Opinião
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18 de outubro de 2022
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07:25

Dinheiro público, destino secreto (por Milton Pomar)

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Milton Pomar (*)

Completa 29 anos, no próximo dia 20 de outubro, a instauração da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), para investigar o esquema de corrupção no Congresso Nacional que ficou conhecido como “Escândalo dos Anões do Orçamento”. Criada a partir de requerimento do senador Eduardo Suplicy, foi uma CPMI inédita – senadores e deputados federais investigando seus pares, em notável ruptura do “espírito de corpo” que mantém a impunidade (e a corrupção).

Realizada rapidamente, em janeiro de 1994 a CPMI teve o seu relatório final publicado, com seis deputados cassados (três do PMDB e três do PTB) e dez absolvidos. Quatro deputados (três do PMDB e um do PFL) renunciaram antes da leitura do relatório, para não serem cassados. As empreiteiras envolvidas no esquema, velhas conhecidas, foram preservadas, na lógica de se punir os corruptos e deixar livres os corruptores. 

Classificado como “gigantesco esquema de corrupção”, em dissertação de mestrado de Anselmo Laghi Laranja (“Negócios Públicos, Riquezas Privadas: o Escândalo dos Anões do Orçamento (1993-1994)”, pelo volume de dinheiro envolvido, hoje ele pode ser considerado “brincadeira de criança”, se comparado ao “Orçamento Secreto” federal, em vigor desde 2020. Difícil de acreditar, de tão “cara-de-pau”, o esquema colocado em vigor há três anos, via “emenda do relator” é muito mais ganancioso do que o anterior na escala de apropriação de recursos públicos. Não se sabe quem (e quanto) autoriza, para onde e o que. Só o que se sabe é que o dinheiro “foi”. E quanto dinheiro: a estimativa para 2020/22 é de 45 bilhões de reais. Com os R$19 bilhões previstos para 2023, o total será de R$64 bilhões. 

Dinheiro público, destino secreto. Portanto, totalmente ilegal. Não é mesmo uma loucura? – O Congresso Nacional aprova e operacionaliza a utilização de dezenas de bilhões de reais de recursos públicos, sem se achar na obrigação de prestar contas. No ano eleitoral de 2020 foram 20 bilhões em emendas destinadas pelo relator do Orçamento Geral da União (OGU). Em 2022, novamente ano eleitoral, foram R$12,3 bilhões. Tanto dinheiro deixa rastros, evidentemente. As instituições de controle e investigação precisam informar como realizaram – ou estão realizando – a fiscalização desses recursos destinados a cinco mil prefeituras, governos estaduais e instituições não-governamentais, em 2020-2022.

Quantos dos integrantes dos partidos que formam a aliança informal conhecida por “Centrão” (PL, Republicano, PP, PTB, PSD, Patriota e PSC) foram reeleitos? A proporção foi maior do que a dos parlamentares de partidos que não fazem parte do “Centrão”? Quantos dos agraciados com mega-emendas para os municípios das regiões que formam a sua base eleitoral tiveram mega-votações surpreendentes? E quantos cresceram também em outras regiões, para as quais destinaram muito dinheiro público, através das tais emendas do relator? (Para 2023, há R$11,7 bilhões para emendas individuais, R$7,6 bilhões de bancadas, e R$19,3 bilhões do relator…)

Imagine-se o poder de um deputado com R$100 a 500 milhões para destinar como quiser?

Vivemos um tempo tão fantástico no Brasil que a apropriação de recursos públicos dessa forma, em grande escala, não é suficiente para mobilizar a sociedade a protestar contra a parcela do Congresso que age com tamanha desfaçatez. Trata-se de questões que prejudicam a população, porque esse “fundo secreto” para congressistas fazerem o que bem entenderem é formado com dinheiro tirado da farmácia popular, da educação, saúde, transportes públicos, investimentos etc. 

É um absurdo total, em relação ao que estabelece a Constituição Federal, e multiplica muito a corrupção, em escala bilionária, tanto nos períodos eleitorais (2020/22 e 2024), como fora deles. 

Aliás, já começou a descoberta do festival de casos inacreditáveis de utilização desse dinheiro público por ora ainda secreto. Se os parlamentares maiores beneficiários forem investigados, estabelecendo-se o nexo com suas reeleições milionárias, logo se terá uma reviravolta nessa aberração inconstitucional e o País poderá voltar à normalidade da destinação da metade do OGU – porque a outra metade, que continua sendo apropriada todos os anos por bancos e rentistas, ainda exigirá muita briga para voltar a ser destinada à população brasileira.

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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