Opinião
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11 de setembro de 2022
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12:07

Brocháveis (por Celso Gutfreind)

Jair Bolsonaro, o
Jair Bolsonaro, o "imbrochável" (Foto: Alan Santos/PR)

Celso Gutfreind (*)

Brochar é um dos atos mais humanos, senão o maior, ao revelar a humanidade à beira de uma situação-limite da sua existência. Onde há um não, um quase, um fica para a próxima tentativa. E tentar é tudo o que podemos. Brochar revela a verdade de que somos frágeis, falíveis, desejosos e capazes do nosso máximo encontro, caso não tivéssemos brochado. Mas brochamos e, se brochamos, faz parte. Se nos dispomos a olhar o que houve – ou não houve -, encontramos a parte mais verdadeira do que podemos querer. Já, quando não brochamos, alcançamos o todo a que, às vezes, temos direito. E devemos cuidar, durante a sua efemeridade. Tudo é efêmero, inclusive a potência, essa metáfora da vida.

Não brochar é bravata concreta de fanáticos ou atores pornográficos, é adentrar a arrogância e a penúria. Brochar traz, paradoxalmente, um clima de erotismo, já que, no fundo, estamos na corda bamba, essa é a verdade da onipotência que o ignora, como se a vida não fosse à beira da morte, e não houvesse um fim. Vejamos os atletas, os maiores deles. Um Neymar, um Messi, um Nadal. Perdem. Brocham. Até Pelé. São humanos, cessadas as galácticas performances dos seus melhores dias. E, mais do que ninguém, goleiros sabem brochar: pintos encolhidos, engolem frangos. Depois, levantam. É do jogo, quando é digno, honesto, capaz de reconhecer adversários e disputar com eles, sem destruí-los. Tem símbolo, é mais luta livre (como era) do que MMA, como é.

Para Vinícius de Moraes, um antigo, só a zona sul brochava, mas, poeta ainda, alcançava o sentido figurado. Na verdade, brocha-se ao norte, a leste, a oeste, a rosa dos ventos é brochável, em todas as direções. Até mesmo Aquiles brochava, pelo calcanhar, Deus-homem, mulher, humano. Nós perdemos, nós perdemos sempre – disse outro poeta das antigas. Na psicanálise e fora dela, saber perder pode ser o ganho maior.

Há um novo sentido figurado nisso, o que falta aos imbrocháveis. Esses, além de não brocharem, não abstraem e, a rigor, jamais reconhecem a existência do outro. Infelizmente, estão por aí – por aqui -, entre a violência, a barbárie, a arrogância. Não aceitam a verdade, que, às vezes, brocha. Eles, nunca, porque mentem. Sempre.

(*) Psicanalista, escritor, integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA). Artigo publicado originalmente no Observatório Psicanalítico da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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