Opinião
|
16 de outubro de 2022
|
13:47

‘Pintou um clima’: uma crônica da institucionalização do crime (por Sandro Ari Andrade de Miranda)

Processo já tinha maioria formada desde fevereiro, mas processo foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Processo já tinha maioria formada desde fevereiro, mas processo foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Sandro Ari Andrade de Miranda (*)

Antigamente os pais assustavam seus filhos no interior no Rio Grande do Sul com a lenda do “velho do saco”. Sempre foi isto, apenas uma lenda. Mas hoje o Brasil vê surgir uma nova fonte de ameaça, mas esta tem base real: o “tarado da motocicleta”. Quando Bolsonaro diz que “pintou um clima” e entra na casa de “meninas bonitinhas”, todas com “14 ou 15 anos”, que estavam “se arrumando para o você sabe o que”, as palavras grifadas foram pinçadas da fala do Chefe do Executivo, ele apenas reproduz o perfil médio de todo o pedófilo e criminoso sexual.

Façam uma pesquisa em livros de criminologia, pois isto não é um exagero, mas um dado científico. Criminosos sexuais são, estaticamente e em média: homens brancos, com idade avançada, com boa condição financeira, sem empatia, machistas, mentirosos compulsivos (estão sempre se justificando), boa capacidade de argumentação (para convencer suas vítimas), com evidente frustação sexual (apego a substitutos fálicos, como armas) e externalização de valores morais conservadores (como excesso de religiosidade). Vocês notaram a similaridade do arquétipo?

Não estou dizendo que Bolsonaro seja um criminoso sexual, mas que os seus atos, seus discursos e sua prática possuem grande similaridade, tanto que vários executores de crimes que possuem natureza sexual são seus seguidores e apoiadores, como o Goleiro Bruno (condenado por feminicídio), Guilherme de Pádua (também femicídio), Robinho (condenado por estupro coletivo), Douglas Garcia (acusado de pedofilia), só para citar alguns. Além disto, há dezenas de casos envolvendo estupro de vulnerável e assédio de adolescentes por monitores militares em escolas militarizadas por governos bolsonaristas no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, na Paraíba, no Amazonas, etc. Pesquisem nos sites de busca e vão ver a veracidade e pertinência desta preocupação.

No caso da fala de Bolsonaro no podcast cearense, no qual sustenta ter pintado um clima com adolescentes de 14 anos em Brasília, há uma série de implicações e todas envolvem crimes:

1) Se ele teve contato por qualquer de tipo de lascívia com as meninas, temos estupro de vulnerável (em princípio, não parece ser este o caso);

2) Se realmente houvesse prostituição no local, ele quebrou o decoro e cometeu Crime de Responsabilidade, ao visitar o espaço e não agir para acabar com o crime. Lembre-se que é o Presidente da República, chefe da Polícia Federal. Logo, é muito mais do que prevaricação, dado o cargo que ocupa; e

3) O que parece ser o real, mesmo não tendo havido nada, e a narrativa ser um “devaneio” da sua mente perversa, que vê “pintar um clima” com menores de 14 anos, temos crime contra a honra de um local que recebia crianças em condição de vulnerabilidade e lhes oferecia assistência.

Em qualquer das hipóteses acima, fica evidente que Bolsonaro não tem estatura moral para o cargo que ocupa. O Presidente da República de uma das maiores economias do mundo, não pode “passar o pano para a pedofilia” e a “prostituição infantil”, não pode falar “que comeria um indígena cozido”, não pode “sexualizar uma criança em live”, não pode “imitar pessoas com falta de ar” ou “fazer piada rindo das vítimas de COVID-19”, dentre outros absurdos. Bolsonaro é um ser perverso, abjeto, imoral e irresponsável.

A chegada de Bolsonaro ao poder tornou o país campo fértil para crimes sexuais, pois fomenta a expansão de atividades que se utilizam do tráfico de mulheres e de crianças, como o garimpo e as áreas de desmatamento. Sim, todo o crime sustenta outros crimes. É uma espécie de cadeia produtiva da violência que precisa ser quebrada. Esta cadeia, infelizmente, conta com a barreira de proteção da Chefia da Procuradoria Geral da República e da Presidência da Câmara. Em qualquer país que respeita a sua ordem constitucional Bolsonaro já teria sofrido o impeachment e estaria respondendo criminalmente por suas condutas.

A tragédia da chegada do bolsonarismo ao poder é muito maior do que apenas um governo que compra votos com o orçamento secreto, ou de agentes políticos que compram imóveis com dinheiro vivo, claro indício de lavagem de dinheiro ilegal. Está no legado de destruição moral do país. Precisamos derrotá-lo enquanto ainda há tempo.

(*) Advogado, doutorando em Sociologia

***

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora