanto sentido. Popularizado em 2000 pelo químico holandês Paul Crutzen, nada mais nada menos que o Nobel de Química de 1995, o termo converge os conceitos anthropos, do grego, que significa humano, e kainos, que significa novo, para descrever a atual época geológica caracterizada pelo impacto das ações da humanidade na Terra. Para os cientistas, esse período é principalmente caracterizado pela redução da biodiversidade, por rápidas mudanças climáticas e pela homogeneização da biogeografia e dos ecossistemas, devido às bioinvasões mediadas por ações humanas. Ou seja, o Antropoceno nunca fez tanto sentido. 

Considerando as peculiaridades desse período e a fecundidade imaginativa do ser humano, infinitas possibilidades de futuro poderiam ser desenhadas.  Nesses momentos de divagação, a ciência não apenas se faz presente, como também é indispensável. Em tempos de devastações, de achatamento da biodiversidade, poderia ser confortável pensar que a maior ameaça para a existência da humanidade na terra seria ela mesma, uma perspectiva antropocêntrica talvez, que remeteria às nossas crenças de potência e às dificuldades de pensar um mundo sem nós. Mas como diria a raposa, “o essencial é invisível aos olhos”. A bioinvasão, ou, em outras palavras, o ato ou efeito de um ou mais organismos invadirem e se estabelecerem em ambientes onde não haviam registros anteriores para a espécie, perpetrada pela ação humana, não carrega em sua esteira apenas a extinção de outras tantas espécies, mas, antes disso, uma fecunda troca de patógenos. Assim, hoje, já se discute o futuro do Antropoceno, e um deles tem sido denominado Pandemiceno ‒ a era das pandemias. Se um foi marcado pela dominação humana na terra, o outro será definido pela dominação dos vírus sobre os humanos.

Excrescência! Dirão alguns. Absurdo! Protestarão outros. Para estes e outros descrentes, podemos retomar a história do vírus Machupo na Bolívia, onde, na década de 1950, durante uma crise econômica que assolava o país, os moradores de um pequeno vilarejo se viram obrigados a expandir suas plantações de milho, sendo que, para esse fim, áreas de mata nativa foram tombadas. Vilarejo e plantação de milho pareceram o refúgio perfeito para o Calomys Callosus, pequeno camundongo com cerca de 45 gramas, agora desabrigado devido ao contexto econômico do país, e portador do vírus Machupo, um arenavírus responsável por causar a febre hemorrágica. 

Alguns nem mesmo referem o Pandemiceno como futuro, mas como presente. Colin Carlson e Gregory Albery são alguns deles. Em estudo publicado na Nature, em abril de 2022, Colin e Gregory apresentaram resultados de uma simulação de um território habitado por 3.100 espécies de mamíferos. Entre suas principais conclusões, descreveram como as mudanças decorrentes das alterações climáticas podem aumentar a probabilidade de sobreposição de territórios, ou seja, quanto mais o clima muda, mais as espécies migram, aumentando também o risco de spillover, aquela situação quando um vírus ou micróbio consegue migrar de uma espécie para outra. O Machupo não era um problema entre os camundongos, mas as taxas de letalidade podem chegar a 60% entre humanos.

 Os cientistas não falam mais de um “se” ocorrer outra pandemia, mas “quando”, cabendo destacar também que não se faz necessário o fim de uma para o começo de outra.

(*) Psicólogo, atua no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) ([email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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