Opinião
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20 de outubro de 2022
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09:21

Reaprender a se comunicar (por Adeli Sell)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Adeli Sell (*)

“Quem fala tem que escolher uma expressão compreensível para que este (o falante) e o ouvinte possam compreender um ao outro” (Habermas).

Não é assim que agimos. Ficamos falando, jogando nossos conceitos ao vento, sem a preocupação “habermasiana” de mútua compreensão.

Continuamos a falar, expondo um conjunto de questões; porém, desconhecendo que a “eleição mostra que a extrema direita ‘se normalizou’ no Brasil e veio para ficar”, como nos diz Lúcia Müzel, num artigo emblemático.

Oito dos 14 governadores eleitos no primeiro turno são bolsonaristas, e como os analisamos? Em que Estados venceram? Quem são? O que falaram? Tivemos a paciência de escutá-los e ler seus “programas”. Por que se veem pessoas fardadas de bolsonaristas, camisetas amarelas, bandeiras enroladas junto ao corpo, dando-se as mãos, rezando enquanto se contavam os votos?

Os votos estavam seguros nas urnas, mas elas “rezavam”. Nada mudaria. Nada mudou, mas elas rezaram. Por que razão rezam?

Quem analisou pormenorizadamente as pesquisas? Os institutos se utilizam ainda do censo de uma década atrás? O Brasil mudou. O país é mutante. Pessoas se deslocam. Em dez anos um lugar fica paupérrimo, enquanto em outro há enriquecimentos.

O eixo RS, SC, PR, MT de Norte teve ao longo de décadas um fluxo migratório de “corrida” às terras mais férteis ou disponíveis a preços baixos, com um grande número de gaúchos, tipo do sujeito “self made man”, tipo “desbravador”. Em muitos momentos esta gente usou métodos pouco civilizados e querem continuar usando tudo isto e muito mais, como sonegação. Ou não?

Como captar o pensamento real dos envergonhados? Quem fala com os que não falam?

Quem os escuta?

Por que motivos os cantores sertanejos são tão “direitosos”? Por que o sonegador Neymar e Ronaldinho Gaúcho estão com o Inominável?

Qual a leitura que fizemos sobre o ataque racista sofrido por Seu Jorge num clube famoso da capital gaúcha?

Temos que fazer a leitura do áudio vazado pelo douto presidente, com vários tópicos criminosos, com sua coletiva, entrevistas, nas quais tergiversou. O que dirá para a delegada? Estas coisas tem que ser analisadas, “debulhadas”. Ponto a ponto.

O que dizem os Estatutos das entidades da classe patronal? Que não podem tomar partido etc. e tal, mas por que indicam voto? Por que entidades da classe patronal, patrões tipo “Casa Grande” cometem o crime de assédio? A cada dia aumentam as denúncias, esperando que cada uma seja judicializada.

Ainda Habermas:

“Não afirmo que os homens gostariam de agir de modo comunicativo, mas que eles são obrigados a agir desta maneira.“

A ação deve ser comunicativa no rebate ao atraso, ao conservadorismo, às duas caras, às fake news. E esta ação pressupõe “comunicar” às autoridades, com denúncias, não apenas postar nas redes e ficar no eterno mimimi.

“Só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer (…)”, continua Habermas.

As redes sociais, com “nossos” amigos – dentro de uma bolha – nunca foram a “esfera pública”. E nunca chegarão a ser.

A esquerda está envelhecendo no Brasil e alguns reconhecem a falta de “diálogo intergeracional”, mas tateiam, parecem caminhar sobre ovos, com medo de serem impactados pelos jovens e seu mundo.

Pais não sabem o que fazer com seus filhos, muitos com depressão, trancados em seus quartos, vários são projetos de suicidas ambulantes, porque “este” mundo não é o seu.

Como os pais não conhecem seus filhos, os políticos não conhecem o “Brasil Profundo”, aquilo que se passa fora de sua bolha. Há pouca escuta do mundão das distâncias das cidades, como do mundo que são certas comunidades.

Os votos em 2020 e também agora foram votos muitas vezes de certos nichos, sem espaço para votos de opinião geral, pois esta é até estranha para a maioria, quando há duas décadas tinha peso.

Não tem lugar para ficar em cima do muro, o centro político escolheu lado. Muitos foram para a direita, sendo que a esquerda foi premiada com um recado claro: voto em negros, em candidatos LGBTqi+, em representantes de movimentos sociais com viés mais nítido.

Mesmo nas regiões mais conservadoras como foi o caso da Serra gaúcha, com antiga colonização italiana, onde o Inominável venceu bem, a esquerda elege sua deputada federal negra, urbanista; de vereadora de Caxias para a Câmara Federal. Ou seja, o eleitor tem feito opções mais definidas.

Como chegar ao eleitor envergonhado, ao eleitor do Brasil Profundo, ao eleitor que carrega doses imensas de conservadorismo cultural e moral?

Estes segmentos só serão atingidos com uma ação comunicativa com falas claras, precisas, simples sem serem simplistas, que consigam elucidar seus dramas.

Sem empatia com o outro, em especial, com os esquecidos, com aqueles que muitas vezes nem sabem verbalizar o seu sentimento, nada vai avançar.

Será um grande exercício de paciência, de resiliência, de busca de compreensão que vai criar uma maioria pela democracia, pela paz, contra a violência, contra o racismo. E neste particular deve haver a aplicação da lei, esperança que estamos tendo em relação ao episódio acontecido contra o cantor negro Seu Jorge em clube de elite local.

Vamos buscar saídas, eis a de Norberto Bobbio:

“A história é um labirinto. Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum.” 

(*) Professor, escritor e bacharel em Direito

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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