Opinião
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5 de novembro de 2022
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18:34

Analfabetismo funcional em tempos de Indústria 4.0 (por Milton Pomar)

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Milton Pomar (*)

Considerado inicialmente para o 5º lugar no mundo, e agora para o 7º, na previsão atualizada para 2050 de quais serão as maiores economias pela paridade do poder de compra (PPP), da Price Waterhouse Coopers, o Brasil tem pelo menos duas questões estruturais a resolver, se quiser realmente chegar lá: desenvolver indústria competitiva internacionalmente, o que implica liquidar os dois principais gargalos do setor (custo e acesso a financiamento e transporte ferroviário insuficiente), segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria, e mudar de patamar na Educação, com o mínimo de escolaridade no País passando a ser o ensino médio (12 anos) e não mais o Fundamental. 

No caso da Educação, trata-se de reduzir a imensa dívida do Estado brasileiro com um terço (34%) do seu eleitorado, os(as) 53,4 milhões de “analfabetos(as) funcionais” – categoria com 6,3 milhões de analfabetos(as) declarados(as), mais a parcela de 11,2 milhões no critério “lê e escreve” do cadastro do Tribunal Superior Eleitoral, e os 35,9 milhões com Fundamental incompleto. 

Essa é a verdadeira tragédia educacional brasileira, herança de sucessivos governos municipais nos últimos 50 anos, que não cumpriram totalmente com a obrigação de proporcionar o mínimo de escolaridade à sua população e permitiram que chegássemos em 2022, na Era 4.0, com essa inacreditável parcela de um terço dos eleitores e eleitoras analfabetos funcionais.

Os dados sobre a situação, de outubro de 2022, são muito eloquentes: São Paulo, o estado com o maior eleitorado e um dos mais avançados do País na área educacional, tem 25,5% dos seus 34,7 milhões de eleitores e eleitoras na condição de analfabetos funcionais. Minas Gerais (16,3 milhões) tem impressionantes 38,6% nessa condição; Rio de Janeiro (12,8 milhões), 31,9%; Bahia (11,3 milhões), espantosos 42,6%; e o Rio Grande do Sul (8,6 milhões) parcela igual à média nacional: 34%. 

Dói, mas é verdade: quem atua na Educação preocupa-se com a das crianças na escola e a dos jovens no ensino médio e universitário. A Educação de quem já passou pela escola e não completou o Fundamental, ou ficou de fora, essa não é nem considerada. Sempre esteve à margem das discussões dos especialistas e do movimento sindical sobre prioridades de recursos e planejamentos dos novos governos estaduais e do federal.

O baixo nível de escolaridade do eleitorado brasileiro somente costuma ser lembrado quando se atribui a essa condição a responsabilidade pela eleição de figuras execráveis. No mais, o que se ouve de quem pode fazer alguma coisa para mudar a situação é que essa parcela não quer (ou não pode) estudar, que não adianta oferecer a conclusão do Fundamental porque as pessoas que precisam não se interessam etc. Ou que há, sim, oferta de ensino, mas a procura é baixa. Tudo isso é verdade, assim como é verdade também que não há interesse, da parte de quem tem o poder de agir, de alterar significativamente o nível de escolaridade da população adulta à margem do mundo moderno, o tal 4.0, que já tomou conta de todos os setores da economia. Um outro motivo alegado, e que é verdadeiro, é que grande parte desse universo de analfabetos e analfabetas funcionais são pessoas idosas, residentes em municípios dos interiores dos estados.

Voltando aos dados do cadastro eleitoral: há três a quatro vezes mais gente com o Fundamental incompleto, do que com ele completo. Realidade suficientemente inaceitável para que, quem atua na Educação, se mexa para reduzir a quantidade de adultos e adultas jovens e idosas nessa condição, proporcionando-lhes assim – a milhões de pessoas –, acesso ao ensino médio.

Diminuir essa tragédia somente será possível com a contratação de profissionais da Educação pelos estados, exclusivamente para atender a parcela da população interessada em concluir o Fundamental. Com isso, haverá o rejuvenescimento e a ampliação dessa categoria, hoje em muitos estados com mais profissionais aposentadas(os) do que na ativa, porque com o ensino Fundamental completo, muitas pessoas vão querer continuar a estudar, fazer o médio, e talvez até cursos universitários. 

Para isso acontecer, será preciso superar inclusive um certo negacionismo – muita gente da área não acredita nas dimensões dessa realidade. No Ceará, por exemplo, com trabalho importante na Educação, é difícil aceitar que 20,8% do eleitorado não tem o Fundamental completo. Ou que um estado como Santa Catarina (23,3%) tenha a mesma proporção do Piauí (23,4%) de adultos com o Fundamental incompleto. E que o Rio Grande do Sul, com seus espantosos 29%, supere todos os demais estados na proporção do eleitorado com Fundamental incompleto, “perdendo” apenas para o estado do Sergipe (29,4%). 

(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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