Opinião
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5 de setembro de 2022
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07:50

Envelhecimento com qualidade e as eleições (por Milton Pomar)

,Foto: Luiza Castro/Sul21
,Foto: Luiza Castro/Sul21

Milton Pomar (*)

Debater o futuro no Brasil tornou-se sinônimo hoje de assegurar envelhecimento com qualidade às 70,9 milhões de eleitoras e eleitores, pessoas idosas e que ficarão idosas nos próximos anos, a maioria delas com pouco dinheiro e cada vez menos familiares. A parcela de pessoas idosas (60 anos de idade e mais) no eleitorado brasileiro totaliza 32,7 milhões (21% do eleitorado) – das quais quase metade (14,8 milhões) tem 70 anos de idade e mais. Com os 38,2 milhões da “faixa madura” (45 a 49 anos), significa que até 2037 mais que dobrará a quantidade de idosos e idosas no Brasil. É mais gente do que toda a população da França, é quase uma Alemanha inteira!

Essa realidade crescentemente idosa atinge o Brasil de maneira desigual – muito mais na região Sul – e é semelhante à que ocorre no Japão, China, Itália, Polônia, Espanha e Portugal. A ideia do “Brasil jovem”, propagada como verdade absoluta até o final do século passado, não resiste à realidade atual (ago/22) do cadastro do Tribunal Superior Eleitoral: 102,8 milhões de eleitoras e eleitores têm 35 anos de idade e mais (66% do total), e 53 milhões estão nas faixas de 16 a 34 anos (34%). Com a diferença significativa, no eleitorado com 35 anos e mais, de haver 6,4 milhões de eleitoras a mais do que eleitores. 

Quantos recursos estão reservados para 2023, nos orçamentos municipais, estaduais e o federal para atender esses 70,9 milhões de eleitoras e eleitores com 45 anos de idade e mais, para que possam ter envelhecimento com qualidade? – A grande maioria dessas pessoas tem pouco ou nenhum dinheiro, e muitas estão sozinhas, passando todo tipo de privações. Campeão em desigualdade social, o Brasil maltrata muito suas idosas e idosos que se encontram na faixa de renda de até US$5,50 diários, considerados pelo Banco Mundial como “menos pobre”.

 

Daqui em diante, a grande briga das pessoas idosas e das que pretendem “chegar lá” em boas condições de vida será pela destinação de recursos públicos para atender às suas demandas gerais e específicas. O Orçamento Geral da União (OGU) é exemplar: quase metade dos recursos federais vai para bancos, e o que sobra é para todo o restante. Nos estados e municípios não é diferente – por isso, é raro encontrar algum que tenha ao menos 1% destinado aos 20% (em muitos municípios 25%, e até mais) do eleitorado com mais de 60 anos de idade. 

Para atender mais que uma França inteira de idosas e idosos, o Brasil terá que se mexer rápido a partir de 2023, porque trata-se de construir milhares de prédios em todo o País, para atender a demanda por “casa de passagem”, para milhões de pessoas com pouco ou nenhum dinheiro, que precisam trabalhar e não têm onde deixar seu familiar idoso(a) durante o dia. E as “casas de repouso”, para atender milhões que precisam morar e receber cuidados especializados e as famílias mal e mal têm recursos para comer. Mais piscinas públicas, bibliotecas, espaços para atividades culturais – em muitos casos, aproveitar escolas para crianças que foram fechadas por falta de demanda. E “incubadoras”, para quem precisa continuar trabalhando para ter mais renda, porque a aposentadoria é insuficiente. 

Outra questão fundamental a ser enfrentada é a tragédia educacional brasileira, o baixo nível de escolaridade do eleitorado – reduzir o analfabetismo funcional dos 45,8 milhões de pessoas idosas e que chegarão aos 60 anos até 2050: 4,0 milhões (76,3%) na faixa de 79 anos e mais; 6,4 milhões (66,2%) de 70 a 79; 9,7 milhões (54,2%), de 60 a 69; 17,1 milhões (44,8%) de 45 a 49 anos; e 8,6 milhões (26,8%) de 35 a 44.

O mínimo de escolaridade em 2022, em tempos de tudo 4.0, é o nível médio. Esses 45,8 milhões não têm o Fundamental completo! Muitas pessoas idosas, do total de 20,1 milhões sem o mínimo de escolaridade formal, talvez não queiram mais voltar a estudar para “tirar o diploma”. Muitas talvez queiram, e esse é um direito que elas têm. Mas certamente para a grande maioria dos 25,7 milhões com 35 a 49 anos, concluir o Fundamental fará muita diferença na qualidade de vida, por lhes permitir acesso ao ensino médio e universitário. 

Temos que trazer à tona essas questões na campanha eleitoral – limitada mais uma vez ao pobre debate dos possíveis significados dos números das pesquisas –, escancarar a realidade dos interiores do País e cobrar as responsabilidades dos gestores e legisladores, para evitar que se chegue em 2040 a uma situação de caos nos quase quatro mil municípios com menos de 20 mil habitantes, onde o percentual de eleitoras e eleitores acima de 45 anos de idade chega perto dos 50%. Assim como quem tem fome tem pressa, também tem pressa quem está idosa e idoso.

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas, 63 anos

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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