Opinião
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3 de agosto de 2022
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14:26

Por que a China não deve cair nas provocações dos EUA sobre Taiwan? (por Deuinalom Cambanco)

Xi Jinping, presidente da República Popular da China (Xinhua)
Xi Jinping, presidente da República Popular da China (Xinhua)

Deuinalom Fernando Cambanco (*)

Não é novidade para ninguém o que está acontecendo na geopolítica internacional nesse exato momento, pelo menos para aqueles mais atentos e mais familiarizados com o tema. A visita da Nancy Pelosi, a Speaker of the House of Representative (Presidente da Câmara dos Deputados estadunidense) a Taiwan se materializou no início do dia 2 de agosto. Uma visita concebida pelo governo chinês como uma provocação e violação da soberania nacional daquele país asiático.

Um dos princípios mais sagrados do governo de Pequim, desde sua fundação e instalação em outubro de 1949, na esteira da revolução ocorrida naquele ano, é o de One China, uma única China na tradução livre. O princípio de uma única China visa, antes de tudo, para quem não sabe, o reconhecimento pela Comunidade Internacional da ilha de Taiwan – para onde fugiram os nacionalistas, liderados na época por general Chiang Kai-Shek e expulsos da China continental em 1949 – como parte indissociável do território chinês.

As autoridades de Pequim encaram a ilha como um “território rebelde” que mais cedo ou mais tarde terá que voltar sob seu reinado. Essa, inclusive, constitui uma das principais missões do atual presidente do gigante asiático, o Xi Jinping. Ele claramente quer deixar isso para a futura geração dos chineses como seu grande legado – prometendo cumpri-la pacificamente ou por vias armadas se necessário for.

Não obstante, esse desiderato parece cada vez mais difícil de materializar. Graças a um único empecilho, os Estados Unidos. Apesar de na década de 1970 aquele país da América do Norte ter voltado atrás e passado a reconhecer apenas a China continental como o país legítimo e com o qual tem mantido com exclusividade as relações diplomáticas nunca deixou de alimentar a esperança, por assim dizer, mesmo que de maneira indireta, de Taiwan em se tornar num Estado verdadeiramente independente. Isso tem sido notado por meio de variados apoios que esse recebe em praticamente todos os domínios, particularmente no domínio militar bem como nos ideais democráticos – frustrando e minando, desta feita, sobremaneira, os esforços de Pequim na tão desejada reunificação com aquela ilha.

Todavia, em minhas presunções, a visita de Pelosi a ilha neste momento é inoportuna e desnecessária, visto que as relações entre os dois países (EUA e China) já vêm sofrendo forte abalo nos últimos anos, particularmente depois do surgimento e proliferação da Covid-19 e suas consequências devastadoras na economia global.

Passaram 25 anos desde que um alto representante do poder político estadunidense fez uma visita a ilha. Por que só agora, justamente num momento de alta tensão geopolítica devido ao conflito no leste europeu entre Rússia e Ucrânia, essa visita deve ocorrer? Por que só agora, com a inflamação das tensões no pacífico sul e nas imediações do mar do sul da China essa visita deve ocorrer?

Do ponto de vista racional e lógico e também histórico, as respostas apontam, sem qualquer reserva, para a tradicional atitude estadunidense de provocar conflitos alheios para o bem de sua indústria bélica. Isso não é mais segredo para ninguém e o próprio país faz questão de firmemente demostrar isso com as intervenções que tem deflagrado em todo globo nos últimos tempos, em nome de paz, direitos humanos, liberdade, democracia de bem-estar. Vale chamar a atenção de que aqui não se está a fazer a defesa da China, mas apenas e tão somente constatando os fatos e a realidade concreta das coisas. Como diz o ditado popular, “contra os fatos, não há argumentos”. De todo modo, essa atitude dos EUA não apenas contradiz enormemente a assunção de que reconhece uma única China, mas representa um perigo real da escalada de um conflito de proporções globais.

A Casa Branca alegou não ter poder de impedir a viagem da Pelosi se assim ela desejasse, em respeito a princípio de separação dos poderes. Mas engana-se quem cair nesse discurso, pois essa não é a primeira vez que a Pelosi preside a Câmara dos Deputados. Ela já havia servido como presidente daquela instituição nos mandatos do presidente Barack Obama aquando da eleição deste nos idos anos de 2008. Então por que não havia visitado a ilha na ocasião? Por que só agora pôde fazê-la? Assim, pode-se concluir que foi e é uma visita proposital e bem e previamente articulada.

Mas respondendo agora a questão que se fez o título desse breve ensaio. Por que a China não deve cair nas provocações dos EUA nessa questão? Bem, em minha
avaliação, a potência asiática não deve cair nas provocações dos EUA por diversas razões, quais sejam: para não se autodestruir, pois é isso que estaria fazendo em caso de um ataque a Taiwan (seu próprio território); para não afetar pesadamente os seus interesses econômico-estratégicos naquele arquipélago; para não alimentar a indústria belicista estadunidense como vem acontecendo no conflito da Ucrânia; e, mais importante, para não comprometer seu progresso e ascensão econômica rumo a ocupação do posto de maior economia do planeta, como atestam muitas pesquisas, fato que incomoda bastante o establishment de Washington e que farão de tudo para conter.

O discurso de fortalecimento de democracia e direitos humanos comprado e visceralmente propagado pela Pelosi e pelo império norte americano é uma mera falácia, a Líbia que o diga. Aquele país africano, brutalmente invadido e desmantelado pelos EUA e seus capacho (A França e a Inglaterra), em nome de democracia, liberdade e direitos humanos foi largado a própria sorte e até nesse exato momento nunca voltou a se reencontrar novamente. O pior de todo é que isso aconteceu sob a presidência de Barack Obama, filho de um africano.

Cabe a Pequim, neste momento delicado e desafiador, controlar seus ânimos e anseios para não se autodestruir e, acima de tudo, não colocar o mundo (todos nós) a beira de um conflito no qual ninguém se sairia vencedor, me refiro ao conflito de empregos de bombas atômicas. Um conflito que nós deste lado do Atlântico, embora não sejamos partes envolvidas diretamente nas tensões, mas ciente dos impactos apocalípticos e devastadores de um conflito atômico, não desejamos. Que prevaleça o bem!

(*) Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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